04 novembro 2010

A CRISTOLOGIA NEO-PENTECOSTAL 



Conferência teológica preparada pelo Prof. Isaltino Gomes Coelho Filho para a Faculdade Teológica Batista de Campinas, 14 de abril de 2004


Nesta palestra pretendo abordar a cristologia do neopentecostalismo. É uma tarefa bastante difícil porque boa parte do neopentecostalismo se desviou da autoridade normativa das Escrituras e cedeu espaço às visões e intuições de seus líderes. Como as palavras dos líderes são consideradas como sendo revelação divina, a sua teologia é pulverizada, porque Deus fala por todo mundo e fala as coisas mais díspares. Imaginemos, então, a sua cristologia. Mas é questão fundamental compreender a cristologia neopentecostal. Na realidade, um dos maiores problemas neopentecostais é o que fazer com a pessoa de Jesus Cristo. Vou me deter em alguns livros e outro tipo de material que pesquisei (estes livros são de figuras proeminentes do chamado “movimento da fé”, que não pode ser mais chamado de neopentecostalismo, mas talvez deva ser denominado de “baixo-pentecostalismo”) e, ao mesmo tempo, analisar alguns conceitos ouvidos em programas televisivos, bem como em pregações radiofônicas. Misturarei o movimento da fé, que é onde encontramos obras escritas, com citações de mensagens televisivas. Não cometo nenhuma irregularidade. O Movimento da Fé e o neopentecostalismo são gêmeos univitelinos.

Há uma babel de conceitos sobre Cristo. Duas questões colaboram decisivamente para isto. A primeira é que o movimento não tem, como já mencionei, uma teologia sistematizada. É um movimento supradenominacional, e é disto que tira muito de sua força. A segunda é que, ao seguir as palavras dos seus líderes como se fossem revelações vindas diretamente do Espírito Santo, o movimento se tornou doutrinariamente caótico, pois os líderes dizem coisas as mais díspares. Isto tornou esta palestra a mais difícil de ser preparada. Um neopentecostal escreve algo, como sendo revelação, e outro declara algo oposto, como sendo revelação. Ambos se dizem inspirados, não apenas iluminados, mas inspirados pelo Espírito Santo. Por vezes, as declarações não são, aparentemente, contraditórias, mas ao examiná-las, vemos que são opostas e colidentes entre si. Os aparentes enganos e as aparentes contradições que aqui aparecerem devem ser atribuídos às declarações lidas e ouvidas, não ao meu raciocínio. Esforço-me sempre para ser linear, mas confesso que aqui fiquei meio desorientado com as informações descobertas.

Dos muitos livros que examinei, o que mais poderia fornecer informações precisas sobre a visão neopentecostal a respeito da pessoa de Jesus seria O Nome de Jesus [1], da autoria de Keneth Hagin. No entanto, nos seus 23 capítulos há uma barafunda de idéias e de conceitos que desorientam qualquer leitor que procure um nexo, um fio condutor cristológico, o que é de se esperar, afinal, numa obra com este nome. O primeiro capítulo tem o título do livro, mas sua linha argumentativa é mostrar o nome de Jesus como sendo um talismã para ser usado em oração. O nome de Jesus é, assim mesmo, nestes termos, apresentado como uma procuração que Deus nos deu e para ser usado em oração. Um outro capítulo que poderia nos ajudar nesta avaliação é “Este Nome na Salvação”, mas tem apenas 20 linhas, sendo que nelas estão inseridos três textos bíblicos: João 14.6, Mateus 1.21,23 e Atos 4.12, no corpo do argumento. Pouca argumentação, como se vê. O livro é cíclico em seu conteúdo, sempre retornando a este ponto, a autoridade do nome de Jesus para sinais portentosos. O nome de Jesus é mostrado como se fosse uma senha para acessar o site dos milagres divinos e fazer um download do milagre que necessitamos. Fica a impressão de que Jesus é apenas um nome, não uma pessoa, uma pessoa eterna, autoexistente e sempre existente, mas apenas um nome místico e mágico. Nisto, o livro está certo quanto ao seu título. Cristo é cada vez mais um nome, um talismã, uma legenda, que uma pessoa, do que a segunda da Trindade, no neopentecostalismo.

