02 outubro 2013

EXEGESE DE 2TIMÓTEO 3.1-7 E PARALELOS COM A PÓS-MODERNIDADE

            
A pós-modernidade é um desafio a partir de seu conceito. Alguns a chamam de transmodernidade, midmodernidade, modernidade tardia, ultramodernidade ou contemporaneidade. A datação de seu início também é debatida. Alguns marcam seu início a partir da Segunda Guerra Mundial, outros a partir da chegada do homem à Lua, outros, ainda, da invenção do computador ou até mesmo da clonagem da ovelha Dolly.
            Atentando-se a apenas uma característica do tempo do fim, Paulo lança a sua tese escatológica: o homem se desumanizará. Ele enumera 19 características do homem dos últimos dias, completamente influenciado pelos “ismos” destes dias. Não sabemos se os dias nos quais estamos são os últimos dias e não nos compete saber o dia ou hora que vem o Filho do Homem, mas apenas devemos ler o tempo no qual vivemos e vigiarmos às ordens do Mestre, cumprindo-as. Há muitas características descritas por Paulo que apresentam paralelos aos tempos atuais.
 
1º filautoi(filautói) – O homem seria amante de si mesmo, egoísta. A ideologia pós-moderna de Roger, já cantada na década de 1980, expressa este prisma: “Eu me amo e não posso mais viver sem mim”. Paulo profetiza a chegada do Humanismo. As pessoas mais humanas que conheço são as menos humanistas. Em contrapartida, as de discurso mais humanistas adotam práticas e relacionamentos desumanos.
 
2º filarguroi(filárgyroi) – O homem seria amante do dinheiro, ganancioso. A ideologia do capitalismo impregnada na mente humana o levaria à coisificação de pessoas. Seria o tempo em que o voluntarismo e o amadorismo praticamente terminariam dando lugar ao profissionalismo. Isto também chegaria às igrejas, de tal forma que se tornaria difícil você conseguir pessoas para ajudar ou agir se não fosse pelo dinheiro.
 
3º ’alazonej(alazónes) – O homem seria presunçoso, ou seja, presumiria de si mesmo, mais do que é. Multiplicariam-se os homens do nível “ignorante inconsciente” da Pedagogia (os outros são: ignorante consciente, consciente ignorante e consciente consciente). Multiplicariam-se os irracionalismos travestidos de sabedoria, tais como Paulo Coelho aceito na ABL;
 
4º ‘uperhfanoi (huperēfanoi) – O homem seria orgulhoso, desdenhoso. O termo é a junção de huperē+fanoi, ou seja, “aquele que se fia na sua própria força” + “manifestar, aparecer”. O huperēfanoi é aquele que se manifesta fiado na própria força; prepotente;
 
5º blasfhmoi(blásfēmoi) – O homem seria blasfemo, desdenharia das coisas de Deus. Sua blasfêmia não seria apenas uma contrariedade direta, mas uma postura falsa de um suposto espiritualismo;
 
6º goneusin apeiqeij(goneusin apeitheis) – O homem seria desobediente a pai e mãe. Literalmente, ele “não se deixaria persuadir”, não aquiesceria aos ensinos do pai e da mãe (apeitheis). Suzane Von Richtoven e irmãos Cravinhos se multiplicariam;
 
7º axaristoi (acháristoi) – O homem seria desprovido de gratidão. A capacidade de agradecer e reconhecer seu benfeitor e benfeitoria seria escassa. Isto é consequência da presunção e egoísmo. Se o homem se acha o centro de tudo, ele subentende que é obrigação do próximo fazer algo por si. É a ovelha triste porque acha que todos deveriam cumprimentá-la e agradecer por tudo: humanismo;
 
8º anosioi(anósioi) – O homem seria não consagrado. an-ósioi é o não santo, não consagrado, não ordenado, não acompanhado dos deveres religiosos e seguido pelas palavras santas. Seria o “profano”. Seria aqueles que se autointitulam algo sem assim terem sido reconhecidos ou ordenados licitamente. A autointitilação apostólica e pastoral de muitas seria elevada à potência;
 
9º astorgoi(ástorgoi) – O homem seria sem afeição, principalmente no relacionamento entre pais e filhos: a, “sem”, storgoi, “amor entre pai e filho”. Pais e filhos cometeriam atrocidades entre um e outro. Filhos jogados no lixo e pais sendo assassinados por filhos não seria incomum. O assassinato de Robinson Cavalcanti não deixa de ser cumprimento da profecia paulina. Seria o tempo do homossexualismo;
 
10º aspondoi(áspondoi) – O homem seria sem palavra, violador de pactos; a, “sem”, spondoi, “libação que acompanharia a firmação de um tratado”; seria implacável. Basta assistir o vídeo da última campanha política e averiguar que promessas de campanha foram cumpridas. O tempo do eidos (“imagem”) enfraquece mais ainda o logos (“palavra”). É o tempo do imagetismo. Este imagetismo também geraria um desejo de ser visto, de ser conhecido, de estar na mídia. O midiatismo surge como filho do imagetismo. A maior parte das pessoas do Ocidente sonha em ter seu 5 minutos de fama televisiva, ainda que isto lhe custe a alma.
 
