03 junho 2014

O MDA E A SUPERVALORIZAÇÃO DO “DISCIPULADO”


Algumas igrejas têm abraçando o MDA (Modelo de Discipulado Apostólico) como se fosse “o modelo”, acima de qualquer crítica, visto que este estaria, segundo pensam os seus proponentes, em conformidade total com os ensinamentos de Jesus e dos apóstolos. Entretanto, penso que, além das heresias que já mencionei em outros artigos — como o universalismo e o triunfalismo, expressos mediante “decretos” de salvação de indivíduos, famílias e cidades —, existe no aludido modelo uma supervalorização do “discipulado”, como se este fosse a solução para a salvação da humanidade.

Lembremo-nos de que a salvação é pela graça de Deus (Tt 2.11; Ef 2.8-10), e não pelos méritos de um “discipulador” ou pelo esforço de seus discípulos. Ademais, é o Espírito Santo quem convence o mundo do pecado, da justiça e do juízo (Jo 16.8-11). E Ele age em harmonia com as Escrituras, a Palavra de Deus. Daí recair sobre os nossos ombros a obrigação de anunciar o Evangelho, quer ouçam, quer deixem de ouvir (Rm 10.14ss).

De acordo com o MDA, os pastores devem fazer reuniões individuais com seus líderes de células, “lançando a visão, imergindo-os na visão e pedindo-lhes para lançar a visão entre aqueles para quem eles ministram. Ao falar diante de grupos especiais da igreja, o pastor nunca conclui sem de alguma forma lançar a visão”. Isso é o que explica o livro Igreja em Ação: Desejos e Perspectivas, da MDA Publicações. Nota-se que há um grande interesse em que a “visão”, isto é, o modelo em apreço seja propagado, alcançando cada vez mais adeptos.

Os líderes do MDA são estimulados a “usar cada oportunidade para lançar a visão”. Ainda segundo o livro citado, o “pastor deve lançar a visão em conversas privadas. Ele deve trabalhar para que a visão seja a visão do povo. Aqui entra aquilo que chamamos de ‘senso de propriedade’. Quando ele acontece, as pessoas não acham que a visão é uma coisa que veio de fora ou que pertence apenas ao pastor. Elas vestem a camisa, sentem-se responsáveis pelo sucesso, trabalham para que ele aconteça, dão o seu melhor”.

Mas o Evangelho genuíno é cristocêntrico. Nada pode ser considerado mais importante do que pregar a Cristo, e este crucificado (1 Co 1.22,23). Quando uma igreja, um modelo de crescimento ou uma pessoa são apresentados — ainda que de modo indireto — como mais importantes do que Jesus, a mensagem deixa de ser cristocêntrica. Estimular líderes a compartilharem uma “visão”, ainda que se diga que ela traduz o conteúdo de Atos dos Apóstolos, é uma maneira de descentralizar Cristo do Evangelho.

Segundo o MDA, Jesus “discipulou” seus discípulos e ordenou que eles “discipulassem” outros. O Mestre, na verdade, enviou-nos a pregar o Evangelho (Mc 16.15) e ensinar as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo (Mt 28.19). É evidente que a tradução literal de “ensinai todas as nações” é “fazei discípulos de todos os povos”. Mas “fazer discípulos” não é formá-los segundo uma “visão” específica.

O Evangelho de Cristo é simples (2 Co 11.3). Fazer discípulos nada mais é que ensinar a sã doutrina, assim como fez Jesus, ao andar na terra, principalmente por meio do seu exemplo (Jo 13.15; At 1.1). E Ele só ensinou o que recebeu do Pai: “A minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou” (Jo 7.16). A sua pregação era objetiva: “Arrependei-vos, porque é chegado o Reino dos céus” (Mt 3.2) ou “aquele que não nascer de novo não pode ver o Reino de Deus” (Jo 3.3). E o que chama a atenção, no “discipulado” do Mestre, por assim dizer, é que Ele não formava “soldadinhos de chumbo”. Ele prezava a liberdade (Lc 9.23).

Em Romanos 10.14 está escrito: “Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem não ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue?” (Rm 10.14). Embora o fazer discípulos seja uma tarefa importantíssima, outorgada a nós pelo Senhor Jesus, não vemos, nas Escrituras, Deus relacionando o fato de pessoas se desviarem, abandonarem o Evangelho ou apostatarem da fé à falta de “discipulado”. A missão da Igreja é propagar o Evangelho com verdade, e não responsabilizar-se pela manutenção da salvação dos que já receberam as boas-novas de salvação.

Deus exige de nós que anunciemos o seu Evangelho (Ez 33.8; 1 Co 9.16). Mas, uma vez que pregamos as boas-novas de salvação em Cristo Jesus e ensinamos a sã doutrina, não somos responsabilizados por Deus, caso alguns se desviem (2 Pe 2.1,2,20-22; 2 Tm 4.10). Ele não nos diz: “Fulano se desviou por falta de discipulado”. Jesus deixou claro, na explicação da parábola do semeador, que a responsabilidade maior pelo desvio do Evangelho é do próprio desviado (Mt 13.18-23).

Portanto, não cabe a nós criar modelos ou atrativos para “suavizar” o Evangelho e manter pessoas nas igrejas. Tampouco cabe a nós pregar o Evangelho da maneira que as pessoas desejam ouvi-lo, e sim do modo como elas precisam ouvi-lo, pois a porta e o caminho são estreitos (Mt 7.13,14).

Ciro Sanches Zibordi

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