Vamos presumir a familiarização dos leitores com Benny Hinn
e com a linha doutrinária exposta em seus livros, a qual está plenamente
inserida dentro do movimento carismático contemporâneo. Tendo já escrito,
anteriormente, Bom Dia, Espírito Santo (Bompastor Editora, 1993), temos agora
mais um trabalho dentro do mesmo tema e já o anúncio de que haverá uma próxima
obra sobre Os Dons do Espírito Santo, a ser publicada logo a seguir (p. 348, do
livro resenhado, Nota 10).
À semelhança de seus trabalhos prévios, além de algumas
exposições bíblicas, o livro é extensamente autobiográfico. Ele contém
detalhados relatos pessoais sobre a sua infância, em Israel (p. 73), sobre a
influência recebida de seus familiares (pp. 74-76), sobre a sua conversão e
momentos difíceis vividos após ela (pp. e 83), e sobre a sua numericamente
bem-sucedida carreira, no campo do evangelicalismo moderno. Esta carreira
culmina com a fundação do Centro Cristão de Orlando (Orlando Christian Center),
uma igreja interdenominacional com mais de sete mil membros registrados (p.
154). Esta linha autobiográfica torna a obra interessante à leitura, e serve de
veículo para a canalização das inúmeras experiências extraordinárias relatadas
pelo autor, que já fazem parte ordinária de sua vida: por exemplo, ele registra
sua conversão em 1972, quando deveria ter entre 20 a 21 anos de idade (P. 21),
mas já aos 11 anos teria tido uma "visão do Senhor Jesus," (p. 19) na
qual pode observar "as marcas dos pregos em suas mãos" (p.20); . Possivelmente, encontraríamos
também, neste aspecto íntimo e pessoal do livro, aliado à fácil linguagem e
desenvoltura na narrativa, a explicação pela popularidade e ampla aceitação das
suas obras.
Também a exemplo dos livros anteriores, Benny Hinn relata
vários diálogos com Deus, com o Espírito Santo, e revelações diretas recebidas
dele (exemplos: p. 122 - onde o nome do seu primeiro filho foi revelado, anos
antes dele nascer; ou a revelação sobre a sua segunda filha, que "seria
uma grande guerreira de oração", na p. 123). Ficamos intrigados com estes
relatos: será apenas uma forma hiperbólica de expressão? Será simplesmente uma
maneira retórica de registrar a comunhão normal que os crentes mantêm com o
Espírito Santo, como aquele que habita em cada um dos preciosos redimidos de
Cristo? Será que um crente comum, não iniciado nesta casta super-espiritual,
não expressaria as mesmas situações vividas, dizendo o seguinte: "fiquei
pensando no assunto, pedindo a orientação de Deus em oração e saí com a
convicção de que este deveria ser o curso de ação seguido; ou de que este ou
aquele nome honraria a Deus na minha criança; ou ainda, de que deveria aplicar
todos os meus esforços, sob a orientação de Deus, para que a minha filha fosse
consagrada e uma bênção em sua vida..." Mas não, a forma como Benny Hinn
coloca as coisas, transmite a idéia de que ele vive sua vida em um estágio
perene de revelação. O extraordinário e o incomum já fazem parte do seu
cotidiano. Por exemplo: falando sobre o evangelista inglês Smith-Wigglesworth,
famoso por sua atuação no campo da cura e influente na família de sua esposa,
ele registra, sem o mínimo grau de questionamento ou cautela, a declaração que
"19 pessoas ressuscitaram dos mortos através do ministério dele"
(p.117).
Podemos tirar, entretanto, uma conclusão dos seus relatos
destas interações com o Espírito Santo: Estes diálogos revelacionais, supostamente
mantidos, não constituem garantia de certeza quanto aos passos revelados. Como
exemplo disso, temos o registro de seus planos para a fundação de uma igreja.
Diz ele que já sabia "que Deus queria que eu começasse uma igreja", e
que "também sentia que sabia exatamente onde ela deveria ser: Phoenix,
Arizona" (p. 149). Esperar-se-ia que uma revelação tão precisa, advinda da
parte de Deus, estaria acima de qualquer reversão posterior. Ocorre que
existiram várias "revelações" subsequentes, dadas a amigos colaboradores
seus, à sua esposa, e até a um homem a quem ele não conhecia, e que lhe disse:
"O Espírito Santo está me dizendo que você deve iniciar uma igreja em
Orlando..." (p. 150). Estas "revelações" adicionais (se bem que
contraditórias à primeira) o levaram a "ouvir" do Espírito Santo:
"Benny, você deve iniciar uma igreja em Orlando" (p. 151).