E temos que falar um pouco, agora, embora de passagem, de salvação. Isto porque salvação e Cristo estão indissoluvelmente ligados no cristianismo tradicional. Este aspecto de pouco conteúdo cristológico se projeta no conceito de salvação. É óbvio para um cristão de teologia sóbria que cristologia e soteriologia não se podem dissociar. O cristianismo sempre entendeu que Jesus Cristo é o Salvador, e que a redenção humana é redenção do pecado, da morte e do poder do Maligno. Mas a soteriologia neopentecostal, exatamente por causa da visão cristológica deficiente, caminha para outro ponto. Em Redimidos da Miséria, da Enfermidade e da Morte [2], Hagin mostra a obra de Cristo como apenas nos resgatar de males físicos. Seu livro se abre com a referência bíblica de Gálatas 3.13-14 e 29: “Cristo nos redimiu da maldição da Lei quando se tornou maldição em nosso lugar, pois está escrito: "Maldito todo aquele que for pendurado num madeiro". Isso para que em Cristo Jesus a bênção de Abraão chegasse também aos gentios, para que recebêssemos a promessa do Espírito mediante a fé (...) E, se vocês são de Cristo, são descendência de Abraão e herdeiros segundo a promessa” (aqui transcritos na NVI, embora ele use outra tradução). A maldição da lei, para ele, são enfermidades e miséria econômica. Não há uma só palavra sobre vida eterna. O grande problema cristológico do neopentecostalismo se desdobra na doutrina da salvação. O conceito de salvação é material, limitado às esferas físicas, do corpo e das finanças, além de boas relações pessoais, principalmente conjugais. O aspecto soteriológico tradicional se esvai. Assim como a teologia da libertação, que assumiu uma hermenêutica marxista e identificou a salvação como libertação da opressão econômica em nível estrutural, o neopentecostalismo identificou a salvação como libertação das dificuldades financeiras, em nível individual. Sua soteriologia também é terrestre, prometendo um paraíso aqui na terra. Dificilmente ouvirão uma mensagem sobre perdão dos pecados e sobre a volta de Jesus, nos programas da Universal, por exemplo. Seu olhar é voltado para esta vida. Vale a pena lembrar, aqui, de Paulo, em 1Coríntios 15.19: “Se é somente para esta vida que temos esperança em Cristo, somos, de todos os homens, os mais dignos de compaixão” (NVI). A obra de Cristo transcende os limites do material e deste mundo. Só mesmo uma cristologia defeituosa para não entender e ensinar isto. E a cristologia neopentecostal é defeituosa, neste sentido. E, curiosamente, a teologia da libertação e a teologia da prosperidade, carro chefe do neopentecostalismo, são irmãs. Ambas olham apenas para este mundo. A segunda, que é de conteúdo mais espiritual, lamentavelmente, pouco ou quase nada tem a dizer sobre escatologia.

Já comentei, anteriormente, que o neopentecostalismo mudou o eixo hermenêutico, tirando-o da Escritura e passando-o para o crente. Assumiu a postura de Protágoras de Abdera: “O homem é a medida de todas as coisas; daquelas que são, enquanto são; e daquelas que não são enquanto não são”. Uma conseqüência lógica e inevitável desta atitude é que desta maneira a Palavra de Deus ainda está sendo escrita. Hagin, um dos mentores do movimento da Fé e o mais fecundo escritor neopentecostal, faz apologia de um dos livros de Kenyon, The Wonderful Name of Jesus. Diz ele, textualmente: “É conhecimento pela revelação. É a Palavra de Deus” [3]. Assim mesmo, no singular, “a”, e Palavra com P maiúsculo. A Bíblia não é mais autoritativa, pois homens a estão reinterpretando, dando-lhe outro sentido, e adicionando verdades ao já revelado. Ela é o ponto de partida, mas não a palavra final.

