16 agosto 2014

A IGREJA; O QUE É QUANDO SURGIU (FINAL)



b-  A Promessa de Deus e a Igreja.

              Quando lemos as Escrituras notamos que os santos do AT aguardavam um certa promessa se cumprir, mas eles não viram a promessa e só estariam incluídos nela quando ela se concretizasse (Rm. 4.16; 9.8; 15.8; Hb. 11.19).  Esta promessa que Abraão esperou e não alcançou (Hb. 11.13), era o fato de se tornar o Pai da Fé (Rm. 4. 17-18),  a pátria celestial, possibilitada apenas com a vinda de Cristo e formação da Igreja (At. 13-23; 1Co. 1.20). É a chegada do evangelho que anuncia justamente essa promessa cumprida em Cristo (At. 13.32; Gl. 3. 16, 22, 29). Ora, esta promessa só se cumpre em Cristo, pois os que têm fé em Cristo, sendo descendentes carnais de Abraão ou não, se tornam seus filhos (Rm. 4. 11-25; Gl. 4. 28). Logo o cumprimento da promessa está no estabelecimento da Nova Aliança, quando Cristo  com seu sangue compra pessoas de todas as nações, formando assim a comunidade da fé. Logo, a Igreja que é o cumprimento desta promessa, então só nasce após o evento Cristo.
              É como se a salvação dos santos do AT só se concretizasse em Cristo, pois eles deveriam esperar a promessa se cumprir, promessa esta que estava encoberta na Antiga Aliança (Rm. 16. 24-25). Quando Cristo vem, seu sacrifício tem uma ação retroativa redimindo completamente também os santos do Antigo Testamento (Rm. 3. 22-25; Hb. 9.15).  Estes santos não podiam ser aperfeiçoados pelos sacrifícios da Antiga Aliança (Hb. 10.1-10). Com a vinda de Cristo, ao morrer e instituir a Nova Aliança, a Antiga, a da Lei, que tinha prazo de validade (Rm. 10.4; Gl. 3.23-26) expira (Hb. 8),  e todos os aqueles santos do AT alcançam  a promessa, são redimidos por Cristo, e entram na única Assembleia dos Santos, a Igreja do Senhor (Hb. 12.22-24). A Igreja hoje enche tudo como corpo de Cristo. Por isso ela existe a partir de Cristo que é Seu Cabeça, se existisse antes estava sem Cabeça (Ef. 1.22-23).
              Alguém pode dizer: “mas assim estaríamos fazendo diferença entre os santos do AT e os do NT”. Ora, é isso mesmo o que acontece. Aqui em concordo com CALVINO que comentando Hebreus 11.13 escreveu:


Em contrapartida concordo com aqueles que creem que se deve observar aqui uma certa diferença entre os pais e nós, o que exponho assim: Ainda que Deus tenha dado aos pais apenas uma prelibação de seu favor, a qual é derramada generosamente sobre nós; e ainda que ele lhes haja mostrado  apenas uma vaga imagem de Cristo, como que à distância, o qual é agora posto diante de nossos olhos para que o vejamos, todavia ficaram satisfeitos e nunca decairam de sua fé... Eles se    encontravam  longe desse elevado estado no qual Deus nos estabeleceu. Ainda que a mesma salvação lhes fora prometida, todavia as promessas não lhes foram reveladas com a mesma clareza que    desfrutamos  no reino de Cristo, senão que se contentaram em contemplá-las de longe.[1]


É claro que CALVINO tem toda razão ao pensar assim, ele está sendo completamente bíblico e acompanhando o pensamento do autor deste escrito aos Hebreus, pois ao terminar o capítulo 11 ele escreve sobre os santos e heróis da fé do AT:

              Ora, todos estes que obtiveram bom testemunho por sua fé não obtiveram, contudo, a             concretização da promessa, por haver Deus provido coisa superior a nosso respeito,                para que eles, sem nós, não fossem aperfeiçoados (Hb. 11.39-40).

              Mais uma vez o Reformador ajuda aqui: “Sei que Crisóstomo e alguns outros apresentam uma explicação diferenciada, mas o contexto claramente revela que a referência, aqui, é a diferença na graça que Deus concedeu aos fiéis sob [o regime de] a lei e o que ele nos concede hoje”.[2]
c) A palavra ekklêsia no AT.
    
