Existem dois fenômenos na igreja brasileira que tento entender, e, por mais que reflito e analiso não consigo chegar a uma conclusão. Escrevo em relação a evolução ou involução da liturgia da igreja – e aqui uso a palavra liturgia no seu sentido nato que é o serviço que o povo faz para Deus, e não o que comumente se pensa sobre liturgia, como uma ordem ou ritual de um culto tradicional e rígido.
Liturgia é uma palavra que procede de leitourgos no grego e que quer dizer serviço do povo. Pois o que o povo faz para Deus mudou nos últimos anos. E foi uma mudança drástica, mas também trágica. Drástica, porque até mesmo as igrejas mais tradicionais mudaram sua forma de culto, e trágica porque o tipo de culto ou serviço que hoje se faz a Deus assemelha-se mais a um show do que um serviço ou liturgia a Deus.
Analisar as tendências culturais que afetam a sociedade e, por sequência o culto das igrejas é um trabalho difícil. Não é possível em um artigo analisar as tendências culturais e espirituais dos últimos anos, quiçá, dos últimos quarenta anos. E usei a palavra “quiçá” propositalmente para identificar os anos de vida que tenho no ministério, pois esta palavra não mais é usada no português. Aqui tem o sentido de “quem sabe”...
O que acontece nos cultos das igrejas é um fenômeno mais cultural que espiritual, mas que de certa forma afetou substancialmente o conteúdo do culto de nossas igrejas, tanto positiva quanto negativamente. Mas, também é um fenômeno espiritual, como explico mais adiante.
Vamos ao que é cultural. Nos últimos trinta anos a forma do culto mudou. Saímos de um sistema rígido de culto, em que as pessoas ficavam presas aos bancos e aos hinários e caímos em outro extremo onde vale-tudo. Tão-forte é o liberalismo nos cultos a Deus, especialmente na música que, em algumas igrejas perdeu-se a noção do que é bom e do que é ruim no culto a Deus. Pelo lado bom os novos modelos de culto arrancaram as pessoas das formas litúrgicas trazidas pelos missionários norte-americanos, europeus e escandinavos e deu mais movimento e maior liberdade de expressão aos crentes no culto a Deus. Entretanto, não se esquecer que uma coisa positiva havia no sistema europeu de cultos: Participava-se de uma liturgia que conduzia os irmãos a adoração sincera, ao arrependimento e confissão de pecados.
Eu mesmo fui um inovador nessa questão da liturgia do culto a Deus e meus leitores antigos hão de se lembrar dos sete livros que escrevi nesta área, desde o Ministério de Louvor da Igreja em 1986 até 2011 quando foi lançado O Livro de Ouro do Ministério de Louvor, em que corrigi os rumos que os músicos tomaram nas últimas décadas.
Pelo lado negativo essa nova geração de músicos – a quem recuso chamar de levitas, classe sacerdotal que deixou de existir depois que Cristo o nosso Sumo Sacerdote realizou a obra da perfeição para todo sempre – afetou os crentes em algumas áreas:
1. Tirou dos cultos o senso de reverência e respeito. As pessoas entravam nos templos cientes de que estavam ali para adorar a Deus e a música do piano e do órgão convocava o povo a adoração. Não que o órgão e o piano fossem instrumentos mágicos da liturgia; era o que se tinha naquele tempo quando não havia sonorização nas igrejas. Ora, hoje, qualquer outro instrumento musical, bem tocado, pode fazer a mesma coisa.
2. Ligado a isto fica a pergunta: E por que os novos instrumentos não trazem reverência e respeito? Por que o tipo de música que é tocado não conduz o povo a reflexão, a adoração e ao temor de Deus, e o povo nem sabe o que está cantando! Pela simples razão de que os instrumentos são executados com som alto demais; quase ensurdecedor, enquanto no fundo um pastor ora, gritando, porque sua voz é abafada pelo som da música. E isto tira do povo o senso de reverência. Os ouvidos doem, as palavras ditas são incompreensíveis e o que se ouve é só gritaria. Pois, onde existe gritaria alguém tem que gritar mais alto para ser ouvido.
E não é aquela gritaria de “poder”, como nos cultos pentecostais. Apenas gritaria!
O que venho percebendo é que os líderes, na abertura do culto sentem necessidade de orar com som alto; o som é o que os motiva e não a necessidade de buscar a Deus!
3. O ponto acima está ligado ao que vou dizer agora: A abertura dos cultos e o tempo de louvor foram entregues aos animadores de platéias. Por isso falei anteriormente que é algo cultural. Basta assistir pela TV a uma partida de voleibol e ouve-se ao fundo a voz do animador da platéia; os dirigentes de louvor copiaram do mundo a forma de animar as pessoas como se estivessem num rodeio de Barretos ou num jogo de competição!
“Olha a Portela aí, gente!”, foi copiada nos cultos pelos animadores que conclamam o povo dizendo: “vamos adorar aí, gente!”, enquanto rufam os pratos e tambores da bateria e as guitarras-solo lançam no ar sons estridentes, acompanhadas do baixo que treme as janelas do templo!
