O BATISMO COM (NO) ESPÍRITO SANTO - PERSPECTIVAS DIVERSAS SOB UM OLHAR PENTECOSTAL CLÁSSICO
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INTRODUÇÃO
O derramamento do Espírito Santo no Pentecostes, designado no pentecostalismo clássico como "batismo com (no) Espírito Santo", evidenciado pelo falar em "línguas", é sem dúvida alguma o tema central nos estudos sobre a obra do Espírito no meio pentecostal assembleiano.
Ao longo da história da Igreja, a doutrina do Batismo com (no) Espírito Santo tem dividido pessoas, grupos, igrejas e denominações. Depois das comemorações do centenário da história do avivamento pentecostal da Rua Azusa em 2006, e próximo às comemorações do centenário das Assembleias de Deus no Brasil em 2011, penso ser um momento oportuno para escrever sobre o assunto.
Neste texto, o leitor poderá conhecer algo da perspectiva pentecostal clássica e assembleiana sobre o tema, e também ter acesso às diversas perspectivas contrárias, podendo compará-las, entre si, e com a perspectiva pentecostal clássica, percebendo os pontos de convergência e divergência entre elas.
Pensar a doutrina pentecostal, em vez de simplesmente reproduzi-la acriticamente, eis o grande desafio para os herdeiros da atual e bíblica obra do Espírito.
A todos, uma boa leitura, e acima de tudo, uma boa reflexão.
1 O BATISMO COM (NO) ESPÍRITO SANTO
Iniciaremos trazendo alguns conceitos sobre o batismo com (no) Espírito Santo, que correspondem em sua totalidade, ou em parte, a perspectiva do mesmo no pentecostalismo clássico, e mais especificamente, na doutrina assembleiana:
O batismo no Espírito Santo é uma obra distinta e à parte da regeneração, também por Ele efetuada. Assim como a obra santificadora do Espírito é distinta e completiva em relação à obra regeneradora do mesmo Espírito, assim também o batismo no Espírito complementa a obra regeneradora e santificadora do Espírito. [...] Ser batizado no Espírito significa experimentar a plenitude do Espírito (cf. At 1.5; 2.4). Este batismo teria lugar somente a partir do dia de Pentecoste. Quanto aos que foram cheios do Espírito Santo antes do pentecoste (e.g. Lc 1.15, 67), Lucas não emprega a expressão 'batizados no Espírito Santo'. Este evento só ocorreria depois da ascensão de Cristo (At 1.2-5; Lc 24.49-51, Jo 16.7-14). (Bíblia de Estudo Pentecostal, p. 1627, 1995)
Na nota de rodapé de At 1.5, a Bíblia de Estudo Pentecostal (idem, p. 1626) esclarece que a preposição "com" é a partícula grega en, que pode ser traduzida como "em" ou "com". Dessa forma, muitos optam pela tradução "sereis batizados no Espírito Santo".
Arrington e Stronstad (2003, p. 632), afirmam que:
Arrington e Stronstad (2003, p. 632), afirmam que:
O batismo com o Espírito Santo não salva ou faz da pessoa um mebro da família de Deus; antes é uma unção subsequente, um enchimento que equipa com poder para servir.
Para Pearlman (1987, p. 195):
Esse revestimento é descrito como um batismo (Atos 1.5). [...] Quando a palavra 'batismo' é aplicada à experiência espiritual, é usada figurativamente para descrever a imersão no poder vitalizante do Espírito Divino.
Andrade (1998, p. 65), em seu Dicionário Teológico, define o batismo com (no) Espírito Santo como:
Revestimento de poder que, segundo os evangelhos e os Atos dos Apóstolos, segue-se à conversão a Cristo Jesus. Tornando-se realidade no cenáculo, na casa de Cornélio e entre os doze de Éfeso, a experiência do batismo no Espírito Santo fez-se padrão na vida dos seguidores do Nazareno.
O pastor e teólogo assembleiano Antonio Gilberto define o batismo com (no) Espírito Santo como:
[...] um revestimento e derramamento de poder do Alto, com a evidência física inicial de línguas estranhas, conforme o Espírito Santo concede, pela instrumentalidade do Senhor Jesus, para o ingresso do crente numa vida de mais profunda adoração e eficiente serviço para Deus (Lc 24.49; At 1.8; 10.46; 1 Co 14.15, 26). (GILBERTO, 2006, p. 57)
Esta mesma definição é encontrada na obra "Teologia Sistemática Pentecostal" (p. 191, 2008).
Vale ressaltar, que o termo "estranha" e "outra", acrescentados à "língua" (glossa), que aparecem respectivamente nos textos de 1 Co 14.2, 4, 5, 6, 13, 14, 23, 27 (Almeida Revista e Corrigida, 1995 e Almeida Revista e Atualizada, 1993), não constam no texto grego do Novo Testamento, sendo acrescentados nestas versões para dar ênfase ao caráter distintivo dessas línguas.
Vale ressaltar, que o termo "estranha" e "outra", acrescentados à "língua" (glossa), que aparecem respectivamente nos textos de 1 Co 14.2, 4, 5, 6, 13, 14, 23, 27 (Almeida Revista e Corrigida, 1995 e Almeida Revista e Atualizada, 1993), não constam no texto grego do Novo Testamento, sendo acrescentados nestas versões para dar ênfase ao caráter distintivo dessas línguas.
O pastor e teólogo batista Enéas Tognini (2000, p. 31) afirma:
O batismo no Espírito que os 120 receberam no Pentecostes, foi um bênção distinta do NOVO NASCIMENTO ou regeneração, porque já tinham nascido de novo, portanto eram regenerados [...] essa BÊNÇÃO (do batismo no Espírito) transformou os discípulos covardes e negadores - em fiéis testemunhas do Senhor Crucificado.
O Dr. Lloyd-Jones (1998, p. 314), teólogo e ministro protestante de linha reformada e calvinista, faz a seguinte definição:
[...] o batismo do Espírito Santo Santo é a experiência inicial da glória, a realidade e o amor do Pai e do Filho. Sim, vocês podem ter muitas experiências ulteriores disso, porém a primeira experiência, eu proporia, é o batismo do Espírito Santo. O piedoso John Fletcher de Madeley o expressou assim: 'Cada cristão deve ter o seu Pentecoste.
