INTRODUÇÃO
João
não precisou de muitas palavras, para mostrar que Deus jamais predestinaria
alguém à perdição eterna. No prólogo de seu evangelho, ele deixa bem patente
que o amor divino não contempla exclusões; é sempre inclusivo. Mais adiante,
descreve a ação salvadora do amoroso Pai com esta belíssima declaração do
Cristo: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho
unigênito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”
(Jo 3.16). Logo, se o pecador receber Jesus, herdará a bem-aventurança eterna.
Mas, recusando-O, será condenado ao eterno e indescritível suplício. Isso
significa, que, até o momento da recusa consciente, nenhuma pré-condenação há
contra esse pecador. Ele tanto pode salvar-se, crendo em Jesus, como perder-se,
rejeitando-O.
Este
é o Plano da Salvação que Jesus, por amar-nos singularmente, consumou no
Calvário. Tendo a predestinação como uma de suas principais colunas, é eficaz
para livrar-nos do pecado e da ira vindoura. Neste artigo, mostrarei, com a
ajuda de Deus, que a predestinação ensinada nas Escrituras Sagradas é sempre
salvadora. Os que Deus predestina, predestina-os sempre à salvação. E, quando
alguém se perde, perde-se por não haver se curvado ao senhorio de Jesus Cristo.
I. UMA DEFINIÇÃO TRANQUILIZADORA
Se
não fosse o rigor extremado da escolástica protestante do século 17, não
estaríamos a debater, hoje, com tanta ênfase e desamor, a doutrina da
predestinação. Para certos grupos, Agostinho e Calvino têm mais voz do que
Paulo, e são mais ouvidos do que o próprio Cristo. Mas isso não deve levar-nos
à guerra teológica ou à guerrilha hermenêutica. Deixemos, pois, a Palavra de
Deus falar livremente, para que o Deus da Palavra fale com liberdade e
redenção.
1. Definição etimológica
A
palavra predestinação significa, etimologicamente, destinar antecipadamente. Em
o Novo Testamento, o vocábulo grego proorizō, traduzido em nossas
Bíblias como o verbo predestinar, traz a ideia de uma ação determinada, ou
decidida, de antemão pelo amoroso e presciente Deus. O termo é usado por Paulo,
a fim de ressaltar a beleza da salvação em Jesus Cristo (Rm 8.29,30; Ef 1.5,
11).
2. Definição teológica
O
predestinacionismo é definido como a doutrina segundo a qual Deus, em Sua
inquestionável soberania, predestinou uma parte dos seres humano à salvação
eterna, e outra, à eterna perdição. Assim entendia o teólogo francês João
Calvino (1509-1564). Em cima dessa proposição, os protestantes, conhecidos como
reformados, alicerçaram a sua soteriologia; é a pedra de esquina de todo o seu
edifício teológico.
O predestinacionismo é conhecido também como a dupla predestinação.
A predestinação genuinamente bíblica, porém, é o ensino de acordo com o qual
Deus, com base em Seu amor e presciência, elege para a vida eterna os que,
ouvindo o chamamento da graça, não a resistem, mas, pela fé, recebem Jesus
Cristo como o Seu redentor pessoal (1 Pe 1.2; Ef 2:8,9). Logo, os que não
atendem ao chamamento do Evangelho destinam-se, a si próprios, à condenação
eterna (Jo 16:8-11).
Conforme já dissemos, a predestinação divina é sempre positiva. Deus jamais
pré-condenaria alguém ao lago de fogo. Se, por um lado, é soberano, por outro,
é amoroso, justo e bom. Quem se perde, perde-se por desprezar o Filho de Deus.
III. A PREDESTINAÇÃO DIVINA É
SALVADORA
Na
Bíblia Sagrada, não encontramos um versículo sequer, que nos autorize a afirmar
ter o amoro Deus predestinado, quer um gentio, quer um judeu, ao lago de fogo.
Em todos os casos em que aparece o verbo predestinar, contemplamos o Pai Celeste
sempre a eleger, em Seu pré-conhecimento, os que se predispõem, ao ouvir o
Evangelho, a crer em Jesus Cristo e a recebê-Lo como Redentor.
