"Prá que nasci?" A história de uma vida tão breve
A vida sempre trás consigo os problemas que são parte, elementos que não podem ser separados. A vida é assim mesmo.Ela é boa,gostamos de viver,mas temos problemas.
Encontrei-me com uma pessoa mês passado, e logo percebi, depois de alguns minutos de conversa que ela já não era a mesma pessoa que eu conheçera a alguns anos atrás.
Sem esboçar nenhum sorriso, deixou transparecer sua tristeza.
Sem me falar nada sobre sua vida, percebi que ela estava arqueada, como quem carrega um grande peso nos ombros.
Sem perguntar-lhe nada, vi uma resposta saindo dos seus olhos: sofrimento.
Estive fazendo uma leitura corporal dessa pessoa: a maneira como gesticulava, a posição das mãos e dos dedos, uma testa que se franzia a todo instante, a forma como mudava de posição, ora apoiando-se numa perna, ora noutra. Percebi que o tom da voz estava baixo,como que sufocado, sem energia para falar direito.Diante disso, resolvi lançar uma frase para ver o que poderia sair daquele coração que eu sabia, estava sofrendo.
Perguntei: “Mas, me conta, como anda a vida nestes anos que não nos vimos? Como você está mesmo, de verdade?”
Ela olhou para mim e disse: “Vida? Não sei porque nasci, nem sei porque ainda estou vivendo...”
Diante dessa resposta, perguntei o que realmente estava lhe acontecendo.E então veio a resposta em forma de perguntas, várias delas:
-Por que eu tive de nascer? Por que a vida tem sido tão dura comigo,se sempre fui uma boa pessoa, bom cidadão e luto para ser um bom crente? Por que as coisas erradas sempre caem sobre mim? Por que Deus me trouxe ao mundo se eu só viveria em sofrimentos? Por que é que, com as outras pessoas tudo vai bem e comigo sempre vai tudo mal? Será que não posso ser feliz ao menos um pouco? To cansado dessa vida...
To cansado de lutar e não chegar a lugar algum.Tô cansado de tanta falsidade perto de mim, to desiludido com a vida e com as pessoas que eu conheço.Achei que elas eram boas pessoas, mas ao longo do tempo, fui percebendo que não passavam de corruptoras, sem moral, sem caráter e manipuladoras.Descobrí que os crentes não são tão melhores que os que estão no mundo.
Nesse momento, as lágrimas começaram a rolar em abundância.Eu não sabia o que fazer, pois o melhor que eu poderia fazer era abraça-lo, mas em via pública, fiquei constrangido e coloquei minha mão em seu ombro e apertei.
Ele continuou: “estou desgostoso da vida, das pessoas, de Deus e de tudo o mais.Tenho 36 anos e nunca fui feliz...36 anos vegetando, tentando fazer as coisas certas e tendo que ver que tudo foi em vão.Cansei de ser o ‘bom samaritano’, atendendo ás necessidades dos outros; cansei de ser ‘um Zaqueu’ que sempre corria para ver e ter mais de Jesus.Cansei de ser um ‘João’, procurando estar sempre mais perto do Senhor.Desistí de ser um Paulo ‘que abria mão de tudo, só para viver um evangelho em função dos outros e mesmo assim,ser tido como um inimigo no meio dos irmãos.Desistí de ser um homem de Deus,quando, sem provas me sentenciaram, julgaram e me prenderam, tirando de mim, o pouco que eu podia fazer.
Confesso que isso foi constrangedor.Foi difícil ouvir isso, sem chorar com ele.
E quero lhes dizer que, em muitas coisas que ele me disse, eu sabia que era verdade.Um dia essa pessoa a quem quero aqui chamar de irmão Célio(fictício), foi um homem de Deus mesmo.Me lembro que ele era, o chamado “pau prá toda obra”.Sempre disposto a ajudar os outros, não dando valor ás coisas que eram suas, antes, tirava do que era seu e dava aos outros, sem pensar duas vezes.Era um ‘mão aberta’ para com a Obra.Constantemente ele estava visitando hospitais, delegacias, cadeias, asilos e fazia isso muito bem.Portador de um bom conhecimento bíblico, ás vezes tinha a oportunidade de ministrar-nos a Escola Bíblica Dominical.E como fazia isso com maestria...
Era incansável nos evangelismos.Todos os dias ao sair de casa para trabalhar, levava consigo folhetos e indo ou voltando falava de Jesus a todos que podia.
Nos domingos á tarde, nunca estava em casa, pois estava com outros dois ou três irmãos, evangelizando o Bairro ou fazendo visitas a irmãos que passavam por alguma aflição.
Era uma pessoa confiável, dinâmica e muito fácil de diálogo.
Célio veio de um berço cristão evangélico e cresceu na igreja.Foi cooperador desde os 16 anos, passando por Professor de Adolescentes, depois Mocidade e por fim, á classe dos homens.Fêz seu Seminário Teológico e um Pr. lhe prometeu que o levaria para a separação ao Diaconato.
Muitas eram as qualidades de Célio.Conviví com ele durante alguns anos,mas confesso que nunca o vi dar uma boa gargalhada.Não, ele não fazia isso.Sempre era difícil vê-lo ‘mostrando os dentes’.
Depois de algum tempo teve que mudar de Bairro e aí aconteceu nosso distanciamento.Vêz ou outra, nos falávamos por telefone e me lembro que fui umas três vezes em sua congregação e ele voltou á minha casa por duas vezes e uma vez na nossa antiga congregação.
Com o passar do tempo,perdemos contato e de vez em quando eu ouvia falarem alguma coisa dele.