Qual a nossa conclusão? Que a primeira "revelação"
era errônea, mas a segunda verdadeira? Qual o crivo a que devemos submeter as
revelações de Benny Hinn, para saber se vêm do Espírito? Temos que aceitar
tácita e tranqüilamente estas "revelações" que supostamente advêm do
Espírito e que nos são apresentadas como normativas em nossas vidas, quando ele
próprio registra a contradição (mas não dá sinais de admitir o exagero retórico
de suas colocações)? Temos de responder pelo menos com três sonoros nãos. Não
devemos deixar que sejamos manipulados por qualquer um que venha supostamente
trazendo a palavra autoritária do Espírito, transcendendo e sobrepondo-se à
verdadeira revelação que nos foi dada nas Escrituras Sagradas. Não devemos
deixar que experiências pessoais, intangíveis e inverificáveis, nos sejam
impingidas como normativas em nossas vidas. Não devemos deixar de exercitar a
cautela dos Bereanos.
Este aspecto contraditório do seu ministério, está presente
em outras partes do livro. Ele informa
que foi dirigido especificamente pelo Senhor para jogar o paletó em cima das
pessoas, para que recebessem a unção do espírito (p. 325), mas hoje já não faz mais
isso, porque as pessoas passaram a vir "às cruzadas, esperando ver-me
tirando o casaco e usando-o como um meio de trazer a unção" (p. 327); ele
defende "o riso santo" e descreve como isto ocorreu pela primeira
vez, em uma de suas reuniões, em Portugal (p. 329), mas adverte que
"quando as pessoas começam a buscar a manifestação ao invés do Mestre, a
presença de Deus se retira" (p. 330). Nestas colocações ele aparece no
mínimo indiferente ao fato de que o seu ministério é basicamente mais propagador
das manifestações do que do próprio Mestre, e que ele é o responsável por
incontáveis imitações de suas manifestações. Indagamos ainda: se o Espírito
supostamente lhe direcionou a que passasse a jogar o paletó, porque o seu
julgamento, de que tal mesura passara a ser inapropriada, iria se sobrepor ao
direcionamento anterior do Espírito? Detectamos, no mínimo incoerência com suas
próprias premissas.
Os melhores pontos do livro, são aqueles em que ele se
refere à Palavra e se limita à exposição bíblica sobre a pessoa e obra do
Espírito Santo. Encontramos uma boa exposição da personalidade do Espírito (pp.
45 a 60); da sua divindade (pp. 64 a 72) e ele ocupa dois capítulos, se bem que
intercalados com notas autobiográficas sem muito relacionamento com o contexto,
com uma exposição dos seus nomes e títulos (capítulos 4 e 5 - pp. 97 a 116 e
124 a 145). Na teoria, ele defende até a posição histórica da Igreja, fazendo
referência ao Credo Niceno (p.32), e enaltecendo a forma de tratamento à
trindade ali encontrada. Mas a impressão deixada é que essas âncoras bíblicas
de conhecimento sobre a pessoa do Espírito Santo, não chegam a ser tão
fundamentais assim no desenvolvimento de sua teologia e prática. Esta é muito
mais construída nas suas experiências pessoais e extraordinárias do que na
Revelação Bíblica que nos ensina quem o Espírito Santo é e o que faz. O
"Como Experimentar a Dinâmica", do subtítulo do livro é, na
realidade, extraído dos relatos sobre o que aconteceu com o próprio Benny Hinn
e com pessoas que o influenciaram, e não como fruto de uma exposição cuidadosa
das prescrições bíblicas.
Por exemplo: Numa reunião, ele experimentou o poder do
Espírito Santo, descrito como uma "intimidade muito grande com o Senhor,
algo maior do que qualquer coisa que eu conhecia, uma experiência que causa
impacto na minha vida até hoje" (p. 24). Esta experiência foi precedida
por uma ânsia. Esta mesma ânsia é prescrita ao leitor como sendo o passo
inicial para que possa ter uma experiência semelhante: "Esta ânsia é muito
importante. Na verdade, é a primeira chave para se experimentar a atuação do
Espírito Santo..." (p. 25). Hinn não se preocupa se este sentimento ou
sensação faz parte das prescrições doutrinárias das Escrituras sobre a pessoa
do Espírito Santo e o seu relacionamento com os seus -- a experiência volta a
falar mais alto que a Palavra.