Estas definições se alinham aos ensinos de Keswick, na Inglaterra, no século XIX, iniciadas em 1875. Conforme Synan (2009, p. 48):
A configuração doutrinária de Keswick destituiu o conceito de 'segunda bênção' como 'erradicação' do pecado a favor de um 'batismo no Espírito Santo' e um 'revestimento de poder para o serviço'. A experiência aguardada com ardente expectativa pelos crentes de Keswic era concebida não tanto em termos de purificação, mas de unção do Espírito.
R. A. Torrey (1910, p. 176-210 apud SYNAN, idem, p. 49), exemplifica notavelmente a ideia de batismo com (no) Espírito Santo difundida em Keswick:
R. A. Torrey (1910, p. 176-210 apud SYNAN, idem, p. 49), exemplifica notavelmente a ideia de batismo com (no) Espírito Santo difundida em Keswick:
O batismo com o Espírito Santo é uma operação do Espírito Santo distinta e subsequente à sua obra de regeneração, uma concessão de poder para o serviço, [uma experiência outorgada] não apenas para os apóstolos, não apenas para os crentes da era apostólica, mas 'para todos os que estão longe, para todos quantos o Senhor, o nosso Deus, chamar'. [...] Ela é outorgada a cada crente, de todas as épocas da história da Igreja.
Fica claro nas presentes definições, que o batismo com (no) Espírito Santo é entendido como um acontecimento distinto da regeneração do Espírito (At 2. 1-4; 8.12-17; 19.1-7).
Fica claro nas presentes definições, que o batismo com (no) Espírito Santo é entendido como um acontecimento distinto da regeneração do Espírito (At 2. 1-4; 8.12-17; 19.1-7).
2 OBJEÇÕES QUANTO AO BATISMO COM (NO) ESPÍRITO SANTO
O batismo com (no) Espírito Santo, entendido como um acontecimento distinto da regeneração do Espírito, é por muitos questionado. Grudem (p. 636-652, 1999), apresenta alguns destes questionamentos:
2.1 O batismo como (no) Espírito Santo não é um acontecimento distinto da regeneração do Espírito (cf. 1 Co 12.13)
Os que defendem essa ideia alegam que o texto de 1 Co 12.13 afirmam que "todos nós" (gr. hemeís pántes) fomos batizados em um só Espírito, o que faria dessa experiência algo vivenciado por todos os verdadeiros cristãos:
Stott (2007, p. 45) chega a conclusão de que as evidências reunidas do Novo Testamento em geral, do sermão de Pedro em Atos 2 e do ensino de Paulo em 1 Coríntios 12.13 em particular, lhe indicam que o "batismo" do Espírito é idêntico ao "dom" do Espírito. Procurando ser mais específico, apela aos seus leitores que não exijam dos outros "um 'batismo' como uma segunda experiência subsequente, totalmente distinta da conversão, porque isto não pode ser provado na Escritura." (idem, p. 76)
Packer (2010, p. 197) refuta a ideia de que o batismo no Espírito é uma experiência distinta e geralmente subsequentes à conversão, em que a pessoa recebe a plenitude do Espírito na sua vida e, dessa forma, é totalmente cheia de poder para testemunho e serviço, tendo como evidência e sinal exterior a glossolalia:
Recentes exames minuciosos desta opinião, feitos por James D. G. Dunn, F. D. Bruner, J. R. W. Stott e A. A. Hoekema, tornam desnecessário que aquilatemos detalhadamente aqui. É suficiente dizer, primeiro, que, se aceita, ela compele uma avaliação do cristianismo não-carismático - isto é, do cristianismo que não conhece nem busca um batismo no Espírito após a conversão - como inferiro, secundário e carecendo de algo vital; mas, segundo, que ela não pode ser estabelecida de acordo com a Escritura [...].
Dessa forma:
Os que insistem que o batismo com o Espírito Santo é uma experiência distinta da bênção da conversão, uma obra especial da graça desfrutada por alguns e não por todos os crentes, deixam de perceber que o que dá unidade ao corpo de Cristo é exatamente o fato de que todos os crentes genuínos foram batizados pelo mesmo Espírito. (LOPES, 2004, p. 126)
Essa perspectiva não é aceita no pentecostalismo clássico, que faz distinção entre "batismo com (no) Espírito Santo" do "batismo do Espírito":
Já o batismo do Espírito, como vemos em 1 Co 12.13, Gálatas 3.27 e Efésios 4.5, trata-se de um batismo figurado, apesar de ser real. Todos aqueles que experimentam o novo nascimento, que é também efetuado pelo Espírito Santo (Jo 3.5), são por Ele imersos, batizados, feito participantes do corpo místico de Cristo, que é a sua Igreja, no sentido universal (Hb 12.23; 1 Co 12.12ss). (GILBERTO, idem)
Na nota de rodapé da Bíblia de Estudo Pentecostal (idem, p. 1755), sobre o texto de 1 Co 12.13, lemos:
[...] O batismo 'em um Espírito' não se refere, nem ao batismo em água, nem ao batismo no Espírito Santo que Cristo outorga ao crente como no dia de Pentecoste (ver Mc 1.8; At 2.4 nota). Refere-se, pelo contrário, ao ato do Espírito Santo batizar o crente no corpo de Cristo - a igreja, unindo-o a esse corpo; fazendo com que ele seja um só com os demais crentes. É a transformação espiritual (i.e., a regeneração) que ocorre na conversão e que coloca o crente "em Cristo" biblicamente.
À luz do Novo Testamento, fica claro que 1 Co 12.13 não se refere aos episódios de Atos 2. 1-4; e 8.12-17. Dessa forma, a única maneira de se conciliar a questão é entendendo a distinção entre o "batismo com (no) Espírito Santo" do "batismo do Espírito Santo".
Quanto ao acontecimento na casa de Cornélio (At 10.44-47), pode-se entender que naquela ocasião o batismo do Espírito e o batismo com (no) Espírito Santo, podem ter acontecido simultaneamente.
Em Atos 19.1-7, embora o texto não afirme claramente que os discípulos já haviam experienciado a regeneração, isto fica subentendido. A negação de tal fato nos levaria a compreender o evento da mesma forma como aconteceu na casa de Cornélio, onde simultaneamente (ou imediatamente) a regeneração e o batismo com (no) Espírito Santo aconteceram:
O capítulo 10 de Atos registra a conversão de Cornélio e seus familiares, por instrumentalidade de Pedro. Cornélio se converteu a Cristo, portanto passou a possuir o Espírito Santo; antes que fosse batizado em água, o foi no Espírito Santo, verificando-se na sua casa um verdadeiro pentecostes. Temos também nesta experiência as duas etapas da vida cristã - a conversão e o batismo no Espírito Santo. (TOGNINI, ibdem, p. 37)
É neste sentido que Lloyd-Jones (ibdem, p. 318) esclarece:
[...] não estou afirmando que deve haver sempre, de qualquer modo, um intervalo entre tornar-se cristão e esta experiência; ambos podem ocorrer concomitantemente, e é o que tem ocorrido amiúde, mas às vezes não ocorre assim. Portanto mantenhamo-los distinguidos.
