23 julho 2017

POR QUE OS BRITÂNICOS DESISTIRAM DA HOMEOPATIA

A homeopatia foi criada em finais do século XIX. Sua eficiência divide especialistas (Foto: FreeImages)

Reino Unido é conhecido por seu sistema de saúde exemplar. O NHS – uma espécie de versão britânica do SUS – foi criado em 1948, e serviu de modelo para os sistemas universais de saúde criados em todo o mundo. O gasto com saúde por cidadão, no país, está entre os maiores do planeta – chegou a quase US$ 4 mil em 2014, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (muito mais que os US$ 945 aplicados no Brasil). E é resultado de investimento público alto. A manutenção desse sistema complexo envolve, frequentemente, tomar decisões potencialmente impopulares – mas baseadas nas melhores evidências cientificas sobre cada tratamento disponível para a população.

Foi seguindo esse princípio que o governo britânico anunciou, nesta sexta-feira (21), que vai eliminar as terapias homeopáticas de seu sistema público de saúde. A decisão faz parte de um pacote de mudanças, planejadas pelo governo, nas orientações de como os médicos devem trabalhar. Além dos remédios homeopáticos – que foram cortados das prescrições médicas – outras 17 práticas foram eliminadas. O NHS não vai mais receitar ervas medicinais, compostos de ômega 3 e vacinas contra hepatite B, por exemplo. A expectativa é que, no total, a eliminação dessas terapias gere economia de 190 milhões de libras por ano aos cofres públicos.

A decisão é o lance mais recente de uma polêmica que se desenrola há anos. A homeopatia surgiu no século XIX, pelas mãos do farmacêutico alemão Sammuel Hahnemann. Hahnemman desenvolveu a técnica ao ministrar substâncias medicinais, em pequenas doses, a pessoas saudáveis – e observar os efeitos colaterais provocados por elas. Essas substâncias, em doses semelhantes, deveriam ser utilizadas para tratar pessoas doentes, que apresentassem sintomas semelhantes aos efeitos colaterais sofridos pelos indivíduos saudáveis.

A prática conquistou adeptos em todo o mundo. No ano passado, um trabalho de pesquisadores da Universidade de Sheffield, no Reino Unido, tentou estimar qual o tamanho da procura por esses tratamentos em 11 países desenvolvidos – como Reino Unido, Japão, Austrália e Suíça. A pesquisa usou como base levantamentos feitos nesses locais. Concluiu que, nos 12 meses anteriores aos levantamentos nacionais, algo em torno de 1,5% da populaçãodesses países tinha recorrido a tratamentos homeopáticos. A procura foi maior na Suíça, onde a prevalência chegava a 8% da população. Por lá, a homeopatia também é financiada pelo sistema público de saúde.  


Apesar da popularidade, há poucas evidências de que a homeopatia funcione.  A questão – e um dos principais pontos de discórdia entre os defensores e detratores da homeopatia – é que o princípio ativo (o componente responsável pelos efeitos esperados do remédio), nos remédios homeopáticos, é diluído centenas de vezes. “As chances de existir uma única molécula de princípio ativo em uma pílula de remédio homeopático é, efetivamente, zero”, escreveu Edzard Ernst, professor de medicina complementar da faculdade de Exeter, no Reino Unido, em um artigo na revista científica BMJ, em 2015. Ernst é um caso curioso – ele começou sua carreira como médico homeopata, mas se desencantou com o campo ao investigar a efetividade dessas terapias. 

Os críticos da prática afirmam que os resultados positivos dos tratamentos homeopáticos, quando ocorrem, não passam de efeito placebo. Em 2005, pesquisadores suíços tentaram colocar essa questão à prova. Em um trabalho publicado na revista científica The Lancet, compararam 110 testes feitos com drogas homeopáticas com outros 110 experimentos semelhantes, mas feitos com drogas convencionais. O estudo concluiu que, quanto maior e mais bem feito era o estudo com as drogas homeopáticas, maiores eram as chances de concluir que os efeitos delas eram psicológicos.


A presença da homeopatia entre as práticas financiadas pelo NHS era criticada. Ela gerava custos – segundo o jornal The Guardian, o governo destinou mais de 92 mil libras para a compra de medicamentos homeopáticos em 2016. Era considerada, por muitos, um desperdício do dinheiro público. De acordo Simon Stevens, o chefe do NHS na Inglaterra, a homeopatia é “na melhor das hipóteses, um placebo, e um uso inadequado dos recursos escassos do NHS”.

Mas a decisão também gerou críticas. Ainda segundo o Guardian, a Associação Britânica de Homeopatia fez um alerta de que a decisão do NHS deve gerar mais gasto que economia: “Essa decisão não é custo-efetiva, já que aos pacientes serão receitadas drogas convencionais e mais caras”, disse ao jornal Cristal Sumner, presidente da Associação.

A nova política afeta somente moradores do Reino Unido. Mas a discussão é positiva também para o Brasil. Por aqui, os tratamentos homeopáticos são oferecidos na rede pública – com maior ou menor disponibilidade, de acordo com a região do país – desde antes da criação do SUS. A homeopatia foi reconhecida como especialidade médica no Brasil em 1979. Desde então, cresceram as discussões sobre se ela deveria ou não estar presente no sistema público de saúde.

O primeiro passo para isso foi dado em 1985, quando o Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps) firmou um convênio com a Fiocruz, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro e o Instituto Hahnemanniano do Brasil (uma instituição destinada ao ensino da homeopatia no país) para fornecimento de medicamentos homeopáticos aos hospitais que faziam parte de sua rede – e que podiam ser usados por trabalhadores que contribuíam com a Previdência. E, em 2006, a homeopatia passou a integrar a Política Nacional de Práticas Integrativas – destinada a garantir o acesso, no Sistema Único de Saúde, a práticas de medicina alternativa. Isso renovou a procura pelos tratamentos. Dados do Ministério da Saúde indicam que, entre 2000 e 2010, a procura pela homeopatia no SUS cresceu 27%. Mas dados mais recentes do Ministério sugerem também que, hoje, sua popularidade cai.

No final de maio, o prefeito de São Paulo, João Doria Jr, promulgou uma lei que prevê a criação de serviços de homeopatia nos hospitais municipais. A ideia é ampliar a oferta dessas terapias na cidade. A decisão recém-tomada pelos britânicos deixa um recado para os brasileiros: diante de toda a controvérsia que cerca a homeopatia, será mesmo que investir nela é a melhor maneira de aplicar o dinheiro da saúde?

http://epoca.globo.com/saude/check-up/noticia/2017/07/por-que-os-britanicos-desistiram-da-homeopatia.html


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