Soube que um dia, por estar dirigindo um culto ao ar-livre, levou ‘um puxão de orelhas’ do seu Dirigente, pelo fato de ter começado o culto na hora certa, mas sem a presença do líder.Isso o aborreceu.Mas continuou a caminhar.
Tempos depois o encontrei no Centro da Cidade e ele me contou alguns acontecimentos que o estava deixando abatido, como o fato de ouvir de pessoas que ‘estranhavam-no’, por ter já 22 anos e não estar namorando, embora não lhe faltasse pretendentes.
Outra coisa que o magoou bastante foi o fato de seu líder tirá-lo da comunhão por 3 mêses por ele não ter ido a todos os Cultos de Doutrina durante um mês.
Depois dos 3 mêses ele retornou á comunhão com a igreja, mas aí, disse-me que já não tinha tanto desejo de fazer as coisas.
Por fim, aos 26 anos se casou.E como diz a Bíblia que “é melhor morar num deserto do que com a mulher rixosa e iracunda”(Pv.21:19),foi uma má escolha, pois a mulher era briguenta, muito ciumenta e o deixava envergonhado diante das pessoas repetidas vezes.Ela não mudava.E os desencontros foram tantos que ele achou por bem, não fazer mais nada na Obra.Paralisou-se e isso o ia matando dia após dia.
A penúltima vez que nos falamos foi essa do relato acima. Era véspera de natal e o encontrando, pudemos nos falar, foi onde ele se abriu.
Procurei estimulá-lo, lembrando-lhe que Asafe, também chegou a um ponto de quase se desviar quando fazia uma comparação dos ímpios que iam bem, com sua vida, que ia mal, embora sendo um servo do Senhor(Sl.73).
Quis faze-lo entender que, Jesus nos preparou dizendo que “no mundo tereis aflição” e que Ele não prometeu vida boa prá nenhum crente, mas prometeu Sua companhia todos os dias e que era necessário passarmos por alguns sofrimentos ou até anos de sofrimento, e lhe fiz recordar de Jô que era justo mas sofreu demasiadamente por permissão de Deus;também falei-lhe de Paulo, embora fosse homem comprometido com a verdade de Deus, não fora livre dos sofrimentos, das perseguições, inclusive de “falsos irmãos”,como ele mesmo descrevera.Foi traído e por muitas vezes sentiu-se sozinho.Conscientizei-o de que as lutas vêm mesmo e ele era uma prova disso, pois já passara por grandes descontentamentos.Fiz o que eu pude para lhe deixar um pouco mais ‘leve’.Mas como é difícil falar essas coisas para quem já conhece a Bíblia tão bem quanto ele.
Terminando de falar, ele já havia parado de chorar, mas o olhar estava tão distante e tão sofrido.Sabia eu que a alma dele estava dilacerada.
Ele se despediu e se foi.Prometi a ele de lhe ajudar em oração e jejuns.
Dias se passaram e eu resolvi fazer-lhe uma visita.Viajei durante quatro horas para chegar até sua casa.
Me recebeu satisfeito, mas o olhar dele continuava distante e estava muito deprimido.
Fiquei até o dia seguinte.Nesse período conversamos muito, mas diante de suas queixas, ele deixou bem claro para mim que, ele já havia se cansado da vida, e principalmente da vida com Cristo, que não melhorava-lhe.Disse-me que estava á 6 mêses sem participar da Santa Ceia e que nunca fora visitado por ninguém, somando-se a isso o convívio com a esposa que não ia nada bem, pois ela era como um leão, uma fera.
Voltei prá casa, mais triste desta vez, pois pude perceber que o homem que eu conheçera, não era aquele com quem estive falando.O homem que eu conheci havia morrido por dentro, e não tinha mais nenhuma energia para gastar.
Bem,quando fazia 15 dias que eu o visitara, de madrugada, para ser exato, ás 3:40, meu telefone chama.Era sua esposa, desesperada, porque o Célio tinha sido achado num quarto, enforcado com uma corda que ele mesmo providenciou.
Senti-me derreter por dentro.Parecia que isso não era verdade, pois como isso foi acontecer? Apenas 36 anos de idade, tinha toda uma vida pela frente... Fiquei destruído com essa noticia.
Viajei pra sua casa, e lá estive até o sepultamento.Agora que ele se foi para sempre e o que é pior, sem Jesus para sempre também, cheguei em casa e resolvi escrever isso que você está lendo, pois isso aconteceu no sábado passado, dia 26/02/2011.
Estou triste.Enlutado.Decepcionado.Meio destruído.
Onde estava a igreja que não o ajudou? Onde estavam os irmãos em Cristo durante esses últimos oito anos de sua vida, que sabiam que ele não ia bem com Deus nem com sua família?
Onde estava o seu líder que nunca apareceu para lhe fazer uma visita, uma oração?
Confesso que estou atordoado.Lá se foi um bom homem, e por muito tempo um bom crente.
Quero terminar dizendo prá você que me lê que, embora os problemas sejam grandes, não desanime.Embora você esteja sozinho e desamparado, não jogue sua vida fora.Deus pode mudar tudo de um momento para o outro.Não deixe sua fé desfalecer.Mesmo arrastando-se, prossiga.Mesmo sem alegria, vá aos cultos, mesmo sem vontade de viver, continue a vida.
Se você achar que prá você não vale mais a pena continuar vivendo, então viva pensando em sua família, seus pais, irmãos e outras pessoas que te amam.
Ainda que tudo pareça não ter mais sentido, não se acabe, não se auto-destrua, um momento só é suficiente para o Senhor mudar tudo.
Deixo-te meu abraço fraterno,precisando de suas orações.
Viva vencendo,mesmo na tribulação!!!
Seu irmão menor.
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