Hoje, os cultos são semelhantes a um baile de forró, a um desfile de carnaval, a uma festa ou show; só muda a letra do cântico – quando muda!
4. Acrescente-se a tudo isso o jogo de luzes coloridas que mudam a todo instante conforme o som mais elevado ou mais brando da música. Às vezes, pergunto se estou numa reunião de adoração ou numa festa rave.
5. Som alto demais, de doer os ouvidos. Em algumas igrejas recuso-me sentar na primeira fileira ou no púlpito durante o período de louvor, e, quando o faço coloco tampões de ouvidos para abafar o ruído da música, ou desculpo-me saindo para o banheiro masculino e fico do lado de fora do templo até a hora em que tenho de pregar. Sei que o som agudo da guitarra ou o som do contrabaixo podem coagular as proteínas do organismo e causar infartos. Isto é científico. Além de causar surdez precoce!
Faz parte da história o tempo em que se ouvia a Deus através de uma profecia espontânea no meio do culto, às vezes vinda lá de traz do templo, pelas simples razão de que hoje os músicos não dão trégua nem tempo para Deus falar. Só eles querem falar, e falam o tempo todo sem cessar, enquanto soa o “pra-ti-qui-bum-bum-bum” dos instrumentos.
Até onde essas mudanças culturais afetam a espiritualidade da igreja?
1. Os dirigentes de louvores ultimamente, e até os pastores não se preocupam com o que Deus quer no culto e, sim com o que o povo gosta de ouvir. Trato sobre isto nos meus livros, especialmente em O Livro de Ouro do Ministério de Louvor, que pode ser adquirido em www.Z3ideias.com.br.
Precisam aprender que o culto é pra Deus e não para o povo e devem buscar em oração músicas que agradem a Deus e que Jesus sinta-se à vontade para cantar junto com a igreja, como diz o texto dos Salmos repetido em Hebreus:
“Por isso, é que ele não se envergonha de lhes chamar irmãos, dizendo: A meus irmãos declararei o teu nome, cantar-te-ei louvores no meio da congregação. E outra vez: Eu porei nele a minha confiança. E ainda: Eis aqui estou eu e os filhos que Deus me deu” (Hebreus 2.11-13).
Pergunto-me, quando estou em cultos assim, se Jesus está cantando no meio da igreja! Ou está lá fora esperando a hora de entrar!
2. Trazem para a reunião da igreja a música do último lançamento que ouvem na rádio como se aquela música fosse a voz de Deus para a igreja. Às vezes é o pior lixo musical! E, pior! O povo nem conhece o hino!
3. Não sabem fazer diferença entre música solo e música congregacional. A música solo permite extravagâncias do dirigente, mas a música congregacional é em tom médio, com letra fácil e poética, a métrica se encaixa no compasso e é de fácil assimilação. A música solo é difícil e exprime o sentimento do autor e não do povo. Especialmente as músicas traduzidas têm frases inteiras que não cabem no compasso: Você tem que engolir as palavras pra acompanhá-la no telão.
4. Para os novos dirigentes e músicos a espiritualidade está no som e não na letra. Ora, o que torna um cântico aceitável a Deus é a letra que se canta para ele; e não o que se entoa apenas por se entoar para nós mesmos. Não é o ritmo, os instrumentos ou a melodia que agradam a Deus, mas a reverência das letras entoadas a ele.
5. A nova geração de músicos ainda não soube se purificar do “espírito de músico”. Ora, o espírito de músico sempre chama atenção para a música e para si mesmo e nunca para Deus. Tais músicos se ressentem quando alguém lhes chama atenção de que o som está alto ou de que não estão afinados com o que Deus quer no culto da igreja. Pior ainda é quando alguém chama a atenção deles de que os instrumentos não estão afinados entre si. Saem do culto zangados e furiosos!
6. A nova geração de músicos insiste em tocar até o que não conhecem, porque precisam mostrar habilidade para o povo, quando deveriam sentar-se e ficar quieto. Esta nova geração não sabe o que é ouvir a Deus no culto, porque só querem ouvir o som que lhes agrada!
7. Os pregadores também são culpados, porque permitem que se faça fundo musical enquanto eles pregam; educadamente dispenso as músicas de fundo porque elas tiram as pessoas do foco da pregação.
8. E finalmente veja o que acontece quando o culto termina. Os músicos aproveitam aquele momento pra dar o seu último show particular e aumentar todo o volume a ponto de não se conseguir conversar com as pessoas nem orar por elas, porque não se ouve o que as pessoas dizem nem elas ouvem nossa oração. Músicos aprendam uma coisa: Quando o culto termina, o tempo de vocês acabou. Desliguem seu som e desçam da plataforma do orgulho para serem ministrados pelos pastores!
João Antônio de Souza Filho
Autor de: Ministério de Louvor da Igreja; O Louvor e a Edificação da Igreja; Ministério de Louvor: Revolução na Vida da Igreja; Cânticos ou Mantras: O que estamos entoando em nossos cultos; Deixem Soar os Tamborins; Formando Verdadeiros Adoradores; O Livro de Ouro do Ministério de Louvor da Igreja
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