Traduções da
Bíblia aposentam vocabulário arcaico e apostam na Coloquialidade
A Nova
Versão Transformadora (NVT) eliminou palavras em desuso para traduzir a
mensagem bíblica para o leitor contemporâneo
Revista Época - RUAN DE SOUSA GABRIEL - 17/02/2017 - 08h00 - Atualizado 17/02/2017 09h31
Quem
conhece bem as Escrituras pode se assustar um pouco ao ler o primeiro versículo
do Evangelho de João na Nova versão transformadora (NVT),
uma ambiciosa tradução da Bíblia publicada pela editora Mundo
Cristão no final do ano passado. “No princípio, aquele que é a Palavra
já existia. A Palavra estava com Deus e a Palavra era Deus”, diz a nova versão
do famoso trecho que descreve a encarnação do Cristo, ou do “Verbo”, segundo
algumas traduções mais conhecidas. Não é só o “Verbo” que não encarnou nessa
nova Bíblia. Nela, não há unidades de medidas como “côvados” (a arca
de Noé tinha 300 côvados – 135 metros – de comprimento), pronomes
pessoais “tu” e “vós” e palavras como “bem-aventurado”, “néscio”,
“ímpio”, “longanimidade” e outros vocábulos poeirentos que só persistem
nos sermões de clérigos exaltados. “Uma tradução da Bíblia deve
ser fiel ao texto original, mas sua mensagem precisa ser acessível ao leitor
contemporâneo. Do contrário, a Bíblia se torna apenas uma
relíquia do passado”, diz Daniel Faria, editor de Bíblias da
Mundo Cristão.
A Nova
versão transformadora levou seis anos para ficar pronta. Coordenada
pelos biblistas Carlos Osvaldo Cardoso Pinto (morto em 2014) e Estevan
Kirchner, uma comissão de 14 eruditos traduziu a Bíblia das línguas
originais (hebraico, aramaico e grego) para um português fluido e
compreensível a um lusófono de escolaridade média. Mais de 4 mil notas de
rodapé contextualizam as passagens e explicam as escolhas dos tradutores. O
método de tradução empregado foi a “equivalência dinâmica”, que
prima pela transmissão clara das ideias expressas no texto original – uma
escolha que pode resultar numa tradução menos literal e pouco obediente à
sintaxe bíblica. A maioria das edições da Bíblia opta pela “equivalência
formal”, uma tradução literal, palavra por palavra, que mantém a ordem
indireta das frases e aquele vocabulário datado e de difícil compreensão. “A NVT foi
projetada para atender às exigências de diversos perfis de leitores:
especialistas em exegese bíblica, pastores que buscam um texto confiável para
fundamentar seus sermões, leigos em busca de inspiração, jovens que querem
compreender o que leem”, afirma Mark Carpenter, presidente da Mundo
Cristão. Uma versão mais secular da NVT foi publicada pela
Sextante com o título O livro da vida. Sem as indicações de
capítulos e versículos, os três volumes de O livro da vida formam
uma Bíblia menos solene, que pode ser lida como uma obra
literária da Antiguidade.
Traduções
da Bíblia são tão antigas quanto o próprio texto sagrado. A Torá,
a lei judaica, foi vertida para o aramaico no século VI a.C., durante o exílio
dos israelitas na Babilônia. No século III a.C., em Alexandria,
72 rabinos trabalharam na Septuaginta, uma tradução grega da Bíblia
Hebraica (Antigo Testamento, para os cristãos) que
atendesse à comunidade judaica espalhada pela costa mediterrânea e figurasse na
mítica biblioteca da cidade. São Jerônimo (347-420) concebeu a Vulgata,
uma tradução das Escrituras para o latim vulgar que se tornou a Bíblia oficial
da Igreja Católica. A imprensa de Gutenberg e a Reforma
Protestante, que tinha como bandeira colocar o texto sagrado nas mãos e no
idioma do povo, ajudaram a multiplicar traduções bíblicas a partir do século
XVI. O reformador Martinho Lutero (1483-1546) publicou o Novo
Testamento em alemão em 1521 e, com a ajuda de colaboradores, passou a
década seguinte trabalhando numa tradução completa das Escrituras. A Bíblia
de Lutero, impressa em 1534, foi pioneira da equivalência dinâmica em
sua busca por um alemão acessível às camadas populares. Essa tradução
contribuiu para unificar dialetos regionais e consolidar a língua alemã
moderna. Uma repercussão parecida teve a King James Bible,
uma tradução inglesa da Bíblia, de 1611, que consagrou expressões
usadas no inglês contemporâneo.