2.2 O batismo com (no) Espírito Santo foi um momento único na história, não sendo um padrão que devemos buscar ou imitar
Hulse (2006, p. 7, 17-18), é categórico em sua oposição:
Se omitirmos o livro de Atos, ficamos face a face com o fato de que não há um batismo do Espírito prometido, recomendado, ordenado ou sugerido no Novo Testamento. [...] Estou chamando a atenção para o fato de que nenhum batismo do Espírito ou qualquer experiência de crise é prometida, recomendada, oferecida e, ainda menos, ordenada no Novo Testamento. O Pentecostes foi prometido e há extensão disto, tal como é explicado em Atos 15.8,9. Este é um fato histórico. Daí em diante, em nenhum lugar do Novo Testamento há referência a uma experiência semelhante a esta como sendo a resposta.
Em sua obra, Hulse não comenta o texto de Atos 2.39, nem parece considerar a "promessa" nos Evangelhos (Mc 1.8; Lc 24.49).
Diferente de Hulse, Lloyd-Jones (ibdem, p. 307) afirma:
Segundo o meu entendimento deste ensino, eis aqui uma experiência que é o patrimônio hereditário de todo o cristão. diz o apóstolo Pedro ; 'Porque a promessa vos pertence a vós' - e não somente a vós, mas - ' a vossos filhos, e a todos os que estão longe: a quantos o Senhor nosso Deus chamar' (Atos 2.39). Ela não se restringe apenas àquelas pessoas no dia de Pentecoste, mas é oferecida e prometida a todas as pessoas cristãs.
Para Stott (ibdem, p. 31):
A experiência dos 120 ocorreu em dois momentos diferentes, simplesmente em razão de circunstâncias históricas. Eles não poderiam ter recebido o dom pentecostal antes do Pentecoste. Todavia, estas circunstâncias históricas há muito deixaram de existir.
Buscando uma posição conciliadora, o pastor e teólogo presbiteriano Hernandes Dias Lopes (1999, p. 13) afirma que:
O Pentecoste no seu sentido pleno é irrepetível. O Espírito Santo foi derramado para permanecer para sempre com a igreja. [...] Nesse sentido não há mais Pentecoste. Todavia, a promessa de novos derramamentos do Espírito para despertar a igreja é uma promessa viva à qual devemos agarrar-nos. É nesse sentido que vamos usar o termo Pentecoste. O apóstolo Pedro disse naquele dia memorável: '...e recebereis o dom do Espírito Santo. Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos e para todos os que ainda estão longe, isto é, para quantos o Senhor nosso Deus chamar' (At 2.38-39)."
Tognini (idem, p. 19), refutanto tais argumentos, afirma que:
[...] finalmente, há os mais dogmáticos que, sem hermenêutica, e com exegese claudicante, unilateral, temerosa da verdade, se lançam no encapelado mar da confusão; então, lutam e insistem em que o Pentecostes não mais se repete.
2.3 A distinção entre "batismo do Espírito Santo" e "batismo com (no) Espírito Santo criaria duas categorias de cristãos
Reforçando a ideia separatista das duas categorias de cristãos, Hulse (idem, p. 23) afirma já ter ouvido líderes pentecostais afirmar que há dois tipos de cristãos: os batizados e os não batizados no Espírito. Para ele, isso cria divisão no corpo de nosso Senhor.
Stott (ibdem, p. 71-72), parece não se preocupar com a possibilidade das distinções bíblicas criarem a ideia equivocada de duas classes ou categorias de crentes, pois argumentando em favor da atualidade de algumas experiências espirituais, diz:
Stott (ibdem, p. 71-72), parece não se preocupar com a possibilidade das distinções bíblicas criarem a ideia equivocada de duas classes ou categorias de crentes, pois argumentando em favor da atualidade de algumas experiências espirituais, diz:
Estas experiências das quais eu falei até agora podem ser chamadas de 'comuns', porque se realcionam com a certeza, o amor, a alegria, e a paz que, de acordo com a Escritura, são comuns a todos os crentes, em alguma medida. Eu ficaria surpreso se algum leitor cristão não tivesse nenhuma noção delas. Todavia, existem outras experiências, às quais preciso chegar agora, de caráter mais 'incomum', por não serem parte da experiência normal do cristão que o Novo Testamento apresenta.
Apesar da ideia sobre crentes de duas categorias ter sido difundida no movimento holiness, e posteriormente reproduzida no pentecostalismo clássico, o batismo com (no) Espírito Santo
não cria uma classe especial de cristãos, apenas capacita os mesmos para fazerem a obra de Deus, testemunhando de Jesus com maior eficiência e eficácia conforme Atos 1.8. (GERMANO, p. 38, 2009)
O equívoco interpretativo ou comportamental de alguns em qualquer questão doutrinária, não anula, nem diminui a verdade bíblica.
2.4 A inadequação do termo "batismo com (no) Espírito Santo" para definir a experiência
A questão da terminologia, parece ter sido o ponto central da tese de Hulse (LOPES, idem, p. 128):
A questão da terminologia, parece ter sido o ponto central da tese de Hulse (LOPES, idem, p. 128):
A tese de Hulse, nesse livro, é que os cristãos podem ter experiências legítimas e edificantes após a conversão, mas que devem usar a teminologia correta para identificá-las.
