Ainda sou do tempo em que
ser crente era motivo de críticas e perseguições. Nós não éramos muitos, e
geralmente éramos considerados ignorantes, analfabetos, massa de manobra ou
gente de segunda categoria. Os colegas da escola nos marginalizavam. Os patrões
zombavam de nós. A sociedade criticava um povo que cria num Deus moral, ético,
decente, que fazia de Seus seguidores pessoas diferentes, amorosas, verdadeiras
e puras. Não era fácil. Mas nós sobrevivemos e vencemos.
Sinto falta daquela
perseguição, pois ela denunciava que a nossa luz era de qualidade, e ofuscava a
visão conturbada de quem não era liberto. E, por causa dessa luz, muitos
incrédulos foram conduzidos ao arrependimento e à salvação.
Mas hoje é
diferente.
Ainda sou do tempo em que
os crentes não tinham imagens em suas casas, em seus carros ou como adereços de
seus corpos. Nós não tatuávamos os nossos corpos e nem colocávamos
"piercings" em nossa pele. Críamos que os nossos corpos eram
sacrifícios ao Senhor, e que não nos era lícito maculá-los com os sinais de um
mundo decadente, um deus mundano e uma cultura corrompida. Dizíamos que tatuar o
corpo era pecado.
Não tínhamos objetos de culto em nossas igrejas. Aliás, esse
era um de nossos diferenciais: nós éramos aqueles que não admitiam imagens em
lugar algum.
Mas hoje é diferente.
Ainda sou do tempo em que
pornografia era pecado. Nós não considerávamos fotos eróticas ou filmes pornô um
"trabalho profissional", mas uma prostituição do próprio corpo e uma
corrupção moral. Ao nos convertermos, convertíamos também os nossos olhos, e
abandonávamos as revistas pornográficas, os cinemas de prostituição e os teatros
corrompidos. Os que eram adúlteros se arrependiam e pagavam o preço do que
fizeram, e começavam vida nova. Os promíscuos mudavam seu comportamento e
tornavam-se 'santos em todo o seu procedimento'.Nós, os adolescentes, deixávamos
os namoros e os relacionamentos orientados pelos filmes mundanos, e primávamos
por ser como José do Egito, que foi puro, ou o apóstolo Paulo, que foi decente.
Mas hoje é diferente.
Ainda sou do tempo em que
nos vestíamos adequadamente para o culto. Aliás, além do nosso testemunho moral,
nós nos identificávamos pelas roupas. Se pentecostais, usávamos roupas sociais
bastante formais, e éramos conhecidos aonde quer que íamos, pois ninguém mais se
vestia tão formalmente assim em pleno domingo à tarde. Se de outras
denominações, como eu, não chegávamos a esse 'extremo', mas nos trajávamos
socialmente, com o melhor que tínhamos, dentro de nossas possibilidades, porque
críamos que, se íamos prestar um culto a Deus, a ocasião nos exigia o melhor, e
buscávamos dar o melhor para Deus. Era a famosa "roupa de missa",
"roupa de igreja". Mesmo pobres, tínhamos o melhor para Deus. E sempre
algo decente: camisas sociais, calças bem passadas, um sapato melhor conservado,
um blaizer ou uma camisa bem alinhada. As mulheres usavam seus melhores vestidos,
suas melhores saias e seus conjuntos mais femininos.
Mas hoje é diferente.
Ainda sou do tempo em que
nossos hinos falavam de Cristo e da salvação. Cantávamos muito, e nossas músicas
não eram tão complexas como as de hoje. Mas todos acabávamos por decorá-las. Suas
mensagens eram simples e evangelísticas: "foi na cruz, foi na cruz",
"andam procurando a razão de viver"; "Porque Ele vive, posso crer
no amanhã", "Feliz serás, jamais verás tua vida em pranto se
findar", "O Senhor da ceifa está chamando"; "Jesus, Senhor,
me achego a ti", "Santo Espírito, enche a minha vida", "Foi
Cristo quem me salvou, quebrou as cadeias e me libertou", etc. Não
copiávamos os"hits" estrangeiros, ou as danças mundanas, mas
buscávamos algo clássico, alegre, porém, solene. E dançar o louvor? Jamais! Não
ousávamos, nem queríamos; nunca soubéramos que o louvor era
"dançante"; as danças deixamos em nossas velhas vidas mundanas. Porém,
mesmo não as tendo, éramos alegres e motivados.
Mas hoje é diferente.