A
primeira edição completa – e em um único volume – da Bíblia em
português só apareceu em 1819, embora traduções do Antigo e Novo Testamento já
fossem publicadas desde o final do século XVII. O principal responsável pela Bíblia em
português foi o lusitano João Ferreira de Almeida (1628-1691),
pastor da Igreja Reformada Holandesa que pregava para
comunidades lusófonas no Oriente. Almeida iniciou a tradução da
Bíblia ainda na juventude e publicou o Novo Testamento em 1681. Não conseguiu,
porém, concluir a tradução do Antigo Testamento, que foi finalizada pelo pastor
holandês Jacobus op den Akker e publicada em 1751. A tradução
Almeida, elogiada por sua erudição, é publicada pela Sociedade Bíblica
do Brasil (SBB) e amplamente aceita por protestantes e católicos. Há
duas versões principais: a Almeida revista e corrigida, cujo texto
foi consolidado em 1898, e a Almeida revista e atualizada, de 1956.
Entre uma edição e outra, o texto sofreu alterações.
Nas
últimas décadas, proliferaram traduções cujo objetivo é tornar a Bíblia menos
hermética. Na França, um time de 20 biblistas, escritores e poetas uniu seus
talentos numa tradução literária das Escrituras. O romancista Emmanuel
Carrère traduziu o Evangelho de Marcos. A proposta foi
repetida na Noruega e a Bíblia rendeu um
best-seller. O rock star literário Karl
Ove Knausgård foi um dos tradutores. A Bíblia norueguesa
não chama Maria de
“virgem”, mas de “jovem”, uma tradução possível da palavra hebraica almah. No
Brasil, a Nova tradução na linguagem de hoje (NTLH), de
1988, foi pioneira ao verter a Bíblia para o português
coloquial e causou estranhamento nos meios mais conservadores. Muitos fiéis não
reconheciam mais os versículos que antes sabiam de cor. Em 2003, o texto da NTLH foi
publicado pela Paulinas, uma editora católica. A
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) publicou, em 2001,
uma edição completa da Bíblia, que passou por revisões nos anos
seguintes. As Bíblias aprovadas pela CNBB para o consumo do rebanho católico
recebem o imprimatur, uma autorização episcopal impressa na página
de rosto. O Novo Testamento editado pelos protestantes da Sociedade Bíblica do
Brasil recebeu o imprimatur em 1968.
Tradutores
costumam se esforçar para não se afastar muito de versões consagradas.
Alterações em alguns versículos, porém, são inevitáveis devido a avanços nos
estudos acadêmicos da Bíblia, descobertas arqueológicas e
interpretação pessoal do tradutor. A Nova versão transformadora oferece
uma tradução bem diferente de um dos versículos mais famosos da carta de Paulo aos
romanos: “Pois todos pecaram e carecem da glória de Deus” virou “Pois todos
pecaram e não alcançam o padrão da glória de Deus”. A mudança parece sutil, mas
é capaz de render discussões intermináveis entre teólogos. Outro desafio
da equivalência dinâmica é traduzir expressões do cotidiano dos antigos hebreus
que soam quase cômicas a nossos ouvidos, como “todos que urinam na parede”, que
aparece seis vezes no Antigo Testamento e indica virilidade. Bíblias recentes,
como a NVT e mesmo a Almeida revista e atualizada,
traduziram essa expressão um tanto vulgar como “todos os seus descendentes do
sexo masculino”.
Eliminar
o ranço eurocêntrico e patriarcal que contaminou as antigas
traduções é outra tarefa urgente que se impõe aos tradutores. A NVT eliminou o
uso de “homem” como sinônimo de “humanidade”. Jesus não chama mais seus
discípulos de “pescadores de homens”, mas “pescadores de gente”. Essa mudança
não é apenas um aceno aos novos tempos, mas um sinal de fidelidade à mensagem
original. “Alguns tradutores optam pelo gênero masculino quando o original é
neutro, o que coloca a mulher numa posição de inferioridade que não se
justifica”, diz o biblista Marcelo Carneiro, professor da Faculdade
de Teologia de São Paulo. “A palavra ánthropos é muitas vezes traduzida
como homem, mas, em grego, o gênero é neutro.” Há casos ainda mais
problemáticos. “Há um texto no Cânticos dos cânticos em que
uma jovem se descreve como ‘morena’, ou seja, negra, e ‘bela’ e que traduções
mais antigas traziam como ‘Eu sou morena, porém formosa’”, diz Marcos
Paulo Bailão, também biblista e professor da Faculdade de Teologia
de São Paulo. “No entanto, a conjunção hebraica ‘vê’ pode ser tanto aditiva
(e) quando adversativa (mas, porém).” Esse tipo de tradução enviesada não depõe
contra a cultura que produziu o texto, mas, sim, contra a cultura que optou por
traduzi-lo assim.