Com isto, torna-se difícil entender qual a linha do movimento neopentecostal, tamanha a multiplicidade de opiniões. São tantas quantos são seus pregoeiros. Mas algumas são repetidas, porque os maiorais as pronunciam e elas são repetidamente acriticamente. Surgem, então, algumas aberrações, pois a Palavra de Deus proferida pela boca de tais líderes não pode ser contestada. Benny Hinn, por exemplo, disse que estava recebendo uma revelação de Deus naquela hora, em um sermão que estava pregando. E foi isto que recebeu como revelação: que assim como a Trindade é Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo e cada um deles é trino, então, a Trindade tem nove pessoas. E encerrou a argumentação com esta frase: “Vocês dizem, humm, eu nunca ouvi falar disso. Bem, vocês pensam que estão nesta igreja para ouvir as mesmas coisas que ouviram pelos últimos 50 anos? Vocês não podem argumentar com a Palavra, podem? Está tudo na Palavra.” [4]. Quando foi contestado mais tarde, respondeu que aquele sermão fora confuso e que se desculpara com a congregação, posteriormente. Mas isto não resolve o problema. Amplia-o, na realidade. Que revelação é esta, que o próprio instrumento de revelação acha confusa e pela qual pede desculpas? O pior de tudo é que, com tudo isto, as idéias estapafúrdias dos pregadores são dadas como Palavra de Deus. Quando a cristologia é fraca a megalomania é enorme. Cabem aqui as palavras do Batista: “Convém que ele cresça e que eu diminua”. Ou Cristo ou o pregador. Um dos dois deve desaparecer e um dos dois deve brilhar. No neopentecostalismo brilha o pregador, produtor de uma nova revelação.

Volto a Hagin. Quem é Jesus para ele? Para ele, Jesus não apenas morreu fisicamente, mas também morreu espiritualmente. Eis uma palavra sua, neste sentido: “A morte física não removeria nossos pecados. Provou a morte por todo homem – a morte espiritual” [5]. As pessoas lêem esta declaração e passam batidas, sem se deter no que ele está dizendo, e sem fazer conexões com outras afirmações suas. Na página seguinte a esta, no mesmo livro de onde extrai esta citação, afirma ele: “A morte espiritual significa ter a natureza de Satanás” [6]. Entenderam o que ele declarou? De maneira confusa, ajuntando textos bíblicos a seu bel-prazer, desprezando as interpretações tradicionais (os neopentecostais têm ojeriza a esta palavra) Hagin formula uma teologia em que o caráter de Jesus é nivelado ao de Satanás. E as pessoas ainda gritam “Aleluia!” no culto!

Citando 2Coríntios 5.21 (“Deus tornou pecado por nós aquele que não tinha pecado, para que nele nos tornássemos justiça de Deus” - NVI), Hagin entende e ensina que Jesus se tornou pecador, como nós o somos. Eis sua afirmação: “Jesus se fez pecado. Seu espírito foi separado de Deus, e ele desceu para o inferno em nosso lugar” [7]. O texto bíblico não diz que Jesus se fez pecado, mas que o Pai o fez pecado por nós, e não que ele foi para o inferno em nosso lugar. Embora escrevendo em grego, Paulo era judeu de nascimento, estava imbuído do judaísmo, tendo sido um de seus maiores expoentes. A palavra “pecado”, hattat, no hebraico, tem um duplo significado, o pecado em si, a ofensa humana, e a oferta pelo pecado, a redenção, ato divino. A construção da sentença nos permite entender que Jesus não era pecador, por isso o Pai o tornou oferta pelo nosso pecado. A oferta pelo pecado tinha que ser pura. Jesus foi a oferta do Pai pelos nossos pecados, para expiá-lose nos apresentar inculpáveis diante de Deus. Tornar Jesus pecador como nós e fazê-lo ir ao inferno em nosso lugar é estabanamento. A arrogância de presumir-se oráculo divino e não estudar para saber exatamente o que a Bíblia diz produz coisas assim. De uma verdade tão profunda e tão comovedora se faz uma blasfêmia. E as pessoas ainda gritam “Aleluia!” no culto!