A experiência que no pentecostalismo clássico define-se como "batismo com (no) Espírito Santo, ou seja, o revestimento de poder posterior à regeneração, para conciliar com a ideia da existência de um único "batismo do Espírito", Stott (ibdem, p. 50) a define como "plenitude do Espírito", classificando-a como "consequência", e acrescentando que pode se experienciada várias vezes:
Deixe-me procurar expandir o que tentei mostrar antes. O que aconteceu no dia de Pentecoste foi que Jesus 'derramou' o Espírito do céu e, assim 'batizou' com o Espírito, primeiro os 120 e depois os 3 mil. A consequência deste batismo do Espírito foi que 'todos ficaram cheios do Espírito Santo' (At 2.4). Portanto, a plenitude do Espírito foi a consequência do batismo do Espírito. O batismo é o que Jesus fez (ao derramar o seu Espírito do céu); a plenitude foi o que eles recebram. O batismo foi uma experiência inicial única; a plenitude porém, Deus queria que fosse contínua, o resultado permanente, a norma. Como acontecimento inicial, o batismo não pode ser repetido nem pode ser perdido, mas o ato de ser enchido pode ser repetido e, no mínimo, precisa ser mantido. Quando a plenitude não é mantida, ela se perde. Se foi perdida, pode ser recuperada.
Neste sentido, a "experiência" pode e deve ser buscada:
Enfaticamente, a plenitude do Espírito Santo não é um privilégio reservado para alguns, mas uma obrigação de todos. Assim como a exigência de sobriedade e domínio próprio, a ordem de buscar a plenitude do Espírito é dirigida a todo o povo de Deus, sem exceção. (ibdem, p. 62)
Grudem (idem, p. 650-651), procurando evitar a suposta confusão em torno do "batismo do Espírito" e o "batismo com (no) Espírito Santo", diz que alguns termos seriam mais apropriados para o segundo. Dessa forma ele sugere "um grande passo de crescimento", "nova capacitação para o ministério" e " ser cheio do Espírito Santo". Este último, para Grudem, é "o melhor termo a ser usado para descrever genuínas 'segundas experiências' hoje (ou terceira ou quarta experiência, etc.)".
Para sustentar seu argumento, Grudem cita Efésios 5.18, e afirma que o verbo "enchei-vos" (gr. plerousthe), por encontrar-se no presente do imperativo, poderia ser traduzido de modo mais explícito por "sejam continuamente cheios pelo Espírito". Nessa perspectiva, o batismo com (no) Espírito Santo perderia o caráter de evento único, podendo ser experienciado diversas vezes na vida do cristão.
Ainda sobre o uso de "ser cheio do Espírito Santo" em lugar de "ser batizado com (no) Espírito Santos", Marshall (1982, p. 69) afirma a expressão ficaram "cheios" se emprega tanto ao revestimento inicial do Espírito para capacitá-las para o serviço de Deus (At 9.17; Lc 1.15), quanto para descrever o processo contínuo de ser estar cheio (At 6.3; 7.55; 11.24; Lc 4.1). Dessa forma, uma pessoa que já está cheia do Espírito, pode receber contínuos enchimentos. Neste caso, não teríamos um batismo com (no) Espírito Santo, mas, a possibilidade de um cristão experienciar vários batismos. Pfeiffer e Harrison (1987, p. 242), concordam com este argumento, e escrevem que "O enchimento com o Espírito foi muitas vezes repetido [...]".
Na Bíblia de Estudo Pentecostal (ibdem, p. 1818), a nota de rodapé sobre Efésios 5.8 diz que:
Enchei-vos (imperativo passivo presente) tem o significado, em grego, de 'ser enchido repetidas vezes'. [...] O cristão deve ser batizado no Espírito Santo após a conversão (ver At 1.5; 2.4), mas também deve renovar-se no Espírito repetidas vezes, para adoração a Deus, serviço e testemunho.
Enchei-vos (imperativo passivo presente) tem o significado, em grego, de 'ser enchido repetidas vezes'. [...] O cristão deve ser batizado no Espírito Santo após a conversão (ver At 1.5; 2.4), mas também deve renovar-se no Espírito repetidas vezes, para adoração a Deus, serviço e testemunho.
Se considerarmos o que muitos gramáticos da língua grega afirmam (CARSON, 65-67), o verbo eplesthesan (ficaram cheios) em Atos 2.4, por se encontrar num tempo aoristo "que aponta para um ato único, já realizado e consumado" (LOPES, idem p. 125), faz com que o evento de Pentecoste (At 2.4) se diferencie daquilo que Paulo fala escrevendo à igreja em Éfeso (Ef 5.18).
Stott (ibdem, p. 62), comentando sobre o tempo verbal de plerousthe (enchei-vos) em Efésios 5.18, diz que: "o verbo está no tempo presente. É bem sabido que, na língua grega, se o imperativo está no aoristo, ele se refere a uma ação única; se está no presente, a uma ação contínua.”
No Comentário Bíblico Pentecostal (ARRINGTON e STRONSTAD, idem), é especificado que Lucas usa o verbo "encher" em At 2.4 para indicar o processo de ser ungido com o poder do Espírito para o serviço divino. Acrescenta ainda que "Ser cheio com o Espírito significa o mesmo que ser batizado com o Espírito ou receber o dom do Espírito (cf. At 1.5; 2.4, 38)."
Pearlman (idem), escreve:
Que essa comunicação de poder é descrita como ser cheio do Espírito. Aqueles que foram batizados com o Espírito Santo no dia de Pentecoste também foram cheios do Espírito.
Tognini (ibdem, p. 35) é enfático quando diz:
[...] Lucas, para descrever o cumprimento de Atos 1.5, usa a sua própria terminologia, que é CHEIO DO ESPÍRITO. De onde se conclui que BATISMO no Espírito Santo e CHEIO do Espírito Santo são a mesma coisa.
Estas declarações, à luz do entendimento pentecostal clássico, fala-nos que no batismo com (no) Espírito Santo (evento único), os crentes são cheios do Espírito, podendo ainda experienciar outros enchimentos, enchimentos estes não mais designados de batismo com (no) Espírito Santo.
CONCLUSÃO
Lloyd-Jones (ibdem p. 314), afirmou que o tema "batismo com (no) Espírito Santo", em muitos aspectos, é a mais difícil de todas as doutrinas, em razão de ser ela particularmente passível de exageros. Mesmo assim, escreveu:
Lloyd-Jones (ibdem p. 314), afirmou que o tema "batismo com (no) Espírito Santo", em muitos aspectos, é a mais difícil de todas as doutrinas, em razão de ser ela particularmente passível de exageros. Mesmo assim, escreveu:
[...] o que é o batismo do Espírito Santo? Ora, segundo alguns, como já vimos, realmente não existe dificuldade alguma sobre isso. Dizem que ele é simplesmente uma referência à regeneração e nada mais. É o que ocorre com as pessoas quando são regeneradas e incorporadas em Cristo, segundo Paulo ensina em 1 Co 12.13: 'Pois em um só Espírito fomos todos batizados'. Vocês não podem ser cristãos sem ser membros desse corpo, e vocês são batizados nesse corpo pelo Espírito Santo. Portanto, dizem, esse batismo do Espírito Santo é simplesmente a regeneração. Quanto a mim, porém, não posso aceitar tal explicação, e aqui é onde nos agarramos diretamente com as dificuldades. Não posso aceitar isso porque, se eu cresse nisso, teria de crer que os discípulos e os apóstolos não haviam sido regenerados até o dia de Pentecoste - suposição essa que ao meu ver é completamente inadmissível. [...] Teríamos também de dizer que os samaritanos, a quem o evangelista Filipe pregou, não foram regenerados até Pedro e João descerem a eles. (idem, 304-305)
As diversas questões, e os variados pontos de vistas aqui expostos provam isto.