Até
2018, a Sociedade Bíblica do Brasil lançará a Nova Almeida, uma
revisão do texto da Almeida revista e atualizada que eliminará
mesóclises, frases demasiado longas, ordem indireta e palavras em desuso. O
pronome pessoal “tu” só será mantido quando se referir a Deus. Em abril, a Companhia
das Letras publicará uma tradução assinada pelo helenista português Frederico
Lourenço, que já verteu os versos de Homero para a língua de Camões.
Os 500 anos da Reforma Protestante, a ser comemorados em outubro, são um
incentivo a novas edições das Escrituras. “Uma das grandes conquistas da
Reforma foi colocar a Bíblia na mão do povo, que passou a ser intérprete do
texto e não mais dependente dos sacerdotes”, diz Bailão. “É extremamente
importante prover o povo de ferramentas que possibilitem uma leitura mais
profunda e com mais liberdade do texto bíblico.”
Em
tempo: o “Verbo” se fez “Palavra” porque esta é uma tradução mais precisa de
“logos”. Esse é um conceito grego que reúne muitos significados, como razão,
fala ou discurso que se faz compreender – que é exatamente o que essas novas
traduções almejam.
Obs.: Se você não consegue ler o quadro, use o link a seguir, por favor: http://epoca.globo.com/cultura/noticia/2017/02/traducoes-da-biblia-aposentam-vocabulario-arcaico-e-apostam-na-coloquialidade.html
Comentário do Editor:
Prezados leitores, sou muito favorável que se utilize textos e/ou o nosso português de forma mais clara possível. Mas, existe uma exceção quando se trata da Bíblia Sagrada.
Tenho acompanhado ao longo dos tempos que as mais diversas Sociedades Bíblicas, a do Brasil principalmente, vem fazendo mudanças drásticas e adulterações do Texto Sagrado, quando resolvem 'tornar a bíblia um livro atual capaz de ser entendido por qualquer um que a ler'. Ora, quer dizer que durante os XX séculos que tivemos a bíblia com sua linguagem 'arcaica original', os que a leram não a compreenderam?
Como chegou até a nossa nação, a mensagem lida e pregada? Não foi usando a leitura dessa 'arcaica' linguagem portuguesa?
Minha insatisfação não é só porque fazem uma mudança 'para melhor' no português, mas porque todas as vezes que se muda o vernáculo, textos inteiros são suprimidos, ou parte deles são retirados conscientemente do sagrado Livro.
Como leitor e pesquisador do assunto, tenho já postado aqui no Blog(procurar no campo de busca 'bíblias corrompidas'), que você verá do que se trata. Isso é uma forma de mutilar a Palavra de Deus, alterando um texto aqui, suprimindo um texto ali, traduzindo outro texto acolá, que leva o leitor a outra compreensão, que não a verdadeira.
Portanto, protesto e repudio a afirmação do editor desta nova Versão que diz o seguinte: “Uma tradução da Bíblia deve ser fiel ao texto original, mas sua mensagem precisa ser acessível ao leitor contemporâneo. Do contrário, a Bíblia se torna apenas uma relíquia do passado”(grifo meu), diz Daniel Faria, editor de Bíblias da Mundo Cristão".
Nunca jamais!!
A mensagem da bíblia com sua versão antiga, nunca "se tornará apenas uma relíquia do passado". Por que não?
Parece-me, que o senhor Daniel Faria, está bastante confundido quando fala a esse respeito. Ele não percebeu(ou quem sabe sim), que a bíblia é uma relíquia do passado até agora? E essa "relíquia", tem sido a fonte de consulta e vida prática dos milhões em todo o mundo que retiram dela, Vida para suas vidas nesse mundo?
Estaria o senhor Editor imaginando que usando uma Versão 'mais acessível, clara', o numero de pessoas que lerão a bíblia a compreenderão e obedecerão mais e em maior quantidade?
Imaginemos que todos os registros públicos de uma prefeitura, ou que os Cartórios resolvessem 'versar' seus documentos numa linguagem popular, como seria grande o estrago para os que fazem uso de tais documentos!
Não. A bíblia como ela é, já foi várias vezes aqui no Brasil adulterada. Tem sido difícil encontrar uma bíblia de verdade em nossas livrarias evangélicas, justamente pelo fato de, a pretexto de 'satisfazer a clientela', mutilaram aquela que é de verdade a única e infalível Palavra de Deus.
Fica meu registro de indignação e contrariedade por aquilo que se faz com a Palavra de Deus, para adapta-la a esse mundo corrompido!
Viva vencendo, procurando uma Versão verdadeira e sem adulterações!!!
Obs.:Pesquise antes de comprar um exemplar. Pesquise muito. Peça ajuda(não ao vendedor, que se interessa em vender, porque a ele é imposto isso por seu patrão).
Peça ajuda de seu lider, de um irmão da sua confiança que entende das Versões da bíblia.
Seu irmão menor.
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