No ótimo e recomendável livro Os Dez Mandamentos Mais Um: Aforismos teológicos de um homem sem fé, o filósofo Luiz Felipe Pondé comete uma pequena injustiça com o pentecostalismo clássico. Pondé, escrevendo sobre “eleição” e sofrimento, afirma:
Quem é o eleito, para a sabedoria hebraica? É aquela ou aquele escolhido para mostrar ao mundo o que pode Deus e o que Ele quer da Sua criação. É uma interpretação muito diferente da que vigora entre os pentecostais, para os quais eleito é aquele que vai ficar rico. Não. Um homem é eleito para sofrer [...]. (grifo meu).
Pondé estaria certo se referisse ao neopentecostalismo. Infelizmente, o neopentecostalismo domina o discurso inclusive em inúmeras igrejas antes pentecostais e afirma tais bobagens. Mas como dizia Dom Robinson Cavalcanti falar em neopentecostalismo é uma injustiça, pois a mensagem desse grupo não é mera renovação dos antigos carismáticos, mas uma total distorção do pentecostalismo original. O melhor seria falar em pseudopentecostalismo, como dizia Cavalcanti [2].
O pentecostalismo original e histórico, da mesma forma da sabedoria hebraica, enxerga sobre o eleito (ou escolhido de Deus) o fardo do sofrimento. Basta uma rápida leitura da Harpa Cristã, o hinário oficial das Assembleias de Deus, para contemplar um realismo sobre o sofrimento na vida do homem. O discurso que sempre vigorou no pentecostalismo clássico é que o escolhido de Deus não está livre das agruras da vida, muito pelo contrário.
O pentecostalismo original e histórico, da mesma forma da sabedoria hebraica, enxerga sobre o eleito (ou escolhido de Deus) o fardo do sofrimento. Basta uma rápida leitura da Harpa Cristã, o hinário oficial das Assembleias de Deus, para contemplar um realismo sobre o sofrimento na vida do homem. O discurso que sempre vigorou no pentecostalismo clássico é que o escolhido de Deus não está livre das agruras da vida, muito pelo contrário.
Frida e Gunnar Vingren |
Um belo exemplo. A sueca Frida Vingren (1891-1940), que dispensa apresentações, está certamente entre os principais pioneiros do trabalho evangélico-pentecostal no Brasil. Ela traduziu e adaptou 24 hinos da Harpa Cristã [3]. Nas canções pode-se perceber qual era a visão da musicista, poeta e missionária: o sofrimento é parte inerente da vida cristã, mas ao mesmo tempo a esperança é cultivada em Cristo. A escolha da missionária Vingren espelhava a própria teologia pentecostal daqueles dias onde o sofrimento era visto como uma “escola sublime”, expressão essa para lembrar um artigo do missionário Nils Kastberg (1896- 1978) no jornal Som Alegre de janeiro de 1930, periódico este que foi o precursor do jornal Mensageiro da Paz, órgão oficial de comunicação das Assembleias de Deus. O sofrimento sempre foi encarado por esses pentecostais como natural no exercício pleno do cristianismo bíblico.
Talvez a canção que melhor transpareça essa visão pentecostal, que ao mesmo tempo coincide com a sabedoria hebraica, é o hino Bem-Aventurança do Crente. A canção também foi traduzida e adaptada para o Psaltério Pentecostal, e depois para a Harpa Cristã, pela própria Frida Vingren. A composição original é do sueco Emil Gustafson (1862-1900), um evangelista do Movimento da Santidade cujo lema de vida era: "aquele que tem muito a dizer sobre si mesmo ainda não tem visto a Deus." A terceira estrofe da canção diz:
Talvez a canção que melhor transpareça essa visão pentecostal, que ao mesmo tempo coincide com a sabedoria hebraica, é o hino Bem-Aventurança do Crente. A canção também foi traduzida e adaptada para o Psaltério Pentecostal, e depois para a Harpa Cristã, pela própria Frida Vingren. A composição original é do sueco Emil Gustafson (1862-1900), um evangelista do Movimento da Santidade cujo lema de vida era: "aquele que tem muito a dizer sobre si mesmo ainda não tem visto a Deus." A terceira estrofe da canção diz:
Quem quiser de Deus ter a coroa,/Passará por mais tribulação;/ Às alturas santas ninguém voa, /Sem as asas da humilhação;/ O Senhor tem dado aos Seus queridos,/ Parte do Seu glorioso ser;/ Quem no coração for mais ferido, /Mais daquela glória há de ter.
