
Acordei triste por saber que mais um pastor suicidou-se.
Desta vez no campo presbiteriano. Homem valoroso, esse pastor em Minas gravou
cds de hinos e cânticos infantis. Deu cabo de sua vida com um tiro. Que mundo é
esse em que vivemos? No início do ano dois pastores batistas fizeram o mesmo. E
multiplicam-se os casos desta grande anomalia religiosa: Cristo, pregado como
solução para a vida, não soluciona os problemas existenciais de pastores
contemporâneos!
Recordei-me de uma pregação do Pr. Arthur Alberto de Mota
Gonçalves, de saudosa memória. Pregou ele sobre o texto bíblico que dizia que
"Cristo, subindo ao alto deu dons aos homens". Dizia que tais dons
não eram apenas capacitações, mas homens chamados e capacitados por Deus para
uma tarefa especial, "homens-dom".
O Pr. Josué Nunes de Lima, de saudosíssima memória, foi um
destes homens-dom. Pastor da Igreja Batista em Jardim Brasil, capital paulista,
fez dela a sua catedral. Por mais de 40 anos a pastoreou, sendo o instrumento
de Deus para consolidá-la como uma das grandes congregações bíblicas do Brasil.
Eu o conheci. Eu primei de sua amizade. Eu passei horas a
receber o seu aconselhamento. Josué deixou em minha alma marcas profundas e até
hoje eu lamento a sua ausência; não que reclame de que tenha sido recolhido
pelo Senhor, mas lamento que ele tenha ido tão cedo e que tenha deixado uma
lacuna tão grande em mim. Josué me faz falta!
E por que o considero homem-dom?
Quero alistar algumas razões que me convencem desta
afirmativa.
01. UM CRENTE VERDADEIRO - Josué era crente de fato. Ele não
era um mentiroso. Ele não iludia o auditório. Ele não se mascarava com a fé.
Ele cria. Eu o vi orar! Eu o vi chorar na presença do Senhor! Eu o vi adorar a
Deus de forma verdadeira! Ele levava Deus a sério. Seguia e ensinava a Bíblia
com toda a segurança de quem cria. Josué era crente.
02. UM PASTOR AUTÊNTICO - Ele não ocupava o cargo de pastor;
ele não "estava" pastor; ele ERA um pastor. Sua postura, sua palavra,
sua presença, seu olhar, seus conselhos, sua prestatividade, sua sabedoria, sua
inteligência, sua cultura, sua maneira religiosa de tratar com brandura e com
seriedade todos os assuntos faziam dele um pastor autêntico. Nenhum membro de
sua igreja ficava sem uma visita, ainda que a congregação fosse grande. Seu
gabinete pastoral estava aberto a semana inteira e qualquer um poderia ir e
conversar com ele o tempo que quisesse. Ele fazia questão de manter o gabinete
num nível de solo, de fácil acesso, para que crianças, idosos, jovens e todo o
povo tivesse facilidade em procurá-lo. Estava no nível do povo. Era enérgico,
mas era pai. Era severo, mas também misericordioso. Josué era um autêntico
pastor.
03. UM AUTO-DIDATA E ESTUDIOSO - De origem humilde e com
trabalhos árduos (até carregador de cereais foi), não encarou tais limitações
como fim em si mesmas, mas como obstáculos que deveria ultrapassar. E como os
ultrapassou! Tornou-se um homem culto, um homem acadêmico, um autêntico
educador! Formado, condecorado, mestre, tornou-se um orador de categoria e de
primeira linha! Nas convenções batistas estaduais era de praxe que todos
esperassem os relatórios das comissões de Josué, só para ouvir-lhe dizer:
"Amados irmãos, recebam o nosso fraternal amplexo". Como falava bem!
Como era forte a sua voz! Como era clara a sua mensagem! Claro, ousado, lógico,
preparado, absolutamente seguro e ancorado nas páginas das Escrituras Sagradas.
Assim era o Josué acadêmico.
04. UM CONSELHEIRO DE PASTORES - Josué foi presidente da
Ordem dos Pastores Batistas do Estado de São Paulo, sucedendo o saudoso Pastor
Rubens Lopes. Após a sua gestão, não deixou de ser líder e de ter em sua casa
um autêntico posto de aconselhamento, um confessionário, um local onde os
ministros encontravam alguém com quem repartir as suas dores, as suas dúvidas, alguém
que era presente e que estendia a mão! Quantos obreiros foram abençoados com
indicações de Josué! Quantos não receberam os seus cuidados, fosse com
orientações, fosse financeiro, fosse de apoio em momentos de crise! Josué era
um homem do povo, chamado para o ministério e entendia plenamente os seus
colegas! Um ministro presente e essencial!
05. UM CLÁSSICO - Josué era um pastor batista à moda antiga.
Formado por uma teologia fundamental e crescente (estudava muito e sempre
mais), jamais arredou o pé dos fundamentos bíblicos da vida cristã e da
orientação eclesiástica. Não permitia modernismos em seu culto, ainda que sua
igreja tivesse dezenas de jovens! Promovia o culto cristocêntrico, a liturgia
reformada, a prédica cristã bíblica, a hinódia sadia, a comunhão espiritual e
bíblica. A Igreja Batista em Jardim Brasil tornara-se um referencial
doutrinário e exemplar do que era um autêntico culto batista clássico. Sabia
ser forte, sem perder a ternura e a simplicidade de homem do campo. Josué era
um pastor legítimo!
