Quando João Calvino (1509-1564) perdia a batalha dialética
contra seus opositores e se via encurralado com suas próprias contradições,
recorrentemente ele apelava para dois subterfúgios: um anti-intelectual e outro
imoral.
No subterfúgio anti-intelectual, o teólogo de Genebra usava
e abusava das antinomias, o apelo exacerbado ao mistério. O próprio autor
calvinista Paul Helm reconhece essa fraqueza de Calvino em "A Providência
Secreta de Deus" (Cultura Cristã).
Quando Calvino afirmava, por exemplo,
que desde a madre algumas pessoas já nascem predestinadas por Deus para a morte
eterna, e a razão disto não está nos pecados antevistos dessas pessoas, mas sim
nos desígnios ocultos de Deus que as predestinara à condenação, ele não podia
sustentar essa questão exegeticamente, nem mesmo com uso inadequado de Romanos
9 - que, diga-se de passagem, nem todos calvinistas concordam com a leitura
supralapsariana de Calvino neste capítulo. Num último recurso, Calvino, como teólogo
incorrigível, batia o pé e dizia: "é assim e pronto e ninguém sabe
explicar!" Sabe sim, muitos souberam e explicaram, mas Calvino não lhes
quis dar ouvidos. Na teologia há lugar sim para o mistério (vide Trindade),
mas, como bem nos adverte o Dr. William Craig, "tal recurso deve ser feito
apenas como último recurso depois de muito pensar árduo". Aquele que é
considerado no meio acadêmico um dos maiores apologistas do nosso século,
conclui: "podemos sem apelar para o mistério, mostrar a compatibilidade entre
a presciência de Deus e a responsabilidade humana". William Craig estava
certo, como muitos contemporâneos de Calvino que lhe faziam oposição. Mas
Calvino que já tinha ido muito além do que Agostinho fora antes dele, já não
estava disposto humildemente a ser corrigido.
Mas havia ainda o subterfúgio imoral, e esse era muito pior
porque Calvino além de se negar a aprofundar a sua exegese e corrigi-la, ou
perceber que seus argumentos não eram partilhados por aquela antiga Igreja dos
quatro primeiros séculos, nem por muitos doutores cristãos de sua época (o que
deveria servir-lhe como sinalização de perigo e corrupção doutrinária), Calvino
afugentava o espírito cristão e da pouca modéstia e bom tom que lhe restava -
são os próprios historiadores calvinistas que admitem que Calvino não era lá um
símbolo de paciência e moderação (bem ao contrário do que os historiadores
falam de Jacó Armínio, "homem tolerante e piedoso, e muito contra os
princípios rígidos de uma uniformidade forçada" - A. Knight e W. Anglin) -
punha-se a lançar impropérios contra seus opositores e até pelejar pela prisão
e morte deles. Claro, a Bíblia que ordena mansidão, paciência, tolerância e
amor até mesmo para com os inimigos como a identidade do verdadeiro cristão
parecia ainda não estar em total voga no século 16 (embora o cânon já tivesse
sido fechado desde os quatro primeiros séculos da nossa era). Quem lê os
escritos de Calvino, e não me refiro a belas frases soltas compartilhadas na
internet, sabe que Calvino não raras vezes buscava desqualificar os que se
opusessem aos seus dogmas, como a Dupla Predestinação Incondicional. Estes são
alguns dos adjetivos depreciativos com os quais Calvino buscava destruir a
imagem de seus opositores: “dementes”, “porcos”, “cães virulentos que vomitam
contra Deus”, “inimigos da graça de Deus”, “inimigos da predestinação”,
“estúpidos”, “espíritos desvairados”, “bestas loucas”, “gentalha”, “espíritos
ignorantes”, “bestas”, “cães, porcos e perversos”, “insanos” e “criaturas
bestiais”. Calvino chegou a sugerir que seus inimigos fossem cuspidos na cara,
como no caso de Sebastian Castellion. Jean Wyllys tem seu precedente histórico!
(Quem lê, entenda). Se Calvino não podia responder aos argumentos de seus
adversários, então Calvino apelava para o ataque moral aos seus adversários.
O que é lamentável é que 500 anos depois, olhando para o
atual quadro do cenário teológico brasileiro, com a tentativa de imposição dos
pontos de vista dos discípulos de Calvino sobre os demais cristãos (cuja
maioria absoluta não segue a doutrina calvinista), o que se vê é aquela mesma
derrota na batalha dialética e, por consequência, o recorrente abuso das
antinomias e dos ataques à moral dos opositores, mesmo que cristãos sérios de
igrejas históricas, com uso de linguagem depreciativa com vistas tão somente
não a refutar os argumentos, mas a aniquilar o caráter e a reputação do outro.
Diante de tal quadro caótico, só posso chegar àquela velha conclusão de
Salomão: "...não há nada novo debaixo do sol" (Ec 1.9, NVI).
Viva vencendo!!!!
Seu irmão menor
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