Ainda sou do tempo em que
as denominações e igrejas tinham personalidade. As denominações eram poucas e
bastante homogêneas. Sabíamos que a Assembléia de Deus era pentecostal e usava
indumentária formal; os presbiterianos eram os melhores coristas que existiam;
os adventistas tinham uma fé estranha, numa profetiza semi-contemporânea, mas
tinham os melhores quartetos masculinos; os melhores solistas eram batistas,
etc. Nossas liturgias eram bastante diferentes: os conservadores eram formais,
seus cultos silenciosos, enquanto um orava, os outros diziam 'amém'. Já os
pentecostais oravam todos ao mesmo tempo e cantavam a Harpa Cristã. Nós nos
considerávamos irmãos, não há dúvida. Mas tínhamos personalidade.
Hoje tudo é
diferente.
E eu não sou velho! Isso
tudo não tem 30 anos ainda! Na década de 80, ser crente era ser assim!
Meu Deus,
como o mundo mudou! Como a chamada Igreja Evangélica se deteriorou! Hoje eu
sinto vergonha de ser considerado evangélico!
Hoje é moda ser crente, ou
melhor, "gospel". Você é artista pornò, mas é crente. Você é do forró
pé-de-serra, mas é crente. Você é ladrão, mas é crente. Você é homossexual
assumido, mas é crente. Não importa a profissão, o comportamento, a moral, a
índole, ser crente é apenas um detalhe. Aliás, dá cartaz ser crente: hoje muitos
cantores "viram crentes" pra vender seus cds encalhados, pois o
"povo de Deus" compra qualquer coisa. Não há diferença 'entre o santo e
o profano', 'o consagrado e o amaldiçoado', 'o lícito e o proibido', 'o justo e o
injusto'. Qualquer coisa serve. O púlpito pode ser uma prancha de surf, uma cama
de motel ou um palanque eleitoral; a forma não importa. Ser crente é apenas um
detalhe, uma simples nomenclatura religiosa.
Hoje os crentes tatuam as
suas peles, mesmo sabendo que a bíblia condena o uso de símbolos e marcas no
corpo de quem se consagra a Deus. Criamos nossos próprios símbolos, nossos
próprios estigmas e nossas próprias tribos.
Hoje há denominações que dão opções
de símbolos para que seus jovens se tatuem. O"piercing" deixou de ser
pecado, e passou a ser "fashion", e está pendurado na pele flácida de
roqueiros evangélicos e "levitas" das igrejas, maculando a pureza de
um corpo dedicado ao Deus libertador.
Mulheres há que enchem seus umbigos e
outras partes de pequenas ferragens, repletas de vaidade e erotismo mundano,
destruindo, assim, qualquer padrão cristão de consagração corporal. Meninos
tingem seus cabelos de laranja, e mocinhas destroem seus rostos com produtos,
pois agora todo mundo faz, e "Deus não olha a aparência". (Ainda bem,
pois se olhasse, teria ânsia de vômito...)
Hoje ir à igreja é como ir
ao mercado ou às barracas de feira e de artesanato: um evento efêmero, informal,
meramente turístico. Não há mais cuidado algum no trajo cultuante. Rapazes vão
de bermudas, calções (e,pasmem os senhores, de sungas!), até sem camisa, porque
Deus não é "bitolado, babaca ou retrógrado". Garotas usam suas
minissaias dos "rebeldes" e exibem umbigos cheios de
"piercings", estrelinhas e purpurinas pingando dos cabelos e roupas,
numa passarela contínua do modismo eclesiástico. Se alguém ainda vai
modestamente ao culto, seja jovem, seja velho, ou é "novo convertido",
ou é "beato". É típico encontrarmos pastores dizendo aos
"engravatados": "pra que isso, irmão? Vai fazer
exame laboratorial?" E, continuamente, vão demolindo qualquer alicerce
de reverência e solenidade para o ato do culto.
Hoje as nossas músicas
pouco falam de Cristo. Somos bitolados por um amontoado de "glórias",
"aleluias", "no trono", "te exaltamos", "o
teu poder", etc. Misturamos essas expressões, colocamos uma pitada de
emoções, imitamos os ícones dos megaeventos de louvores, e gravamos o nosso
próprio cd, que, de diferente, tem a capa e o timbre de algumas vozes, talvez
alguns instrumentos, mas, no mais, não passam de cópias das cópias das cópias.
E Jesus? Ah, quase nunca o mencionamos, e, quando o fazemos, não
apresentamos qualquer noção do que Ele é ou representa para o nosso louvor. Não
falamos mais que 'Ele é o caminho, a verdade e avida', não O apresentamos como 'Senhor e Salvador', não informamos ao ouvinte o que se deve fazer para tê-Lo
no coração, apenas citamos Seu nome ou dizemos 'um aleluia para Ele'.
Hoje, entrar em uma igreja
é como ter entrado em todas: é tudo igual. O mesmo sistema, as mesmas cantorias,
a seqüência de eventos, os rituais emocionais, as pregações da prosperidade, de
libertação de maldições ou de megassonhos "de Deus" (como se Deus
precisasse sonhar, como se fosse impotente ou dependente da vontade humana).