1. Eleitos
na presciência de Deus
Em
sua primeira epístola, Pedro descreve admiravelmente como se dá a nossa
predestinação: “eleitos, segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do
Espírito, para a obediência e a aspersão do sangue de Jesus Cristo, graça e paz
vos sejam multiplicadas” (1Pe 1.2).
Desta passagem, infere-se logo que Deus predestinou-nos à vida eterna com base
em Seu amor presciente, tendo como parâmetro a nossa atitude frente ao
Evangelho. Conhecendo-nos previamente a propensão à Sua graça, aplainou-nos o
caminho, para que, no trecho mais oportuno de nossa jornada, viéssemos a
encontrar-nos com o Senhor Jesus. Haja vista o ocorrido com Paulo nas
proximidades de Damasco (At 9.1-15). Já converso, o apóstolo reconhece haver
sido escolhido pelo Senhor desde os seus antepassados (Gl 1:15; 2Tm 1:3).
2. Predestinados pelo conhecimento prévio de Deus
Na
Carta aos Romanos, Paulo explica-nos de que maneira Deus nos predestinou à
salvação: “Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para
serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito
entre muitos irmãos” (Rm 8.28).
Tão clara é esta passagem, que ela, por si só, é suficiente para deitar por
terra todo o edifício da dupla predestinação. Segundo ensina claramente o
apóstolo, Deus, antes de predestinar-nos, conheceu-nos. E, só depois de
conhecer-nos, foi que nos elegeu à salvação com base nos méritos de Seu Filho,
Jesus Cristo. O que experimentamos aqui? A atuação do amor presciente do Pai
Celeste.
3. Predestinados para Deus por meio de Cristo
Ao
predestinar-nos à vida eterna, Deus não foi movido apenas por Sua inquestionável
soberania; moveu-O também, antes e acima de tudo, o Seu inexplicável amor,
conforme realça o apóstolo: “nos predestinou para ele, para a adoção de filhos,
por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade” (Ef 1.5).
Deus não nos predestinou meramente à salvação; ao predestinar-nos, adotou-nos
como filhos em Seu Filho. E, de forma tão carinhosa e terna, sempre fomos
vistos pelo Pai Celeste. Pode haver maravilha maior que esta?
4. O chamamento dos predestinados
Num
primeiro momento, Deus nos predestina à vida eterna; num segundo, chama-nos à
revelação de Cristo através da proclamação do Evangelho. Ato contínuo,
justifica-nos e, quando do arrebatamento, glorificar-nos-á, conforme acentua o
apóstolo Paulo: “E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que
chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também
glorificou” (Rm 8.29).
Diante dessa cadeia de ouro, o que fazer? Proclamemos o Evangelho a todos, em
todo o tempo e lugar, por todos os meios disponíveis. Ouçam-no todos,
indistintamente. Muitos, constrangidos pela mensagem da cruz, receberão o
Cordeiro. Quanto aos rebeldes, que se conscientizem do Juízo Final. De posse de
um arbítrio livre, desimpedido, mas contumaz e soberbo, rejeitaram o Salvador
de todos os homens (1Tm 4:10). Agora, resta-lhes a terrível expectativa do
castigo eterno: o lago de fogo (Ap. 20:15).
5. A predestinação no conselho da vontade divina
A
base da predestinação genuinamente bíblica é o amor de Deus. Amando-nos com um
amor ainda inexplicável, estabeleceu um plano para a salvação de toda a
humanidade antes mesmo que viéssemos a existir. Atentemos ao que escreveu Paulo
aos irmãos de Éfeso: “Nele, digo, no qual fomos também feitos herança,
predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o
conselho da sua vontade” (Ef 1.11).
O maravilhoso conselho mencionado pelo apóstolo contemplava a criação do mundo,
a formação do ser humano, a redenção deste e a nossa união eterna com o Pai
através do Filho. E, para que o Plano de Salvação se efetivasse, Deus chamou,
santificou e preparou dois povos (Gn 12:1-3). No Antigo Testamento, Israel. E,
no Testamento Novo, a Igreja (Ef 3:9-11).