Parcker (ibdem, p. 213), na tentativa de buscar um ponto intermediário entre sua analise exegética e a atualidade do batismo com (no) Espírito Santo, chega a afirmar:
Um grupo com os seus próprios mestres e sua literatura pode moldar os pensamentos e experiências de seus membros até um grau estranho. Especificamente, quando se crê que uma sensação ampliada de Deus, de seu amor por você em Cristo e de seu poder capacitador (a unção do Espírito), acompanhada por línguas, é a norma, segundo a experiência dos apóstolos em Atos 2, esta experiência certamente será buscada e encontrada. Da mesma forma, ela não será uma experiência ilusória, desprovida do Espírito, auto-gerada, só porque a ela estão ligadas certas noções incorretas. Deus, como continuamos dizendo, é muito misericordioso e abençoa os que o buscam, mesmo quando as suas ideias não são todas verdadeiras.
O fato, é que quando comparamos os escritos daqueles que não concebem o batismo com (no) Espírito Santo da perspectiva pentecostal clássica e assembleiana, o que encontramos é a falta de uniformidade e unidade sobre a questão.
Entre os cessacionistas (que negam a atualidade da experiência), encontramos, por exemplo, as seguintes posições:
- O batismo com (no) Espírito Santo foi uma experiência simultânea à regeneração, cuja terminologia é adequada.
- O batismo com (no) Espírito Santo foi uma experiência simultânea à regeneração, cuja terminologia é inadequada.
- O batismo com (no) Espírito Santo foi uma experiência subsequente à regeneração, cuja terminologia é adequada.
- O batismo com (no) Espírito Santo foi uma experiência subsequente à regeneração, cuja terminologia é inadequada.
Entre aqueles que não apoiam o conceito pentecostal clássico, mas acreditam na atualidade do batismo com (no) Espírito Santo, temos as seguintes ideias:
- O batismo com (no) Espírito Santo é uma experiência simultânea à regeneração, cuja terminologia é adequada.
- O batismo com (no) Espírito Santo é uma experiência simultânea à regeneração, cuja terminologia é inadequada.
- O batismo com (no) Espírito Santo é uma experiência subsequente à regeneração, cuja terminologia é adequada.
- O batismo com (no) Espírito Santo é uma experiência subsequente à regeneração, cuja terminologia é inadequada.
Dessa forma, uma maneira geralmente utilizada para invalidar ou resistir ao conceito pentecostal clássico sobre o batismo com (no) Espírito Santo, é utilizar uma destas perspectivas acima, com algumas variantes, ou utilizar todas elas em conjunto.
Diante dos grandes desafios impostos pela pós-modernidade à igreja evangélica brasileira no início do século XXI, é preciso buscar um ponto de equilíbrio, onde a experiência real e atual do batismo com (no) Espírito Santo caminhe junto com a ortodoxia bíblica.
Referências Bibliográficas
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PFEIFFER, Charles F.; VOS, Howard F.; REA, John. Dicionário Bíblico Wycliffe. Rio de Janeiro: CPAD, 2006.
______; HARRISON, Everett. Comentário Bíblico Moody. São Paulo: IBR, 1987.
RICHARDS, Lawrence O. Guia do Leitor da Bíblia: uma análise de Gênesis a Apocalipse capítulo por capítulo. Rio de Janeiro: CPAD, 2005.
STOTT, John R. W. A mensagem de Atos: Até os confins da terra. São Paulo: ABU, 2003.
______. Batismo e Plenitude do Espírito Santo: o mover sobrenatural de Deus. São Paulo: Vida Nova, 2007.
SYNAN, Vinson. O século do Espírito Santo: 100 anos de avivamento pentecostal e carismático. São Paulo: Vida, 2009.
TOGNINI, Enéas. Batismo no Espírito Santo. São Paulo: Bom Pastor, 2000.
WILLIAMS, David J. Novo Comentário Bíblico Contemporâneo: Atos. São Paulo: Vida, 1996.
ELES FALARAM EM OUTRAS LÍNGUAS?
Marcadores: LIÇÕES BÍBLICAS

Quando falamos de história, vale lembrar que ao narrar os fatos, precisamos buscar o máximo possível de fidelidade às narrativas e documentos, e o máximo de neutralidade ideológica ou teológica.
Embora a história emocione, ela não pode ser escrita sobre o fundamento da emoção ou da paixão. A narrativa e o fato histórico precisam ser provados por testemunha ocular, documental ou material.
Dessa forma, vamos aos fatos.
O BATISMO COM (NO) ESPÍRITO SANTO ENTRE OS MONTANISTAS
O montanismo foi um movimento religioso que data do século II. Recebe esta designação em razão do ser fundador se chamar Montano, um sacerdote pagão da região da Ásia Menor chamada Frígia que se converteu ao cristianismo.
Eusébio de Cesaréia (263-340 d.C.), em sua "História Eclesiástica" (2003, p. 182), narra os fatos acerca de Montano e seu movimento da seguinte maneira:
"Diz-se haver certa vila da Mísia na Frígia, chamada Ardaba. Ali, dizem, um dos conversos recentes de nome Montano, quando Crato era procônsul na Ásia, tendo na alma excessivo desejo de assumir a liderança, dando ao adversário ocasião para atacá-lo. De modo que foi arrebatado no espírito, sendo levado a certo tipo de frenesi e êxtase irregular, delirando, falando e pronunciando coisas estranhas, e proclamando que era contrário às instituições que prevaleciam na Igreja, conforme transmitidas e mantidas em sucessão desde os primórdios. Mas quanto aos que aconteceu estarem presentes e ouvir esses oráculos espúrios, ficaram alguns indignados, censurando-o por estar sob a influência de demônios e do espírito de engano e por estar apenas incitando distúrbios entre a multidão."