Estou consciente de que a maioria dos neopentecostais não assumiria esta declaração de Hagin nem as patuscadas grandiloqüentes de Benny Hinn. Seria um ato de desonestidade atribui-las a todos eles. Por que as cito, então? Para mostrar o balaio teológico e cristológico do neopentecostalismo. Tendo abandonado o eixo cristológico na interpretação bíblica, elevando escritos humanos ao nível de Palavra de Deus, o movimento nos agracia com muitas heresias. E tolices perigosas.

Observemos, agora, um pouco, as pregações neopentecostais pela televisão. Uma das maiores ênfases está nas maldições que devem ser quebradas. Há também a ênfase em cristãos que ficam possessos. Absurdamente, o demônio saiu da periferia e migrou para o centro do culto neopentecostal. Repito o que disse anteriormente, e não por falta de argumento, mas para fixá-lo bem, porque isto é fundamental. Temos um contra-senso: um Cristo fraco e demônios fortes. Cristo salva, mas é incapaz de encher a vida da pessoa. Cristo recebeu um nome sobre todo o nome, mas não consegue impedir a ação de Satanás na vida de uma pessoa. Cristo tem todo poder, mas nada pode ser feito por ele na vida do crente, a não ser que o pastor neopentecostal autorize. Um desses pregadores, irado com algumas pessoas que dele discordavam, dizia pela televisão que não adiantava que lhe citassem versículos bíblicos dizendo que o crente não fica endemoninhado, porque ele via, na sua experiência diária, que eles ficam endemoninhados. Aparentemente fujo da questão cristológica, mas volto a ela. O abandono do eixo hermenêutico como sendo as Escrituras produz mais uma aberração: a experiência humana interpreta as Escrituras nesta afirmação, quando o certo é que a Bíblia interprete nossa experiência. Nossos sentidos não podem ser o padrão para interpretar a Bíblia. Exemplifico com algo simples. Sou daltônico. Um daltônico não é um deficiente, apenas tem um sentido visual diferente de uma pessoa não daltônica. Tem dificuldades em distinguir determinadas cores e certos tons, mas vê com mais nitidez formas e contrastes. O não daltônico é iludido pelo mimetismo, o fenômeno do camaleão. O daltônico não o é. As fardas camufladas, tanques camuflados, a camuflagem, em geral, como a do camaleão, do calango e do bicho pau, não o iludem. Isto mostra que os sentidos não são absolutos. “Eu senti no meu coração”, brada o neopentecostal. Pronto, não se pode discutir com ele. Mas Jeremias 17.9 o refuta: “O coração é mais enganoso que qualquer outra coisa e sua doença é incurável. Quem é capaz de compreendê-lo?” (NVI). Não é que nós sentimos em nosso coração. É o que a Bíblia diz. Se sentirmos de uma maneira e a Bíblia disser de outra, nós é que estamos errados, e não a Bíblia.

Nossa fonte de informação sobre a pessoa de Cristo precisa ser a Bíblia. E esta precisa de um referencial seguro em sua interpretação. Na citação deste pregador televisivo, ficamos com uma situação singular. Se Cristo não pode evitar, com sua presença na vida de uma pessoa, que o demônio tenha poder sobre ela, de que nos serve tal Cristo? Para que serve um Cristo que precisa ser reforçado pela oração forte de um guru, caso contrário não pode produzir efeito na vida do fiel? Que Cristo é este? Uma triste caricatura do Cristo mostrado nos evangelhos.