Em adição, apesar de Benny Hinn registrar o ensinamento
bíblico que o Espírito Santo "nunca exalta a si mesmo, mas sempre
glorifica e engrandece o Senhor Jesus" (p. 32) o tratamento dado ao
assunto parece demonstrar exatamente o oposto. Este grande ponto, que, no nosso
entender é a chave para o desenvolvimento de uma pneumatologia bíblica, é
intensamente negligenciado e subvertido pelo movimento pentecostal e
neo-pentecostal, resultando nas distorções litúrgicas e doutrinárias observadas
nesses segmentos.
O resgate da Cristologia verdadeira, passa pelo
reconhecimento e incorporação prática, das explicações de Jesus sobre a obra do
Espírito Santo (João 14 a 16) -- ou seja, a Pneumatologia verdadeira é aquela
que é Cristocêntrica. Ocorre que tal reconhecimento tem de ir além de meros
registros e da retórica, como o faz Benny Hinn, pois eles se anulam quando as
experiências se sobrepõem à Palavra. Apesar da declaração contrária, a observação
que temos destes segmentos denominacionais e do livro, como um todo, é que
espera-se sempre que o Espírito fale de si mesmo.
Para Benny Hinn, as razões motivadoras da Reforma e o grande
abismo doutrinário que separa o Catolicismo Romano do Protestantismo Histórico,
devem ser meras firulas doutrinárias; simples detalhes insignificantes que não
devem se intrometer na interpretação estendida que deve dar ao "ecumenismo
interdenominacional" que pratica. Com efeito, ele registra que no início
do seu ministério, "um grupo de padres católicos de várias igrejas,
patrocinou minhas reuniões no norte do Canadá" (P. 290). Nessa ocasião,
foi convidado pela madre superiora de um hospital católico para conduzir um
culto, "juntamente com outros três pastores pentecostais e sete sacerdotes
católicos" (P. 291). O objetivo daquela visita era a cura, praticada e
obtida, naquele hospital.
Estas manifestações são classificadas como
"avivamento" (P. 295) e nenhuma menção é feita ao ministrar da cura
espiritual à alma, providenciada pelo Evangelho Salvador de Cristo, sem
intermediários outros que não o próprio Cristo, sem recursos outros que não a
própria fé, que é dom de Deus. Na realidade, o ponto alto daquele
"avivamento" foi quando um dos padres, sem entender muito bem o que estava
fazendo, percorreu os corredores daquele hospital com o braço levantado,
aplicando a cura aos enfermos que encontrava, aplicando a "unção" do
Espírito.
Em conclusão, não podemos deixar de notar a ironia que é o
fato da grande influência na vida e ministério de Benny Hinn, com suas
peculiaridades doutrinárias tão marcantes, ter tido origem em uma igreja
Presbiteriana, sob a égide de um ministério feminino, cuja ênfase era
totalmente nas prolongadas sessões de cura. Nas páginas 21 a 29 lemos como a sua
presença em uma dessas seções de cura, dirigida por Kathryn Kuhlman, na
Primeira Igreja Presbiteriana de Pittsburgh, em 1973, foi o ponto de partida de
todo a sua carreira formando as características principais que o identificam
até os dias de hoje. Ele próprio fala da semelhança do seu ministério "com
o de Kathryn" (p. 335). Obviamente esta reunião ocorreu em um segmento do
presbiterianismo que já havia ab-rogado os seus fundamentos confessionais
(haviam adotado a herética "Confissão de 1967") e que abertamente
negligenciava os parâmetros doutrinários e litúrgicos da Reforma, abrigando a
ordenação feminina. Como no Brasil temos a tendência de imitar retardadamente
os trejeitos e modismos eclesiásticos do mundo religioso norte-americano,
ignorando até quando os resultados no país de origem se mostram espiritualmente
deletérios, será que não poderíamos enxergar aqui um aviso para nos mantermos,
como igreja, fora deste curso perigoso?
Cuidado com essa peçonha mortífera.
Viva vencendo os engôdos espirituais!!!
Seu irmão menor.
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