Transformamos nossas igrejas em filiais de uma matriz que não sabemos nem aonde
fica, mas que se representa nas comunidades da moda. Não há mais corais, não há
mais solistas, não há mais escolas dominicais fortes, não há mais denominações
com características sólidas, não há mais nada. Tudo é a mesma coisa: uma hora e
meia de"louvor", meia hora de "ofertas" e quinze minutos de
"pregação", ou meia hora de "palavra profética e
apostólica". Que desgraça!
Hoje trouxemos os ídolos
de volta aos templos: são castiçais, bandeiras de Israel, candelabros,
reproduções de peças do tabernáculo do velho testamento, bugigangas e
quinquilharias que vendemos, similares aos escapulários católicos que tanto
criticávamos. Hoje não nos atemos a uma cruz sem Cristo, simbólica apenas. Hoje
temos anjinhos, Moisés abrindo o Mar Vermelho, Cristo no sermão da Montanha.
O
que nos falta ainda? Nossas bíblias, para serem boas, têm que ser do
"Pastor fulano", com dicas de moda, culinária, negócios e guia
turístico. Hoje temos bíblias para mulheres, para homens, para crianças, para
jovens, para velhos, e até inventaram a bíblia gay. Não demora e vai surgir a bíblia erótica, a
bíblia do ladrão, a bíblia do desviado. Bíblias puras não prestam mais. E, mesmo
tendo essas bíblias direcionadas, QUASE NINGUÉM AS LÊ!
Trazemos rosas para
consagrar, rosas murchas para abençoar e virar incenso em casa, sal groso para
purificar, arruda para encantar, folhas de oliveira de Israel e água do Rio
Jordão (Tietê?) para abençoar, vara de Arão, de Moisés, e sabe lá de quem mais!
Voltamos às origens idólatras! Parece o povo de Israel, que, ao morrer um rei
justo, emporcalhavam o país com suas idolatrias e prostitutas cultuais. E se
alguém ousa ser autêntico, é taxado de retrógrado.
Com isso, surgem os
terríveis fundamentalistas, que abominam tudo, ou os neopentecostais, que são
capazes de transformar a igreja num circo, fazendo o povo rir sem parar ou
grunir como animais.
Meu Deus, o que será daqui
há alguns anos? Será que teremos que inventar um nome novo para ser evangélico à
moda antiga? Parece que batista, assembleiano, presbiteriano, luterano ou
metodista não define muita coisa mais!
Será que ainda haverá púlpitos que
prestem, pastores que pastoreiem, louvores que louvem a Deus? Será que seremos
obrigados a usar "piercing"para nos filiarmos a alguma igreja? Será
que nossos cultos serão naturistas? Será que ainda haverá Deus em nosso sistema
religioso?
É CLARO QUE HÁ EXCEÇÕES! E
eu bendigo a Deus porque tenho lutado para ser uma dessas exceções. É claro que
o meu querido leitor, pastor, louvador, membro de igreja, missionário, também
tem buscado ser exceção. Mas eu não podia deixar de denunciar essa bagunça toda,
esse frenesi maligno, esse 'fogo estranho no altar de Deus!'
Quando vejo colegas
cuspindo no povo, para abençoá-los, quando vejo pastores dizendo ao Espírito
Santo "pega! pega! pega!", como se fosse um cachorrinho, quando vejo
pastores arrancando miúdos de boi da barriga dos incautos doentes que a eles se
submetem, quando vejo um evangelho podre arrastando milhões, quando vejo colegas
cobrando dez mil reais mais o hotel, ou metade da oferta da noite, para pregar o Evangelho, então eu me humilho diante de Deus, e digo: "Senhor, me proteje,
não me deixa ser assim!"
Que Deus tenha misericórdia de
nós.
Pr. Wagner Antonio de Araújo
Impossível passar sem comentar um texto tão repleto de verdades. Me entreguei a Cristo em 1995, e hoje, 20 anos depois, não sei onde foi parar aquela igreja em que entrei e me senti um morador do inferno sentado entre homens e mulheres habitados pelo Santíssimo Deus. Constrangido pela santidade do ambiente emanando uma reverencia profunda, compelido pelo Espírito que com liberdade ali operava, entreguei-me ao SENHOR. Onde está aquela igreja? Não sei! Mas guardo todo aquele ensinamento, pois a despeito de todo o 'oba oba' gospel moderno, creio que ainda é aquela a Mensagem que me conduzirá ao Céu. Deus abençoe! Ev. Márcio Santos.
ResponderExcluirÉ verdade bo
ResponderExcluirns tempos aqueles