Copeland, outro líder neopentecostal, em um de seus sermões, põe esta palavra na boca de Jesus:

"Não se perturbe quando o desprezarem e falarem dura e severamente contra você. Eles falaram dessa maneira contra você. Eles falaram dessa maneira comigo, e não deveriam falar com você? Eles me crucificaram por ter reivindicado ser Deus. Mas eu não reivindiquei ser Deus; apenas disse que andava com Ele e que Ele estava em mim. Aleluia!" [8]

Vê-se que a divindade de Jesus é claramente negada por Copeland. Hanegraaff faz esta observação: “Os mestres da Fé parecem ver Cristo pouco mais que um irmão mais velho...”. [9] E está certo. Eles pouco precisam do Cristo autoritativo, porque eles têm um relacionamento direito com Deus, falam com ele o tempo todo. Aliás, Hagin e Hinn, entre outros, dizem que eles são da mesma natureza de Jesus, e que nós também o somos. As vezes em que assim se expressam são tantas que os remeto ao livro de Hanegraaff citado nesta palestra para comprovarem. Hagin tem tanta liberdade espiritual, que num só dia, segundo ele mesmo, visitou o inferno por três vezes [10]. Como gosta do inferno! O trágico em tudo isto, é que estas pessoas não precisam de um mediador e de um de sacerdote, como nós precisamos e vemos as duas figuras na pessoa de Jesus. Muitas delas se vêem como mediadores entre Deus e os homens. Elas prescindem de Cristo. Elas se declaram como Cristo. Sua filiação a Deus é no nível de Cristo. Algumas delas se dizem iguais a Cristo.

Este problema cristológico surge porque muitos pastores neopentecostais disputam espaço com Jesus. A anteriormente citada megalomania chega aqui ao seu nível extremo. Os crentes antigos oravam assim pelo pregador: “Esconde o teu servo atrás da cruz de Cristo”. Bonita oração, mas parece que foi trocada por outra: “Esconde a cruz de Cristo atrás de teu servo”. Vemos muito de um Cristo descorado e de pregadores brilhantes. É estranho isto. Tenham cuidado com o pregador que aparece mais que Jesus.

O pastor deve pregar a obra de Jesus, mas o pastor neopentecostal completa a obra de Jesus. Ele, só ele, tem poder de quebrar maldições, só ele possui a oração forte, só ele tem poder sobre o demônio. Ele é um sacerdote. Cristo não é Sumo Sacerdote, mas apenas um ente espiritual. Na realidade, o Sumo Sacerdote é o pastor neopentecostal. Vê-se isso em igrejas do pentecostalismo autônomo. A pessoa abre uma igreja, dá-lhe um nome exótico, e começa seu trabalho. Mas quem o legitima? Quem o credencia? A legitimação e credenciamento surgem no momento em que um demônio se manifesta e ele o repreende e o vence. A partir deste momento em que venceu o demônio, ele está reconhecido como pastor e sua igreja reconhecida como autêntica. O credenciamento e a legitimação de um pastor e de uma igreja devem vir da centralidade de Jesus em sua vida. Isto nos lembra 1João 3.8: “... Para isso o Filho de Deus se manifestou: para destruir as obras do Diabo”. Jesus destruiu o poder do Maligno. Por causa da obra de Jesus, que derrotou o Maligno e nos abriu o caminho para o céu, temos o Espírito Santo. E diz 1João 4.4: “Filhinhos, vocês são de Deus e os venceram, porque aquele que está em vocês é maior do que aquele que está no mundo” (NVI). O Espírito Santo que Jesus nos enviou da parte do Pai é maior do que Satanás. Se ele está em nós, nossa vida está cheia do Espírito. É Jesus quem quebra o poder do Maligno, não a oração de alguém.

Devem ter notado, e devem se recordar que já comentei isto, que muito da pregação neopentecostal televisiva é calcada no Antigo Testamento. O pregador se refugia no Antigo Testamento, porque ali se sente mais seguro. O Novo Testamento, por causa da obra de Jesus, socializa os dons. Jesus deus dons à igreja, diz Efésios 4. O Antigo Testamento elitiza os dons. Eles são para pessoas especiais, uma elite, uma casta. A cristologia neopentecostal é fraca porque muito de suas pregações são veterotestamentárias, sem o fio de prumo interpretativo do Novo. Então, a pessoa de Jesus deixa de reger a Revelação, ele, que nos dizer dos teólogos reformadores, é o “cânon dentro do cânon”, e passa a ser um taumaturgo comandado pelo pastor.