IV. A PREDESTINAÇÃO DE
ISRAEL E DA IGREJA
Coletivamente,
tanto Israel quanto a Igreja foram predestinados a serem povo de Deus. Eles
jamais deixarão de ser a herança peculiar do Senhor. Individualmente, porém,
cada um, de per si, deve perseverar até o fim, para que seja glorificado com o
Senhor Jesus.
1. A predestinação de Israel
Em
Abraão, o Senhor predestinou Israel a ser o povo escolhido e santo, por
excelência, através do qual todas as famílias da terra seriam abençoadas (Gn
12:1-3). Moisés destaca os israelitas como a propriedade mui particular do
Senhor (Dt 7.6). Mais adiante, já no tempo de Isaías, o Deus de Abraão declara
amor eterno à progênie de Jacó (Is 44:21; 49:3). O apóstolo Paulo, inspirado
pelo Espírito Santo, confirma a predestinação dos hebreus como povo sacerdotal
e profético do Senhor. No fechamento da História Sagrada, todo o Israel (o
remanescente fiel e piedoso) será redimido, salvo e glorificado (Rm 11:26).
Se Israel, coletivamente, está predestinado a ser povo de Deus,
individualmente, cada israelita é chamado a perseverar nos caminhos divinos até
o fim. Por intermédio de Ezequiel, o Senhor é categórico quanto à
responsabilidade de cada indivíduo: “A alma que pecar, essa morrerá; o filho
não levará a iniquidade do pai, nem o pai, a iniquidade do filho; a justiça do
justo ficará sobre ele, e a perversidade do perverso cairá sobre este” (Ez
18:20).
Logo, apesar da predestinação coletiva de Israel, como povo de Deus, ser um
fato inquestionável, cada israelita é exortado a permanecer no caminho divino.
Caso contrário, não será contato como propriedade do Senhor.
2. A predestinação da Igreja de Cristo
A
Igreja, quer você persevere no caminho da santíssima fé, quer dele se desvie,
jamais deixará de ser o povo Deus. Formada por judeus e gentios, ela foi
predestinada, na mais remota eternidade, a ser a Noiva do Cordeiro (Ef 3.1-21).
Por esse motivo, o próprio Senhor instiga-nos a ir até o fim, para que jamais
venhamos a perder a salvação (Mt 24:13; Ap 2:10).
Infelizmente, não são poucos os que, apesar de haverem experimentado a
salvação, vêm a desprezar o Cordeiro de Deus e a pisar o sangue da Nova Aliança
(Hb 10.26-30). Mencionemos, também, os que, nestes últimos dias, apostatam da
fé, ignorando por completo o Crucificado (1Tm 4.1). Os tais, apesar de terem
feito, um dia, parte da Igreja de Cristo, de Cristo se desviaram. E, assim,
deixaram de fazer parte de Seu corpo místico.
Tendo em vista o que acima expusemos, uma pergunta faz-se imperiosa: Pode o
predestinado vir a perder a salvação? Antes de a respondermos, vejamos como se
dá o processo salvador na vida de quem recebe Jesus como o seu Salvador.
V. O PROCESSO DE SALVAÇÃO
1.
A salvação na presciência divina
Deus
conhece todas as coisas antes mesmo de estas tornarem-se fatos e proposições. Através
de Isaías, Ele fala de Sua presciência: “Lembrai-vos das coisas passadas da
antiguidade: que eu sou Deus, e não há outro, eu sou Deus, e não há outro
semelhante a mim; que desde o princípio anuncio o que há de acontecer e desde a
antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho
permanecerá de pé, farei toda a minha vontade” (Is 46.9,10).