              As vezes é apresentado o fato de que Lucas disse que Estevão usou a palavra Igreja para se referir aos santos do AT em Atos 7.28 como prova de que o povo de Israel era a Igreja antes de Cristo. Será que este fato não desmancha a tese de que a Igreja é algo do NT? Não!
              Já foi dito anteriormente[3] que os autores bíblicos do NT usavam a palavra ekklêsia para designar uma reunião, fosse ela cristã ou não (At. 19.32, 39, 41), e á assim que encontramos a palavra sendo usada para significar a reunião do povo de Israel no AT. Se o fato de Estevão usar a palavra ekklêsia aplicando-a a congregação de Israel faz com que Israel seja a Igreja, quando a Septuaginta usa a palavra ekklêsia como sinônimo de sinagoga faria de ekklêsia a mesma coisa que sinagoga:

·         Saíram todos os filhos de Israel, e a congregação (ekklêsia) se ajuntou (sinagôgê) perante o SENHOR em Mispa, como se fora um só homem, desde Dã até Berseba, como também a terra de Gileade. Os príncipes de todo o povo e todas as tribos de Israel se apresentaram na congregação (ekklêsia) do povo de Deus. Havia quatrocentos mil homens de pé, que puxavam da espada (Jz. 20.1-2-LXX).

·         E disseram: Há alguma das tribos de Israel que não tenha subido ao SENHOR a Mispa? E eis que ninguém de Jabes-Gileade viera ao acampamento, à assembleia (ekklêsia)... Por isso, a congregação (sinagôgê) enviou lá doze mil homens dos mais valentes e lhes ordenou, dizendo: Ide e, a fio de espada, feri os moradores de Jabes- Gileade, e as mulheres, e as crianças ... Toda a congregação (sinagôgê), pois, enviou mensageiros aos filhos de Benjamim que estavam na penha Rimom, e lhes proclamaram a paz (Jz. 21. 8, 10, 13, LXX).

E aqui o paralelismo hebraico é claro:

· Quase que me achei em todo mal que sucedeu no meio da assembleia (ekklêsia) e da congregação (sinagôgê).

              A mesma coisa acontece com o uso da palavra sinagoga. Todos sabem que a sinagoga é a reunião de estudo da Lei dos judeus, mas as vezes encontramos as reuniões dos gentios chamadas de sinagoga na tradução grega do AT (Gn. 28. 3; 35.11; Ez. 26.7; 27.27, 34; 38.15; Sf. 3.8). Mas, isso não faz da sinagoga judaica uma reunião de gentios.
              Não sei como alguém ainda usa o fato de Lucas (o autor de Atos que escrevia em grego)  ter chamado a reunião do povo hebreu de ekklêsia como argumento para dizer que Israel era o mesmo que a Igreja de Deus no AT. Este é um castelo de cartas fácil de derrubar. O que temos é apenas estilo de escrita sem nenhuma conotação teológica.
              Quem lê com atenção os primeiros capítulos da carta de Paulo aos Efésios acha com facilidade a resposta para a origem da Igreja. Ali está escrito que ela estava no secreto conselho de Deus desde antes da fundação do mundo (1.1-11), mas que foi revelada na História a partir das boas novas (evangelho) de Jesus Cristo seu Cabeça (1.22-23;3.1-13). A comunidade dos discípulos durante a vida de Cristo era o embrião da Igreja[4] revelada no Dia de Pentecoste como explica Martyn LLOYD-JONES: “E aqui, em Atos, capítulo 2, Deus está dando início à Igreja Cristã”.[5] Com quem concorda GUTHRIE: “O evento crítico no início da comunidade cristã foi, sem dúvida o Pentecostes. Somente a partir da descida do Espírito a comunidade foi efetivada”.[6] E Walter C. KAISER é claro ao dizer que foi o batismo com o Espírito Santo em Atos 2 que assinalou o começo da Igreja, pois quando todos foram cheios do Espírito deram início a ekklêsia de Cristo.[7]
              Bem, diante de “uma tal nuvem de testemunhas” resta você tirar suas conclusões.


NOTAS 

[1] Hebreus (São Paulo: Paracletos, 1997), p. 319.

[2] Ibid, pp. 346-347

[3] Veja tópico I- Definição de Termos, letra b.

[4] GUTHRIE, Donald. Teologia do Novo Testamento (São Paulo: Cultura Cristã, 2007), p. 716; Augustus H. Strong também partilha da mesma ideia, para a Igreja esteve entre os discípulos de Cristo em germe, e foi inteiramente revelada após o Pentecoste (Teologia Sistemática, vl. 2. 2ª ed. Rev. (São Paulo: Hagnos, 2007), p. 1582ss

[5] Cristianismo Autêntico, vl. 1 (São Paulo: PES, 2005), p. 43.

[6] Teologia do Novo Testamento, p. 737; “O nascimento da Igreja ocorreu no dia de Pentecostes, quando o Espírito Santo, enviado pelo Pai e pelo Filho, desceu em poder sobre a comunidade dos discipulos reunida em oração no “cenáculo” em Jerusalém (At 2.1-4)”. STURZ, Richard J. Teologia Sistemática (São Paulo: Vida Nova, 2012), p. 552.

[7] O Plano da Promessa de Deus (São Paulo: Vida Nova, 2011), pp. 343-344.

Joelson Gomes

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