Esta questão é crucial para o futuro do movimento evangélico. Temos muitas igrejas ditas evangélicas e muita gente dita evangélica. Vou parafrasear Paulo, quando disse que não é judeu quem o é exteriormente, mas sim que o é interiormente. O verdadeiro evangélico é aquele que tem uma experiência de conversão a Jesus, que foi perdoado por ele, tem certeza de sua salvação por ele, espera sua segunda vinda e tem certeza de morar para sempre com ele no céu. É aquele que crê que Jesus é Senhor. E é esta questão do senhorio deve ser real e não retórica. Ser Senhor não é ser padroeiro. No neopentecostalismo, parece que Jesus é apenas uma entidade padroeira. “Jesus é o Senhor desta cidade” é uma placa que se vê em algumas localidades por este Brasil. Confunde-se Senhor com padroeiro. “O mundo todo está debaixo do poder do Maligno”, diz 1João 5.19. O senhor das cidades humanas é Satanás. A cidade onde Jesus será Senhor de direito e de fato é a Nova Jerusalém, que virá do céu para nossa habitação. Ele é Senhor dos que crêem nele, dos que o obedecem. De direito e de fato. Do mundo, ele é Senhor de direito, mas o Maligno usurpa porque domina os incrédulos. Mas ao voltar, Jesus esmagará o mal em definitivo. É a tensão entre o já e o ainda não. Cito agora, sobre esta questão, um trecho de minha dissertação de mestrado:

Jesus Cristo já inaugurou o reino de Deus, mas este ainda não se consumou. O mundo por vir, com sua transformação escatológica, já teve suas bases lançadas, mas ainda não chegou. Já somos filhos de Deus, temos bênçãos indescritíveis para nós reservadas, mas elas ainda não se manifestaram em sua totalidade porque ainda não entramos na plena liberdade dos filhos de Deus. Satanás já foi vencido, porque Jesus entrou em seus domínios e o amarrou, libertando-nos do seu poder e domínio, mas ainda não foi subjugado por completo. Pelo contrário, “O vosso adversário, o Diabo, anda em derredor, rugindo como leão, e procurando a quem possa tragar” (1Pe 5.8).
Quando se enfatiza em demasia o ainda não, entramos num processo de derrota, de frustração, numa falta de perspectiva para o futuro. Pregar apenas o ainda não traz desânimo e transforma a fé cristã em algo distante. Produz até mesmo uma sensação de derrota. O derrotismo é incompatível com o caráter cristão.
Quando se enfatiza em demasia o já, entramos numa situação de triunfalismo infantil, de ingenuidade espiritual e de desconhecimento da realidade. Pensa-se que a perfeição já chegou, que o céu já foi trazido para a terra. Passa-se a viver em nível de artificialidade espiritual e de irrealidade teológica. Vê-se isto no triunfalismo moral, que ensina a impecabilidade do crente. Vê-se, no caso da teologia da prosperidade, que ensina o triunfalismo físico, a saúde perfeita e completa e a riqueza material. Que mostra uma vida de triunfo sobre todas as adversidades, em todos os momentos [11].


Nós vivemos no ainda não, cremos no já e esperamos por ele. O arroubo neopentecostal quer o já agora. Cristo já derrotou Satanás na cruz, mas o mundo ainda jaz no maligno. Ele já nos libertou do poder das trevas, mas ainda pecamos. Já provamos os poderes celestiais, mas ainda vivemos neste mundo. O senhorio de Jesus já foi proclamado, mas ele ainda não submeteu tudo a seus pés. Lemos em 1Coríntios 15.24-26: “Então virá o fim, quando ele entregar o Reino a Deus, o Pai, depois de ter destruído todo domínio, autoridade e poder. Pois é necessário que ele reine até que todos os seus inimigos sejam postos debaixo de seus pés. O último inimigo a ser destruído é a morte”. A cristologia mostra que o mundo se submeterá a Cristo no final dos tempos. Cuidado com o arroubo retórico e grandiloqüente.