Em Sua amorosa presciência, Deus já sabia, desde a mais impensada eternidade,
quem haveria de receber o Senhor Jesus Cristo. Por esse motivo, alcançou,
através do Evangelho, cada alma disposta a crer. Nós, portanto, fomos eleitos
pelo Pai Celeste antes de virmos ao mundo, conforme enfatiza Pedro: “eleitos,
segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a
obediência e a aspersão do sangue de Jesus Cristo, graça e paz vos sejam
multiplicadas” (1Pe 1.2).
A declaração do apóstolo acha-se em perfeita consonância com a de Paulo:
“Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem
conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre
muitos irmãos” (Rm 8.29).
Tendo em vista as passagens acima transcritas, concluímos que, para eleger-nos
à vida eterna, Deus utilizou, em primeiro lugar, o amor, que jamais deixou de
ser eterno, e a Sua presciência, que sempre foi infalível. Ele não usaria
nenhum critério que viesse a ferir os próprios atributos morais como o amor, a
justiça, a benignidade e a misericórdia. Sua soberania, embora absoluta e
inquestionável, é regida por tais virtudes. Portanto, o Deus dos santos
profetas e dos apóstolos de Jesus Cristo jamais redigiria o chamado decreto
horrível. Ou seja: a predestinação de uma parte de Suas criaturas morais, quer
anjos, quer homens, ao lago de fogo.
2.
O chamamento à salvação
Sabendo, pois, de antemão quem receberia a
Cristo, providenciou-nos Deus o chamamento através da pregação evangélica,
conforme muito bem explicita Paulo: “E aos que predestinou, a esses também
chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a
esses também glorificou” (Rm 8.30).
Vejamos dois exemplos bastante emblemáticos extraídos dos Atos dos Apóstolos
que nos ilustram o texto paulino.
O primeiro é o caso do oficial de Candace, rainha dos etíopes. Do texto
sagrado, depreendemos que esse homem ia regularmente a Jerusalém, a fim de
adorar a Deus. E, sabendo o Senhor que ele ansiava por salvação, ordenou a
Filipe que o evangelizasse (At 8.26-30). Ouvida a palavra da fé, o etíope,
recebendo prontamente a Jesus, requer o batismo (At 8.26-30).
Eis, agora, o caso do centurião romano. Este homem austero e grave, fazia
continuas orações ao Senhor e, para agradá-Lo, socorria os pobres. Sabendo Deus
que o seu coração estava predisposto a aceitar Jesus, ordenou que Pedro o
evangelizasse. Diante da proclamação do Evangelho, recebeu a fé, e, de
imediato, foi batizado no Espírito Santo e até línguas falou (At 10.44-48).
Todavia, não devemos evitar a pergunta: Mesmo conhecido, eleito e predestinado,
pode o crente vir a perder a salvação? Busquemos elucidar a questão que tem
incomodado tanta gente.
VI A PERDA DA SALVAÇÃO
Para
respondermos a essa pergunta, evoquemos o episódio de Atos que narra o
naufrágio do navio que levava Paulo a Roma. O apóstolo, ante a iminência do
desastre, exorta tripulantes e passageiros a permanecerem a bordo. Se o
escutassem, ninguém pereceria. Caso contrário, perder-se-iam. Que todos estavam
predestinados a se salvar, não resta dúvida. Contudo, havia uma condição:
conservar-se a bordo (At 27;30,31).
De igual forma, dá-se com o salvo. Que ele está predestinado a salvar-se, não
há dúvida. Entrementes, deve perseverar até o fim, conforme recomenda o Senhor
Jesus (Mc 13:13). Isso não significa que a perda da salvação é algo corriqueiro
e banal na vida do povo de Deus, pois temos a consolar-nos a doutrina da
perseverança dos santos.
1. A perseverança dos santos
Embora
rejeitemos o ensino da segurança absoluta e incondicional de salvação, temos a
consolar-nos a doutrina da perseverança do crente neste '...mundo que jaz no
maligno'. Eis como Judas, irmão de Tiago, alenta-nos ante as vicissitudes de
nossa jornada: “Ora, àquele que é poderoso para vos guardar de tropeços e para
vos apresentar com exultação, imaculados diante da sua glória, ao único Deus,
nosso Salvador, mediante Jesus Cristo, Senhor nosso, glória, majestade, império
e soberania, antes de todas as eras, e agora, e por todos os séculos. Amém!”