Apesar da importância histórica do relato acima, vale salientar que Eusébio seguiu as ideias teológicas de Orígenes, foi provavelmente bispo de Cesaréia, simpatizou com o arianismo, mas coagido por Constantino, veio a aceitar a ortodoxia do Credo Niceno (Idem, p. 12). Sendo assim, já envolvido com a institucionalização e romanização do cristianismo, é possível perceber a força de suas palavras contra Montano. A frase "falando e pronunciando coisas estranhas", sugere a ideia do falar em línguas.
Sobre Montano, Olson (2001, p. 30) nos narra que ele reuniu um grupo de seguidores, construindo em Papuza uma comunidade. Duas mulheres, Priscila e Maximila, se uniram a ele para profetizar, alertando para o breve retorno de Cristo, e condenando os bispos e líderes como desprovidos de vida, corruptos e apóstatas. Montano e as duas profetisas, quando entravam em transe espiritual, falavam na primeira pessoa como se Deus, o Espírito Santo, falasse diretamente através deles.
Cairns (1988, p. 82-83) entende que na tentativa de combater o formalismo e a organização humana, e de reafirmar as doutrinas do Espírito Santo, Montano caiu no extremo oposto, concebendo fanáticas e equivocadas interpretações da Bíblia. O aspecto positivo do movimento foi que:
"O montanismo representou o protesto perene suscitado dentro da Igreja quando se aumenta a força da instituição e se diminui a dependência do Espírito de Deus. Infelizmente, estes movimentos geralmente se afastam da Bíblia, entusiasmados que ficam pela reforma que desejam. O movimento montanista foi e é aviso que a Igreja não esqueça que a organização e a doutrina não podem ser separadas da satisfação do lado emocional da natureza do homem e do anseio humano por um contato espiritual imediato com Deus."
Escrevendo sobre os acontecimentos, Sherrill (2005, p. 102), enfatizando a sua perspectiva pentecostal, diz que o movimento foi prejudicado pelo aumento das línguas e de outros fenômenos carismáticos.
Olson (Idem, p. 31) e diz que a reação contra os abusos e excessos de Montanos e seus seguidores, a liderança da igreja procurou se apoiar cada vez menos em manifestações verbais sobrenaturais, como línguas, profecias e outros dons, sinais e milagres sobrenaturais do Espírito. As manifestações carismáticas, sendo agora identificadas com Montano, quase se extinguiram no decorrer da história.
Para Synan (2009, p. 34) e Olson (Ibidem), o principal motivo da rejeição do movimento não foi a presença dos dons, mas a afirmação de Montano de que as declarações proféticas estavam no mesmo nível de autoridade com as Escrituras.
A Igreja reagiu a estas extravagância, condenando o movimento no Concílio de Constantinopla, em 381, declarando que os montanistas deviam ser olhados como pagãos. Tertualino, um dos grandes Pais da Igreja, tornou-se montanista (CAIRNS, idem). Sherrill (Idem) afirma que Irineu também aderiu ao movimento.
Com o montanismo, temos a primeira tentativa histórica do resgate do batismo com (no) Espírito Santo, da manifestação de línguas, profecias e dos demais dons extraordinários do Espírito.
O BATISMO COM (NO) ESPÍRITO SANTO E AS CONTRADIÇÕES DAS NARRATIVAS HISTÓRICAS
Na tentativa de desacreditar a continuidade do batismo com (no) Espírito Santo (cessacionismo), ou de buscar a evidência do mesmo ao longo da história, os relatos acabam divergindo entre si.
Iniciaremos comentando o seguinte trecho da Lição 3 (Ponto III, p. 23 da lição para mestre):
"Eis o testemunho de Agostinho (354-430): 'Nós faremos o que os apóstolos fizeram quando impuseram as mãos sobre os samaritanos, pedindo que o Espírito Santo caísse sobre eles: esperamos que os convertidos falem novas línguas'. Poderíamos citar outros testemunhos. Mas falta-nos espaço. O que diremos de Lutero? Wesley? Finney?"
Todos os personagens acima foram citados por Andrade (2004, p. 104-105), em sua obra "Fundamentos Bíblicos de um Autêntico Avivamento". Analisemos cada caso:
Agostinho de Hipona (354 - 430)
A citação acima sobre Agostinho foi publicada originalmente no Brasil em 1969, na obra de John L. Sherrill, intitulada "Eles Falam em Outras Línguas" (SHERRILL, idem).
Na revista "Manual do Obreiro" do 1º trimestre/2011, no artigo "Manifestações do Espírito Santo na História", o pastor Isael de Araújo faz a mesma citação. O fato, é que tanto na obra de Sherrill, quanto na de Andrade e no artigo de Araújo, não encontramos a informação da literatura ou documento (fonte primária ou secundária) em que eles se basearam.
Opondo-se ao fato de Agostinho ter sido batizado com (no) Espírito Santo, ou de ter ensinado sobre isto, Synan (Idem, p. 34 apud LEWIS, Witnesses to the Holy Spirit. Valley Forge: Judson Press, 1978, p. 121) credita a Agostinho a declaração abaixo:
"Nos primeiros dias da Igreja, o Espírito Santo desceu sobre os crentes, e eles falaram em línguas que não haviam aprendido, conforme o Espírito lhes concedia que falassem. Isso se constituiu um sinal para aquele tempo: todas as línguas do mundo eram importantes para o Espírito Santo, porque o evangelho de Deus teria seu curso por meio de cada idioma, em todos os lugares da terra. O sinal foi dado e então expirou. Não devemos mais alimentar a expectativa de que quem receba a imposição de mãos deva receber o Espírito Santo e falar em línguas. Nas vezes em que impomos as mãos sobre aquelas 'crianças', os recém-nascidos membros da Igreja, nenhum de vocês (penso eu) ficou observando para ver se eles falavam em línguas ou, percebendo que não falaram, foi cruel o bastante para argumentar que eles não haviam recebido o Espírito Santo, pois se o tivessem recebido teriam falado em línguas, como acontecia no início."
Uma outra declaração de Agostinho é citada por Synam (Ibidem):
"Por que, pergunto, não ocorrem mais milagres em nossos dias, como acontecia nos tempos antigos? Respondo que eles eram necessários na época, antes que o mundo viesse a crer, para que o mundo fosse convencido."