11º diaboloi(diáboloi) – O homem seria incitador a brigas, caluniador, acusador, maldizente; seria falastrão. Debates e realities shows com brigas dariam muito IBOPE.
 
12º akrateij(akrateis) – O homem seria incontinente, sem domínio próprio. Seria o tempo da obesidade, o tempo do adultério, o tempo do excesso. Ele seria “ingovernável”. Não aceitaria sobre ele autoridade. Desta forma, a consequência natural seria o anti-institucionalismo. Seria a ditadura do relativismo. O relativismo preconiza a diversidade de “eus”, de métodos, de pressupostos, conduzindo à transição da epistemologia moderna. Em um mundo humanista e egocêntrico, o homem não aceita o governo ou opinião de outro. É a autocontraditória ilógica ditadura do Relativismo. O pluralismo esincretismo seriam consequências do relativismo. Este pluralismo não seria apenas religioso, mas de pertencimento. O cristão, hoje, pertence a uma diversidade de grupos e isto gera nele um senso de “anti-exclusivismo”. Ele quer pertencer a tudo e a todos e ao mesmo tempo não ser de ninguém. É comum alguém afirmar que “está frequentando” ou “faz parte” de determinada igreja, mas a nomenclatura “ser membro” ter gradativamente, mudado, pelo desejo de não se compromissar. A família também sente grandes conseqüências disso, pois as distâncias são maiores, os relacionamentos com a parentela menores. A criança fica na creche e encontra aos fins-de-semana com os pais, criando uma personalidade mais fraca e um senso de proteção menor.
 
13º anhmeroi(anémeroi) – O homem seria imoderado, excessivo, violento, sem limite, selvagem. O ato de Elise Matsunaga mostra a excessividade da violência contemporânea. Elisa Samúdio, cortada em pedaços dados a rotweillers é exemplo também. As brigas de adolescentes na escola, que vão parar na internet são animalescas. O revide, nos últimos dias, seria desproporcional;
 
14º afilagaqoi (afilágathoi) – O homem seria sem amor para com as coisas boas. Independente de Calvinismo ou Arminianismo, a tendência do homem nos últimos dias será para fazer aquilo que é mal. Sua pergunta não seria “é certo?” (deontologia), mas “dá certo?” (teleologia), ainda que isto signifique a coisificação do ser humano e a aplicação do utilitarismo;
 
15º prodotai(prodótai) – O homem seria traidor. Ele estaria disposto (pro) a entregar o outro (dótai). Em um sistema capitalista, trair não é uma questão de princípios, mas de preço. A ética do mercado não é se “é certo?”, mas é “dá certo?” e “quanto vale?”;
 
16º propeteij(propeteis) – O homem seria precipitado. Falaria e agiria com precipitação. Quereria falar, mas não teria o que falar. Tomaria atitudes impensadas. Pareceria possesso, fora de si mesmo, mas seriam atitudes próprias suas, precipitadas. Seria o tempo do imediatismo consequência do capitalismo e da ideologia difundida pelo Tio Sam, de que Time is Money.
 
17º tetufwmenoi(tetufomenoi) – O homem seria orgulhoso, “inchado como um tufão”. Ele perderia a capacidade de ouvir, pois ouviria apenas a si mesmo. Por isso, João repete recorrentemente em Apocalipse “quem tem ouvidos para ouvir, ouça”, pois nos últimos dias o homem perderia a capacidade de ouvir ao outro (2Tm 4.3-4). O homem advoga ser dono de si mesmo. É o tempo da privatização, não apenas de empresas e estabelecimentos, mas da vida. Não se deseja mais repartir a vida ou opiniões.
 
18º - filhdonoi mallon h filoqeoi(filédonoi mallon he filótheoi) – O homem seria mais amigo dos prazeres do que amigo de Deus. Sua amizade é ao que lhe traz prazer, mesmo que seja algo tão ilógico quanto queimar uma pedra para cheirar, beber urina ou tomar sangue. Ele buscaria estar belo em um mundo imagético. No mundo imagético, multiplicam-se os corpos sarados, as academias, as modelos, os bombados. Paulo profetiza que o Hedonismo se multiplicaria. O mundo se tornaria carlaperenizado. É o pansexualismo. Em um mundo imagético capitalista hedonista, se a igreja não me serve jiló (amargo, mas que faz bem), faço como em um self-service e vou para outra onde escolho ser servido com torresminho (só gordura e faz mal). Esta amizade dos prazeres geraria um sensitivismo, pois o que importa é se eu me “sinto bem” em fazer algo ou estar em algum lugar.
 