(Jd 1.24,25).
Não obstante os perigos que nos cercam a peregrinação à Nova Jerusalém, a Bíblia
Sagrada garante-nos que é possível ter, neste mundo, uma vida santa,
irrepreensível, testemunhal e confessante, sem tropeços, até chegarmos à
presença de Deus. Afiança-nos Paulo: “Estou plenamente certo de que aquele que
começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus” (Fp 1:6).
Logo, a nossa trajetória espiritual, à semelhança da luz da aurora, vai
brilhando cada vez mais, até ser dia perfeito (Pv 4.18).
2. A salvação exige perseverança até o fim
A
mesma Bíblia que nos alenta com a doutrina da perseverança, persuade-nos à
responsabilidade pessoal. Em suas páginas, o Espírito Santo desperta-nos a
perseverar até o fim (Hb 10.38). Ouçamos o Senhor Jesus. Em Seus discursos e
alocuções, encoraja cada discípulo a ir até o fim, para que seja total, plena e
eternamente salvo (Mt 10.22; 24.13; Mc 13.13).
Já que temos as promessas da eleição e as bem-aventuranças da predestinação,
vivamos em permanente oração e vigilância (Mt 26.41). Caso contrário,
perderemos a coroa da vida eterna (Tg 1,12; Ap 2.10).
CONCLUSÃO
Predestinados
à eternidade com Deus, não tenhamos uma espiritualidade desleixada e leniente.
Esforcemo-nos, então, por alcançar a excelência cristã, pois o Pai Celeste
espera sempre o melhor de Seus filhos. Eis o que nos recomenda o apóstolo na
Epístola aos Hebreus: “Quanto a vós outros, todavia, ó amados, estamos
persuadidos das coisas que são melhores e pertencentes à salvação, ainda que
falamos desta maneira” (Hb 6.9).
Quanto à possibilidade de o crente predestinado vir a perder a salvação, como
alguns de fato a perderam, não vivamos amedrontados, pois temos a ajudar-nos o
Espírito Santo. Eis o que Ele promete-nos através do apóstolo: “Sabemos que
todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são
chamados segundo o seu propósito” (Rm 8: 28).
Que o Senhor nos ajude a permanecer firmes em seus caminhos, pois, em breve,
virá Ele buscar-nos para vivermos na Jerusalém Celeste.
Autor: Pr. Claudionor de Andrade
Uma palavra do Pr. Silas Daniel
Favor ter o cuidado para não torcer as minhas palavras: dizer, como eu disse, que é absolutamente incoerente um assembleiano disseminar o calvinismo em sua igreja, sendo muito mais coerente sair dela, não é a mesma coisa que convidar todos os assembleianos que crêem no calvinismo a sair da AD. Primeiro, porque o que eu disse trata-se claramente de uma opinião pessoal de cunho ético sobre uma situação hipotética, e não de um convite. Eu disse inclusive que se esse fosse o meu caso, eu sairia. Segundo, porque pregar e ensinar o calvinismo na AD é, sim, partir para uma situação de conflito dentro da sua denominação. O confronto se tornaria inevitável caso essa atitude ocorresse. E esse confronto não é ético. E afirmar que não é ético, que não é o comportamento correto, não é convidar ninguém a nada. É apenas afirmar que não é o comportamento correto, e que, portanto, o oposto é o mais acertado.
Se eu fosse um dos líderes da denominação, e alguém interpretasse essas minhas palavras equivocadamente assim, eu até entenderia o erro. Pela posição que eu estaria ocupando, as pessoas tenderiam a interpretar essas minhas palavras dessa forma, querendo ler as entrelinhas. Mas eu nem disse isso e nem tenho posição ou autoridade para que se "viaje" pensando que eu "estaria, no fundo, querendo dizer isso".