House (2006, p. 69) afirma que "É interessante ver que, dentre as muitas evidências de que uma pessoa tem o habitar do Espírito Santo, Agostinho se contenta em referir-se a apenas uma, e esta é o amor".
Na Wikipédia, em seu artigo sobre a "grossolalia religiosa" (o fenômeno de falar em línguas), a posição cessacionista de Agostinho é reafirmada:
"Bispo de Hipona e Doutor da Igreja, Santo Agostinho, em sua homilia sobre o Evangelho de João 1,6-10, ensina que o Dom de Línguas foi necessário somente no início da pregação do Evangelho, quando era necessário espalhar a Boa Nova para todo o mundo. Depois disso, estando a Igreja espalhada por toda parte, esse dom cessou." (Santo Agostinho - Homilias em 1 João 6-10; NPNF2, v. 7, pp. 497–498.)
Uma posição conciliadora sobre a questão de que Agostinho ter sido um defensor da atualidade do Batismo com (no) Espírito Santo ou um cessacionista, encontramos no site www.portalevangélico.pt., no artigo "História do Movimento Pentecostal", de 31/07/2006, que diz o seguinte:
"Agostinho tinha a expectativa de que o que era comum até ao terceiro século continuaria a acontecer no quarto. Porém, quando escreve Cidade de Deus anos depois, já no quinto século, no ocaso do seu ministério, ele transparece não acreditar mais na contemporaneidade de todos os dons espirituais."
Agostinho é um caso clássico de contradições, ao se buscar evidências na história para a sustentação de uma tese.
Martinho Lutero (1483-1546)
A informaçã de que Lutero foi um defensor da atualidade do Batismo com (no) Espírito Santo com a evidência do falar em línguas, aparece na obra de Orlando Boyer, "Heróis da Fé":
"Encontra-se o seguinte na História da Igreja Cristã, por Souer, Vol. 3, pág. 406:' Martinho Lutero profetizava, evangelizava, falava línguas e interpretava; revestido de todos os dons do Espírito."
Boyer foi citado também por Andrade (Idem, p. 105):
"Com a Reforma Protestante, testemunhar-se-ia o advento de um gigante espiritual que haveria de abalar irresistivelmente os alicerces da civilização. Foi este titã um autêntico pentecostal. Segundo o historiador Sour (sic), Martinho Lutero falava línguas, interpretava-as, profetizava e achava-se revestido de todos os dons do Espírito Santo."
Afirma-se que Souer viveu no século XIX, mais de 300 anos após Lutero. A sua obra parece conter a única afirmação registrada sobre a possibilidade de Lutero ter falado em línguas.
Temos aqui mais um problema de discordância em termos de relato histórico. Observe abaixo, o que Lewis escreveu (Idem p. 173, apud SYNAN, idem, p. 173) escreveu sobre Lutero (ex-monge agostiniano):
"Seguindo a linha de Agostinho e Crisóstomo, Lutero respondeu com a seguinte opinião acerca dos sinais, maravilhas e dons do Espírito Santo: O Espírito Santo foi enviado de duas maneiras. Na igreja primitiva, foi enviado de forma visível, manifesta. Assim ele veio sobre Cristo no rio Jordão, na forma de pomba (Mateus 3.16), e sobre os apóstolos e outros crentes, na forma de língua de fogo (Atos 2.3). Essa foi a primeira vinda do Espírito Santo; ela era necessária na igreja primitiva, a qual precisava ser estabelecida por meio de sinais visíveis, para convencer os descrentes, como Paulo testifica em 1 Coríntios 14.22: 'As línguas são um sinal para os descrentes, e não para os que creem'. Mais tarde, estando já a Igreja estabelecida e confirmada por aqueles sinais, a descida visível do Espírito Santo para continuar a obra não era mais necessária."
House (Idem, p. 84), cessacionista declarado, escreve:
"E Matinho Lutero? Longe de apoiar as ideias dos carismáticos dos seus dias, Lutero era ferozmente oposto a elas. Durante a ausência de Lutero no Castelo de Warteberg, os carismáticos assumiram a liderança em Wittenberg. Foi somente a pregação de Lutero que trouxe a sanidade de volta a Wittenberg, salvando a Reforma de um espírito de fanatismo e desintegração".
No caso de Lutero, duas coisas precisam ser consideradas, para que se chegue a uma conclusão sobre a sua posição acerca da atualidade do Batismo com (no) Espírito Santo:
- O que o próprio Lutero escreveu sobre isso? Alguns afirmam que nada.
- Por que com a Reforma não temos o resgate das crenças e das experiências pentecostais norteando ou presente claramente no movimento? Seria pela urgência em combater os abusos doutrinários e eclesiológicos do catolicismo romano? Seria realmente pela posição cessacionista de Lutero?
John Wesley (1703-1791)
O nome de Wesley é o terceiro citado na lição bíblica, também cercado de controvérsias.
Em seu livro "Batismo no Espírito Santo" (2000, p. 38), o pastor Enéas Tognini, líder do movimento de renovação nas igrejas batistas no Brasil, fala sobre Wesley: "João Wesley converteu-se a Cristo e, depois de mais ou menos dois anos após a sua conversão, foi batizado no Espírito Santo [...]".
Na obra "Fundamentos Bíblicos de um Autêntico Avivamento" (Ibidem, p. 105), publicada pela CPAD e aprovada pelo Conselho de Doutrina da CGADB, o pastor Claudionor de Andrade escreve:
"No século 18, temos a destacar os irmãos Wesley e o príncipe dos pregadores ao ar livre, George Withefield. De conformidade com um relato fidedigno da época, foram os três de tal maneira visitados pelo Senhor que, certa vez, rolaram pelo chão, tamanho era o poder e a graça experimentados".
Nesta citação de Andrade, não fica claro de qual "relato fidedigno" se trata, nem se houve batismo com (no) Espírito Santo com a evidência de falar em línguas.