O pentecostal clássico canta esse hino e não se afoga na doce ilusão que é possível obter prosperidade pelo andar em comunhão com o divino, como se a vida fosse gerida por elementos de magia. Como o eleito do Antigo Testamento, e do Novo também, ele sabe muito bem que nada de bom o espera (conforto, dinheiro, saúde etc.), mas sim e apenas as aflições de Cristo.
Certa vez um neopentecostal comentou comigo que ficou chocado com a biografia de Gunnar Vingren (1879-1933), pois o fundador da Assembleia de Deus no Brasil parecia “encarar o sofrimento como natural”. Sim, esse jovem interpretou o Diário do Pioneiro [4] muito bem. A teologia pentecostal não aceita a doce ilusão de uma vida mágica onde Deus é visto como um trampolim para o sucesso material, pelo contrário. Seguir a Cristo muitas vezes resulta em sérios prejuízos. Portanto, é da essência do pentecostalismo não abraçar a falsa ideia que o eleito de Deus é um mimado do céu, mas assim como Cristo foi descrito pelo profeta Isaías como o “ferido de Deus”, o cristão sabe que pode, também, ser ferido pelo próprio Deus.
Referências Bibliográficas:
[1] PONDÉ, Luiz Felipe. Os Dez Mandamentos Mais Um: Aforismos teológicos de um homem sem fé. 1 ed. São Paulo: Editora Três Estrelas, 2015. p 18.
[2] CAVALCANTI, Robinson. Pseudopentecostais: nem evangélicos, nem protestantes. Revista Ultimato. Ed. 314. Setembro-Outubro 2008. Veja em: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/314/pseudo-pentecostais-nem-evangelicos-nem-protestantes
[3] Vingren é autógrafa, segundo o Dicionário do Movimento Pentecostal, de oito hinos, entre esses temos a linda música Em Meu Lugar, cuja letra tem como centro a figura de Cristo como redentor. Para a lista completa veja: ARAÚJO, Isael de. Frida Vingren: uma biografia da mulher de Deus, esposa de Gunnar Vingren, pioneiro das Assembleias de Deus no Brasil. 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2014. pp 140-142.
Certa vez um neopentecostal comentou comigo que ficou chocado com a biografia de Gunnar Vingren (1879-1933), pois o fundador da Assembleia de Deus no Brasil parecia “encarar o sofrimento como natural”. Sim, esse jovem interpretou o Diário do Pioneiro [4] muito bem. A teologia pentecostal não aceita a doce ilusão de uma vida mágica onde Deus é visto como um trampolim para o sucesso material, pelo contrário. Seguir a Cristo muitas vezes resulta em sérios prejuízos. Portanto, é da essência do pentecostalismo não abraçar a falsa ideia que o eleito de Deus é um mimado do céu, mas assim como Cristo foi descrito pelo profeta Isaías como o “ferido de Deus”, o cristão sabe que pode, também, ser ferido pelo próprio Deus.
Referências Bibliográficas:
[1] PONDÉ, Luiz Felipe. Os Dez Mandamentos Mais Um: Aforismos teológicos de um homem sem fé. 1 ed. São Paulo: Editora Três Estrelas, 2015. p 18.
[2] CAVALCANTI, Robinson. Pseudopentecostais: nem evangélicos, nem protestantes. Revista Ultimato. Ed. 314. Setembro-Outubro 2008. Veja em: http://www.ultimato.com.br/revista/artigos/314/pseudo-pentecostais-nem-evangelicos-nem-protestantes
[3] Vingren é autógrafa, segundo o Dicionário do Movimento Pentecostal, de oito hinos, entre esses temos a linda música Em Meu Lugar, cuja letra tem como centro a figura de Cristo como redentor. Para a lista completa veja: ARAÚJO, Isael de. Frida Vingren: uma biografia da mulher de Deus, esposa de Gunnar Vingren, pioneiro das Assembleias de Deus no Brasil. 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2014. pp 140-142.
[4] É a principal biografia de Gunnar Vingren escrita pelo próprio filho. Veja: VINGREN, Ivar. Diário do Pioneiro. 1 ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1973.
GutierresSiqueira
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