Mas, voltemos à questão da ética. Reflitamos: É ético lutar para que minha denominação se curve à minha crença pessoal? Devo confrontá-la por isso? Ou devo, se já não me sinto assembleiano e quero sair pregando e ensinando o calvinismo, ir para uma igreja renovada calvinista ou tradicional?
O que é mais ético?
Mas, se você não quer que olhemos essa questão pela ótica da ética, então olhemo-la apenas de forma prática, realista. Diga-me um só exemplo de uma pessoa que tentou fazer isso e conseguiu mudar toda a posição doutrinária de sua igreja, seja em caso de confronto por doutrina primária (realmente algo muito sério) ou secundária.
Lutero conseguiu com a Igreja Católica? Não. Os protestantes tiveram que sair da Igreja Católica. Arminius conseguiu com a Igreja Reformada Holandesa? Não, os remonstrantes tiveram que sair dela. Wesley com a Igreja Anglicana? Não, ele teve que sair dela. Os calvinistas metodistas com a Igreja Metodista? Não, eles acabaram saindo do metodismo e suas igrejas se tornaram igrejas congregacionais. Os pentecostais conseguiram com suas igrejas de origem tradicional? Os renovados com suas igrejas tradicionais? Sejamos realistas!
O irmão acredita que os irmãos presbiterianos acharão normal se obreiros da sua denominação começarem a ensinar arminianismo lá? Ou os metodistas se o inverso acontecer? Devemos julgá-los “intolerantes” por isso?
Uma coisa é promover “caça às bruxas”, sair investigando e punindo quem pensa pessoalmente diferente dentro da AD; outra coisa é a AD, ou qualquer outra denominação, não aceitar uma promoção interna de divergências doutrinárias. São coisas totalmente diferentes.
A visão de que a denominação deve deixar livremente que alguns de seus membros ensinem e preguem nos púlpitos ensino diferente da posição oficial da denominação, contanto que eles não estejam ferindo doutrinas bíblicas fundamentais, trata-se de uma saída irreal, absolutamente problemática.
Em primeiro lugar, como já disse, se a Assembleia de Deus passa a subtrair de seu padrão doutrinário todas as doutrinas bíblicas secundárias que a fazem ser o que é, aceitando apenas aquela espinha dorsal que faz com que assembleianos, batistas, presbiterianos, metodistas etc sejam evangélicos – as doutrinas bíblicas fundamentais –, então a AD já deixou de existir. Ela se tornou uma outra coisa, uma igreja sem identidade denominacional. Além de abrir as portas para metamorfoses ambulantes.
Sim, metamorfoses ambulantes, porque se você acha correto que a Assembleia de Deus permita que o calvinismo seja pregado e ensinado em nossas igrejas livremente, então vamos também liberar que alguém ensine em nossas igrejas que o batismo no Espírito Santo não é uma bênção subsequente à salvação, mas, sim, sinônimo da própria salvação; vamos liberar também o ensino em nossas igrejas de que línguas não são evidência nenhuma de recebimento do revestimento de poder do alto; etc. Afinal, todas essas doutrinas as quais me referi são doutrinas secundárias. Nenhuma é doutrina bíblica fundamental, que são aquelas sem as quais sequer podemos ser considerados cristãos.
A Doutrina do Batismo no Espírito Santo não é doutrina fundamental, mas secundária, logo, eu poderia ser assembleiano e discordar dela e até ensinar o contrário dela? A Contemporaneidade dos Dons Espirituais não é doutrina fundamental, mas secundária, logo eu poderia ser assembleiano e discordar dela e ainda ensinar o contrário dela? Se acharmos natural o ensino em nossas igrejas das visões mais variadas em torno de uma doutrina bíblica secundária, por que não fazer o mesmo em relação às outras doutrinas bíblicas secundárias? Um peso, duas medidas? Onde está a nossa “inclusividade”?