A questão sobre Wesley e o Batismo com (no) Espírito Santo se agrava, quando analisada à luz da obra "Teologia de John Wesley", escrita por Kenneth J. Collins, publicada pela CPAD (2010, p. 177-178), igualmente aprovada pelo Conselho de Doutrina da CGADB:
"Wesley e os metodistas, ao longo de boa parte do século XVIII, foram acusados de valorizar demais os dons, ou carismas, do Espírito Santo. Apresentando uma diferenciação entre dons extraordinários (como de cura, de operar milagres, de profetizar, de discernir espíritos e de falar e interpretar em línguas) e os comuns (de discurso convincente, de persuasão, de conhecimento, de fé e da facilidade para oratória), alega em uma carta para o Sr. Downes, pároco da Igreja St. Michael, que "repudia totalmente os 'dons extraordinários do Espírito' e todas as outras 'influências e operações do Espírito Santo' que não sejam aqueles comuns a todos os verdadeiros cristãos. Na verdade, o próprio Wesley, à parte de seus detratores, afirma o mérito de fazer essa distinção para que a igreja 'pudesse parar o crescimento do entusiasmo', o que hoje chamamos de fanatismo. Na percepção de Wesley, os dons extraordinários foram concedidos à Igreja Primitiva para que, por meio deles, 'Deus reconhecesse os cristãos como seu povo, e não judeus'. Ou seja, Wesley argumenta que as 'exigências da ea apostólica', demonstrando que o caminho da salvação flui apenas por intermédio de Jesus Cristo, 'requeriam os dons milagrosos, mas eles logo cessaram'.
O texto acima foi publicado originalmente na obra de Thomas Jackson, "The Works of. Rev. John Wesley", escrita entre 1829-1831, e publicada em Londres, em 1978, pela Weslyan Methodist Book Room.
Charles Finney (1792-1875)
O nome de Charles Finney é citado como alguém que vivenciou a experiência de Pentecoste por Andrade (Ibidem, p. 105) e Tognini (Ibidem, p. 38).
Um artigo no site da Igreja de Nova Vida, retirado do Jornal Tombeta de Sião, e intitulado "O Protestantismo e a Doutrina Pentecostal", confirma a declaração de que Finney, conforme escrevera em uma autobiografia, foi batizado com (no) Espírito Santo:
"Recebi um grande batismo no Espírito Santo [...] não sei se deveria dizer, mas não pude me conter e balbuciava palavras inexpressivas do meu coração [...]".
Discorrendo ainda sobre a evidência da manifestação de línguas na vida de Finney, o articulista cita James Gilchrist Lawson (1874-1946), que em seu livro "Profundas Experiências de Cristãos Famosos", escreveu :
"Em algumas ocasiões o poder de Deus se manifestava em tal grau nas reuniões de Finney, que quase todos presentes caíam de joelhos em oração, ou melhor, oravam com lamentos e queixumes inenarráveis pelo derramamento do Espírito de Deus".
Até onde cheguei em minhas pesquisas sobre Finney, não encontrei oposição quanto aos fatos acima narrados.
George Withefield (1714-1770)
Em se tratando de Withefield e o Batismo com (no) Espírito Santo, temos mais uma vez problemas.
Andrade (Ibidem) e Tognini (Ibidem), afirmam positivamente sobre as evidências do Batismo com (no) Espírito Espírito Santo em sua vida. Erroll House (Ibidem, p. 83) não concorda com este ponto de vista, e afirma:
"Muitos viram retratadas nas vidas de grandes pregadores sua noção favorita do batismo do Espírito. Sei de tais defensores que procuram fazer isto com George Whitefield. O Dr. Arnold Dallimore, que é responsável pela mais proeminente biografia de Whitefield, publicada em dois grandes volumes pela editora Banner of Truth, declara que tal afirmação não pode ser substanciada no caso de Whitefield. Ele é corretamente visto como o mais poderoso pregador da língua inglesa, até hoje; e ainda assim, ele se opôs fortemente à ideia de dois estágios de experiência cristã. [...] Que cada crente recebia 'o selo do Espírito' foi um elemento essencial da doutrina de Whitefield e ele nunca defendeu o ensino pentecostal como é conhecido hoje".
É bom lembrar, que as contradições das narrativas aqui citadas, em nada diminui a verdade sobre a atualidade do Batismo com (no) Espírito Santo com a evidência do falar em línguas.
Poderia avançar nesta abordagem histórica, o que farei quando da publicação destes textos em um futuro livro.
Para o blog, fico por aqui, entendendo que o levantamento destas questões deverão promover uma maior pesquisa sobre os fatos aqui descritos, além de proporcionar a oportunidade de outros cooperarem com informações que por um acaso não foram aqui colocadas, visto a limitação da bibliografia pesquisada por este autor.
Farei qualquer correção neste texto, caso as informações aqui expostas sejam convincentemente e cientificamente refutadas com as necessárias provas.
Livros Consultados
ANDRADE, Claudionor Corrêa de. Fundamentos bíblicos de um autêntico avivamento. Rio de Janeiro: CPAD, 2004.
BOYER, Orlando S. Heróis da Fé. 15. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1999.
CAIRNS, Earle E. O cristianismo através dos séculos: Uma história da igreja cristã. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1988.
CESARÉIA, Eusébio de. História Eclesiástica: os primeiros quatro séculos da igreja cristã. Rio de Janeiro: CPAD, 1999.
COLLINS, Kenneth J. Teologia de John Wesley. Rio de Janeiro: CPAD, 2010.
HULSE, Erroll. O Batismo do Espírito Santo. São José dos Campos-SP: Fiel, 2006.
OLSON, Roger. História da Teologia Cristã: 2000 anos de tradição e reformas. São Paulo: Vida, 2001.
SHERRILL, John L. Eles falam em outras línguas. São Paulo: Arte Editorial, 2005.
SYNAN, Vinson. O século do Espírito Santo: 100 anos de avivamento pentecostal e carismático. São Paulo: Vida, 2009.
TOGNINI, Enéas. Batismo no Espírito Santo. São Paulo: Bompastor, 2000.
Periódicos Consultados
Lições Bíblícas. Atos dos Apóstolos: até aos confins da terra. Rio de Janeiro: CPAD, 1º trimestre/2011.
Manual do Obreiro. Atos dos Apóstolos: A ação do Espírito Santo na Igreja e através da Igreja. Rio de Janeiro: CPAD, ano 34, nº 52, 1º trimestre/2011.
Sites Consultados
Glossolalia religiosa. Disponível em http://pt.wikipedia.org, acessado em 28/12/2010.
James Gilchrist Lawson. Deeper experiences of famous christian. Disponível em http://www.archive.org, acessado em 28/12/2010.
Lutero profetizava e falava em línguas. Disponível em http://www.lideranca.org, acessado em 28/12/2010.
O protestantismo e a doutrina pentecostal. Disponível em http://www.invsc.org.br, acessado em 28/12/2010.
Fonte:
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