06. UM HOMEM POBRE - Josué nunca se valeu do evangelho para
enriquecer-se. Pelo contrário, tudo o que tinha era para o Reino de Deus.
Recebia o seu salário, mas acabava por repartir com os que precisavam, além de
sustentar os seus filhos queridos. Em sua casa era comum receber diversas
pessoas que iam tomar café ou fazer as suas refeições ao lado do pastor amado.
Sua primeira esposa, irmã Albertina, era uma anfitriã maravilhosa, meiga,
querida, amorosa e espiritual. Juntos o casal Nunes de Lima enriquecia a
muitos, mesmo tendo tão pouco! Não tinha posses na Terra, porque estava
ajuntando uma fortuna no Céu! Não passava privações, pois a igreja o amava. Mas
não usava de seu gabarito e popularidade, como muitos hoje, para fazer
carteiras de sustento através de preços de conferências.
07 - UM HOMEM RESPEITADO - Comendador por 3 vezes de
organizações humanitárias e filantrópicas, membro de juntas missionárias,
diretor de institutos de educação teológica, partícipe ativo de amigos do
bairro, conferencista em diversas partes do país e algumas vezes na Europa,
recebido na casa de autoridades públicas e empresários, era um homem por demais
respeitado. No bairro todos o conheciam e admiravam. Josué começara a pastorear
a igreja quando ainda as ruas eram de lama e brejo; o ônibus não chegava no
local e era necessário, com a família, caminhar na lama. Lavava os pés à
entrada e ministrava. Construiu a sua casa naquele lugar ainda primitivo.
Cresceu com ele. Era morador veterano, amado, querido e respeitado. Todos
sabiam onde era a casa do pastor, em cuja fachada havia uma bíblia aberta com
um versículo. Comerciantes, feirantes, professores, empresãrios, moradores,
vendedores, todos tinham afeto e respeito pelo Pr. Josué.
08 - UM CONCILIADOR - Quantas crises a igreja e a
denominação enfrentaram ao longo de sua carreira! Josué era procurado
insistentemente por todos, pois sua palavra, sua atuação e sua maneira de
colocar as coisas eram claras e não ofendiam ninguém. Era capaz de jogar água
na fervura e de retirar a lenha para que o fogo se apagasse. Era um
conciliador, um diplomata, um promotor da paz. Na igreja não permitia focos de
intrigas ou de confusão. Com seu paternal cuidado e com a Bíblia em mãos,
conseguia a paz tão necessária e o progresso da Obra do Senhor. Como Josué era
precioso!
09 - MEU ESPELHO - Não sou um Josué. Eu nem tentei imitá-lo.
Fui criado Wagner. Contudo, quem o conheceu e vê uma ou outra mensagem gravada
onde sou o preletor, consegue identificar algo de Josué em minhas prédicas.
Claro, ele foi um modelo precioso para mim! Ajudou-me, orientou-me,
aconselhou-me, puxou-me a orelha, fortaleceu-me nas muitas crises que já
atravessei. Inspiro-me nele para pregar, não no sentido de copiá-lo, mas de sua
retórica forte, contundente e autêntica, firme e fundamentada na Bíblia. Josué
deixou em mim marcas profundas e eu sou grato a Deus por este homem-dom.
Fui um bem-aventurado. Eu conheci Josué Nunes de Lima. E se
o Pr. Arthur afirmou em sua pregação que Deus dá em Sua graça alguns homens-dom
nas gerações, posso dizer com plena convicção: o Pr. Josué Nunes de Lima foi um
destes homens. E ainda hoje, após alguns anos de sua partida, continua a ecoar
através do testemunho deixado, da obra realizada, do exemplo vivido e da graça
na qual firmou a sua própria vida.
Quero ser também um homem-dom; não um homem que carece de
sentido na vida. Não importa quantas sejam as nossas lutas, não importa por
quanto tempo tenhamos que atravessar provações e privações. Importa que o Deus
Eterno quer usar a nossa vida na edificação de outros e na continuação da
mensagem do evangelho que traz vida e salvação. Se eu um dia for um porcento do
que Josué foi, estarei feliz, pois Josué era um imitador de Cristo (imitador no
sentido de procurar viver como o Senhor).
Quero sê-lo também.
E bendito seja o Deus eterno, nosso pai, doador dos dons,
inclusive dos homens-dom!
Wagner Antonio de Araújo
JOSUÉ, UM HOMEM-DOM - ADENDO
UM ADENDO
O primeiro parágrafo diz respeito à minha tristeza pelo
suicídio do Rev. Aroldo Telles, da Igreja Presbiteriana em Minas Gerais,
segundo informações da mídia(http://www.plox.com.br/policia/pastor-aroldo-telles-morre-em-ipatinga). o pastor Josué Nunes de Lima, pelo contrário,
viveu toda a vida sem nenhuma relação com isso. E
Escrevi o texto como consolo
para mim mesmo, no sentido de contrapor, diante de um suicida, um outro, cuja
vida foi pautada pela fé, pela entrega e pela vida.
Que fique claro. Um foi o
suicida, outro foi o homenageado em meu texto.
Do autor.
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