Na verdade, como se pode ver, isso não tem nada a ver com ser inclusivo, mas com coerência e identidade denominacional. Uma coisa é reconhecermos que as divergências doutrinárias entre assembleianos, batistas, presbiterianos, metodistas, congregacionais etc são secundárias e nós todos somos irmãos em Cristo, adorando o mesmo Deus e indo para o mesmo Céu. Outra coisa é eu achar que a unidade que Jesus pregou em João 17 significa necessariamente que todas as denominações não devem ter mais internamente uniformidade doutrinária em relação a doutrinas bíblicas secundárias.
Ser tolerante como cristão não é sinônimo de não ter mais posição oficial em questão de doutrinas bíblicas secundárias dentro das denominações, não significa aceitar que haja disseminação de divergências teológicas no seio denominacional. Aliás, já imaginou uma igreja assim? Um dia, se ensina uma coisa; em outro dia, outra; um crê de um jeito, outro de outra forma; o culto para um pode ter isso e aquilo, mas para o outro não, etc. Que confusão!
Em meu livro “A Sedução das Novas Teologias” (CPAD), no segundo capítulo, expliquei que o denominacionalismo é muito bom, que se ter identidades denominacionais, igrejas preservando posicionamentos diferentes em termos de doutrinas bíblicas secundárias, não é um mal, como muitos ingenuamente pensam, mas uma bênção. O mal é a briga entre denominações ou o fenômeno das igrejas sem uniformidade doutrinária. Indico lerem o que escrevi nesta minha obra. Reproduzirei aqui apenas uma pequeníssima parte, e resumida, do que disse ali.
"As igrejas livres ou denominações surgiram em contraposição às igrejas estatais, que eram a forma de governo das igrejas não-católicas logo após a Reforma Protestante. Naquela época, o que não era Igreja Católica era igreja estatal, isto é, uma entidade subserviente ao Estado. Vieram, então, em resposta a essa situação, as igrejas livres ou denominações, que foram uma excelente saída.
Como explica o historiador batista Winthrop Hudson, o termo “denominação” consistia na afirmação de que “o grupo referido é apenas membro de um grupo maior, chamado ou denominado por um nome particular. A afirmação básica da teoria denominacional de Igreja é que a Igreja verdadeira não deve ser identificada em nenhum sentido exclusivo com qualquer instituição eclesiástica particular. (...) Nenhuma denominação afirma representar toda a Igreja de Cristo. Nenhuma denominação afirma que todas as outras são falsas. Nenhuma denominação insiste que a totalidade da sociedade e igreja devem se submeter-se aos seus regulamentos eclesiásticos. No entanto, todas as denominações reconhecem sua responsabilidade pela totalidade da sociedade e esperam cooperar em liberdade e respeito mútuo com outras denominações e cumprir tal responsabilidade”.
Como acrescenta o historiador presbiteriano Antonio Gouveia Mendonça, “a denominação era instrumental na tarefa comum de cristianizar a sociedade, não somente a República, mas o mundo”. Uma bênção!
Foi só muito tempo depois, no período que chamamos de Pós-modernidade, que começaram a surgir críticas ao denominacionalismo como se este fosse um pecado, como se ferisse João 17 etc. Não é verdade. Trata-se de um desconhecimento da história da igreja e do propósito original do denominacionalismo.
O denominacionalismo não é um sistema perfeito, mas é o melhor sistema para a saúde organizacional da Igreja em sua manifestação visível. O sistema organizacional de igreja única universal (Igreja Católica) não funcionou e não funciona; o sistema de igreja estatal para tentar manter a unidade doutrinária absoluta, também não. O ideal são igrejas livres, as denominações, cada uma com a sua característica e jeito de ser, com suas visões diferentes em relação a doutrinas bíblicas secundárias, até porque é impossível unificar todos em torno de uma única visão acerca de doutrinas bíblicas secundárias - a história já mostrou isso sobejamente. Temos que aprender a conviver com essas diferenças, que não são fundamentais. Devemos respeitar as diferenças denominacionais e não pregar que o denominacionalismo é pecado.