Mas eis a pergunta que não quer calar, a verdadeira pergunta que não quer calar: “Quem é Jesus Cristo?”. Para um cristão, a linguagem sobre a Divindade e sobre Jesus, o Filho, será sempre respeitosa. Eis uma declaração da mídia secular, analisando a linguagem neopentecostal sobre Deus e Jesus, ao falar da Igreja Renascer:

A igreja ostenta como membro de maior audiência a bispa Sonia Hernandes, 40 anos, mulher de Estevam. Sonia notabilizou-se ao cunhar frases como "Deus é uma coisa muito quentinha e gostosinha", ou "Jesus era um cara muito pirado, não morreu, apenas deu um tempo" [12].

Deus não é uma coisa. Jesus não era pirado nem deu um tempo. Morreu, foi sepultado, ressuscitou e voltará em poder e glória. A propósito, quero citar a Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, no item “Deus Filho”. Eis o que os batistas crêem sobre Jesus e que endosso in totum:

Jesus Cristo, um em essência com o Pai, é o eterno Filho de Deus. N’Ele, por Ele e para Ele, foram criadas todas as coisas. Na plenitude dos tempos Ele se fez carne, na pessoa real e histórica de Jesus Cristo, gerado pelo Espírito Santo e nascido de Virgem Maria, sendo em sua pessoa verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Jesus é a imagem expressa do seu Pai, a revelação suprema de Deus ao homem. Ele honrou e cumpriu plenamente a lei divina e obedeceu a toda a vontade de Deus. Identificou-se perfeitamente com os homens, sofrendo o castigo e expiando as culpas de nossos pecados, conquanto Ele mesmo não tivesse pecado. Para salvar-nos do pecado morreu na cruz, foi sepultado e ao terceiro dia ressurgiu dentre os mortos e, depois de aparecer muitas vezes a seus discípulos, ascendeu aos céus, onde, à destra do Pai, exerce o seu eterno Supremo Sacerdócio. Jesus Cristo é o Único Mediador entre Deus e os homens e o Único suficiente Salvador e Senhor. Pelo seu Espírito Ele está presente e habita no coração de cada crente e na Igreja. Ele voltará visivelmente a este mundo em grande poder e glória, para julgar os homens e consumar sua obra redentora.

Pregação e ensino que deslustrem ou minimizem a pessoa de Jesus são enganos diabólicos. É obra do Diabo colocar Jesus em outro lugar que não seja o primeiro, em sua própria Igreja. Jesus é mais que um nome místico, mais que uma senha, mais que um slogan, mais que um curandeiro. É Deus feito homem. Uma cristologia que não reconheça isto nem proclame em alto e bom som seu senhorio sobre o mundo e o veja apenas como um nome a manipular, não é cristologia. É um desserviço ao evangelho. E é esta a cristologia neopentecostal.


NOTAS

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[8] Conforme HANEGRAAFF, Hank. Cristianismo em Crise. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembléias de Deus, 1996, p. 149.
[9] Ib., ibidem, p. 150.
[10] HAGIN, Kenneth. O Extraordinário Crescimento da Fé. Rio de Janeiro: Graça Editorial, s/d, p.38-40
[11] COELHO FILHO, Isaltino. Os Sofrimentos do Messias e Sua Aplicação Para Nosso Tempo – Uma Avaliação da Teologia da Prosperidade, dissertação de mestrado, não publicada, p. 122
[12] Artigo “Deus está no ar”, de Débora Crivellaro, recebido pela Internet, sem mais dados. 
[1] HAGIN, Kenneth. O Nome de Jesus. Rio de Janeiro: Graça Editorial, 1988.
[2] HAGIN, Kenneth. Redimidos da Miséria, da Enfermidade e da Morte. Rio de Janeiro: Graça Editorial, 2ª ed., 1990
[3] HAGIN, in O Nome, p. 7.
[4] Conforme HANEGRAAFF, Cristianismo em Crise. Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembléias de Deus, 1996, p. 149, isto foi dito no programa “Benny Hinn”, pela TBN, 3 de outubro de 1990.
[5] HAGIN, O Nome, p. 25.
[6] Ib., ibidem, p. 26.
[7] Ib., ibidem, p. 27.
 

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