19º exontej morfwsin eusebeiaj thn de dunamin authj hrnhmenoi(éxontes mórfwsin eusebeías tén dé dúnamin autes ernemenoi) – Os homens teriam uma aparência de uma piedade adoradora, ou seja, religiosidade exterior, mas negariam a eficácia de seus princípios. Teriam uma imagem midiática de bom moço, mas fazendo o que só o Senhor sabe fora das câmeras.
Estes homens se multiplicariam e quereriam escusar-se de sua conduta generalizando. Seria a multiplicação da fala de Sérgio Cabral: “Quem nunca engravidou uma namoradinha”; a fala de Vagner Love: “Quem nunca capotou com o carro”. É a tentativa de normatização do absurdo.
Dentre estes estão “aqueles que entram pelas casas e capturam mulheres tolas, sobrecarregadas de pecados, levadas por paixões diversas” (2Tm 3.6). Será que não poderíamos dizer que entre estes estão aqueles que produzem os programas de Márcia Goldsmith, Big Brothers, Fazenda, Ratinho, Pânico, e as “Carminhas” da vida, cativando a mente de muitos?
Será um tempo de informativismo. O avanço da tecnologia (tecnologicismo) e a globalização (globalismo) proporcionariam uma circulação da informação sem limites. Estes homens aprenderão sempre e jamais poderão chegar ao conhecimento da verdade (2Tm 3.7). Eles terão coleções de CDs, DVDs, livros, mas não conhecerão a verdade. Por quê? Porque a verdade é o que é e estes homens tentarão ser o que não são. Assim como Janes e Jambres, que resistiram a Moisés não conseguiram vencer, também estes não vencerão (2Tm 3.8-9). O informativismo traz, na enxurrada de tantas coisas, a enxurrada de versões bíblicas que contribui para uma geração que não conhece textos de cor.
O tempo é desanimador, mas o pressuposto é que, sendo Deus eterno e conhecedor de todas as coisas, poderia ter plantado você nos dias de Lutero, Wesley e Moody, mas não o fez. Assim sendo, é o tempo mais oportuno para nós. Lembrando a fala de Atanásio quando seus acusadores o concitaram a renegar a fé, argumentando que o mundo inteiro estava contra ele, o mesmo disse: Se o mundo inteiro está contra Atanásio, então é Atanásio contra o mundo
 
ATITUDES A SEREM TOMADAS NESTE TEMPO

            Em um tempo tal como este, que atitudes podem e devem ser tomadas por aquele que deseja preparar-se para exercer uma apologética que seja relevante e faça a diferença?
            Primeiramente, é necessário ter convicções sem fazer imposições. “Eu sei em quem tenho crido” (2Tm 1.12), bradou Paulo e é o brado que devemos continuar dando. Para isto, precisamos conhecer quem nos cremos, que, mais que um sistema de crenças ultrapassado, é um Cristo vivo, que está em nós e fala conosco. Não podemos impor o que cremos, mas temos que ter certeza daquilo em que cremos.
            É necessário maior preparo reflexivo-argumentativo. A proliferação da informação exige maior preparo. Não é necessário – nem possível – se conhecer tudo, mas fundamental o bom preparo, profundo e coerente, da argumentação e entendimento do que se crê.
            É necessário ensinarmos o outro que crê a aprender a aprender. Com tanta informação sai na frente que aprende a processar as informações que tem e não quem tem mais informação. Para isso, precisamos ensinar a não dependência e jamais tentar manipular a informação, mas ensinar o cristão a aprender, a pesquisar, a saber em que fontes buscar (2Tm 2.15, 1Tm 4.12).
            É fundamental conhecer Deus na prática e refletir profundamente sobre Ele. A certeza intelectual é mais fundamentada quando a verdade é experimentada em nossa vida. Nossas experiências não determinam quem nós somos, mas não devem ser invalidadas. Nossas experiências fazem parte de nossa essência e se invalidamos nossas experiências invalidamos quem nós somos. Não devemos negá-las, mas analisá-las à luz das Escrituras. Devemos conhecer Deus na teoria, mas, sobretudo na prática (Os 6.3).
            Devemos ouvir aos antigos. Em um tempo que o homem não ouve ao próximo, quem empresta seus ouvidos para atentar a bons conselhos sai na frente.
            Devemos ter o referencial de verdade absoluta a partir de Cristo e dEle revelado nas Escrituras. Em um tempo de relativismo que corrói a alma do contemporâneo pela falta de certezas e fundamentos, o homem que tem o referencial de verdade, pleno e único, sai na frente. Sua alma repousa na segurança da crença no único e verdadeiro caminho. Sua alma testifica com paz.
            Tanto quanto orientou Timóteo, Paulo, também, anteriormente, o fez com Tito. Suas livro é um verdadeiro manual de teologia apologética. Nele, Paulo orienta a Tito: “Seja poderoso na doutrina tanto para admoestar, como para convencer os contradizentes” (Ti 1.9); carimbe sua teologia com uma boa prática (Ti 1.16); “não entres em questões loucas, genealogias e contendas, e nos debates acerca da lei; porque são coisas inúteis e vãs” (Ti 3.9); tenha os apologetas em boa estima, cuidando deles (Ti 3.13).
            Entendendo como deve se exercer a apologética na contemporaneidade, lendo e entendendo este tempo e o homem deste tempo, e tomando as atitudes supracitadas, indicadas, o cristão deve estar mais bem preparado para fazer a diferença neste tempo.

Seminário Teológico Betel

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