Pode e deve haver, pois é super sadio e bíblico (Totalmente João 17!), a comunhão entre as denominações, a unidade em pontos comuns, o trabalhar juntos em pontos comuns. Esse tipo de discussão e crítica é muito sadio e bíblico. Já combater o conceito de denominação, de identidade denominacional, já é exagero. Defender uma igreja com perfil doutrinário flexível para abrigar todas as posições denominacionais não funciona nem prática nem na teoria.
As denominações surgiam antes por divergência de ideias, nada mais. Eram divergências honestas. Hoje, não: a maioria das novas denominações surge com finalidades financeiras. Isso, sim, é imundo.
Lembremo-nos que a unidade da Igreja na Terra não implica necessariamente uniformidade total. Na Igreja do Novo Testamento, havia diversidade de ministérios (1Co 12.4-6) e variedade de opiniões acerca de assuntos de importância secundária, como vemos de Romanos 14.1 a 15.13. Além disso, “embora houvesse uniformidade nas convicções teológicas básicas (1Co 15.11, BLH; Jd 3), a fé comum recebia ênfases diversas, segundo as diferentes necessidades percebidas pelos apóstolos (Rm 3.20; cf. Tg 2.24; Fp 2.5-7; cf. Cl 2.9ss)”, lembra o teólogo escocês Bruce Milne, professor de Teologia Bíblica e História no Spurgeon College em Londres, em seu livro “Conheça a verdade” (1987). Foi apenas pós-Constantino que tentaram unificar tudo sob o guarda-chuva de uma única igreja: a Igreja Católica Apostólica Romana. Deu no que deu.
A existência de denominações, cada uma com sua independência e seu próprio perfil, mas respeitando cada uma as doutrinas bíblicas fundamentais, é uma bênção.
Assim como o regime democrático não é perfeito, mas é o melhor sistema de organização da sociedade, o denominacionalismo se mostrou o mais saudável sistema de organização eclesiástica. Claro que há exemplos negativos dentro do denominacionalismo, mas eles só provam que o sistema é imperfeito porque o ser humano é falho, e não que o sistema denominacional é tão ruim quanto os outros dois ou, muito menos, o pior. A História já provou que, dos três sistemas, o denominacionalismo ainda continua sendo o melhor para acomodar as naturais diferenças humanas.
O sistema de igrejas não-denominacionais, sem padronização doutrinária, não é a saída, mas um tremendo perigo, uma porta aberta para a paulatina fluidificação doutrinária na comunidade cristã. É isso que acontece na prática. O ser humano é assim. Isso é realismo.
Portanto, que a AD continue sendo a AD, que a Metodista continue sendo a Metodista, que a Presbiteriana continue a ser a Presbiteriana, que a Batista continue sendo a Batista etc. E o crente que, por convicção, não se sentir mais bem na Presbiteriana, por não concordar mais com sua visão doutrinária, que vá para outra denominação onde se sente bem. E o mesmo com o crente de qualquer outra igreja, inclusive a AD. A outra opção é ou manter sua convicção pessoal divergente, mas sem confrontar sua denominação, o que é incoerente, mas aceitável; ou confrontar a denominação, o que é mais do que incoerente.
Finalmente, irmãos, eu não conheço nenhuma AD – pelo menos ligada à CGADB – que seja calvinista ou ensinando calvinismo aos seus membros. Se o irmão conhece, favor me dizer. E o que citei sobre esfriamento não é “achismo”, não é teoria. Como asseverei na entrevista, é um dado empírico. Há uma denominação pentecostal, não grande como a nossa, que era, desde suas origens, arminiana e deixou de ser, e está sofrendo aquelas consequências de que falei na entrevista ao Gutierres. O calvinismo foi imposto lá pelo líder da igreja. Essa igreja não é uma igreja neopentecostal. Soube até que, mais recentemente, decidiram retirar o título “pentecostal” do nome da igreja e das placas das igrejas.
Não sei se isso acontecendo hipoteticamente com a AD (passar de arminiana a calvinista, algo que acho muitíssimo difícil de um dia acontecer), ela passaria pelas mesmas consequências. Mas é fato que casos de despentecostalização existem, são concretos, não "achismo".
Em Cristo,
Silas Daniel
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