06 dezembro 2011

NEGAR: TERRÍVEL PALAVRA É O “NÃO”


       Terrível palavra é um “não”. Em latim, ela expressa de maneira mais clara o quanto é terrível: Non. Não tem direito nem avesso. Por qualquer lado que a tomemos, sempre soa e diz o mesmo. Caso a leiamos do princípio para o fim ou do fim para o princípio, sempre é non (não).   
 
     Quando a vara de Moisés se transformou naquela serpente tão feroz que ele fugiu dela para que ela não o mordesse (Ex 4.3), o Senhor disse a Moisés que a pegasse pela cauda; ele a pegou, e imediatamente a serpente perdeu a sua ferocidade, a sua peçonha, a sua figura de serpente, e voltou a ser vara (v. 4).      
     O non (não) não é assim. Porque por qualquer parte que você o considerar, sempre é serpente, sempre morde, sempre fere, sempre leva o veneno consigo. Mata a esperança, que é o último remédio que a natureza deixou para todos os males.
       Não há corretivo que o modere, nem arte que o abrande, nem lisonja que o adoce. Por mais que coloquemos açúcar sobre ele para disfarçá-lo, um “não” sempre amarga; por mais que o enfeitemos, sempre é feio; por mais que o douremos, sempre é de ferro. Em nenhuma música o podemos colocar que ele não se mostre malsoante, áspero e duro.
     Uma antiga tradução hebraica de 1Rs 2.16, que registra um pedido que Bate-Seba viera fazer ao seu filho e rei Salomão em nome de Adonias, e é comumente traduzida como: “Assim que agora uma só petição te faço; não ma rejeites”, nessa antiga tradução aparece como: “não me envergonhes a face”.      E por que se chama “envergonhar a face” negar o que se pede? Porque dizer não a quem pede é dar-lhe uma bofetada com a língua. Tão dura, tão áspera, tão injuriosa palavra é um “não”. Para a necessidade, dura; para a honra, afrontosa; para o merecimento, insuportável.
 
O SENHOR PREFERIU PARAR DE NEGOCIAR COM ABRAÃO A TER DE DIZER-LHE UM “NÃO”

     E se um “não” é tão duro para quem o ouve, creio que não é menor a sua dureza para quem o diz. E será tanto mais duro quanto mais generoso for o coração, e mais soberano o ânimo de quem o houver de pronunciar.
 Dos três anjos que apareceram a Abraão no vale de Manre, os dois que representavam ministros partiram para executar o castigo nas cidades, a começar por Sodoma, e o terceiro ou primeiro que representava a Deus, ficou com Abraão.
    E pelo fato de estar só com Deus ser o melhor momento para negociar com Ele, o patriarca animou-se a pedir a revogação da sentença. Abraão disse assim (Gn 18.24-33):
     “Se porventura houver cinquenta justos na cidade, destruirás também, e não pouparás o lugar por causa dos cinquenta justos que estão dentro dela? Longe de ti que faças tal coisa, que mates o justo com o ímpio; que o justo seja como o ímpio, longe de ti. Não faria justiça o Juiz de toda a terra? Então disse o Senhor: Se eu em Sodoma achar cinquenta justos dentro da cidade, pouparei a todo o lugar por amor deles. E respondeu Abraão dizendo: Eis que agora me atrevi a falar ao Senhor, ainda que sou pó e cinza. Se porventura de cinquenta justos faltarem cinco, destruirás por aqueles cinco toda a cidade? E disse: Não a destruirei, se eu achar ali quarenta e cinco. E continuou ainda a falar-lhe, e disse: Se porventura se acharem ali quarenta? E disse: Não o farei por amor dos quarenta. Disse mais: Ora, não se ire o Senhor, se eu ainda falar: Se porventura se acharem ali trinta? E disse: Não o farei se achar ali trinta. E disse: Eis que agora me atrevi a falar ao Senhor: Se porventura se acharem ali vinte? E disse: Não a destruirei por amor dos vinte. Disse mais: Ora, não se ire o Senhor, que ainda só mais esta vez falo: Se porventura se acharem ali dez? E disse: Não a destruirei por amor dos dez. E retirou-se o Senhor, quando acabou de falar a Abraão; e Abraão tornou-se ao seu lugar.”
     Notável despedida! O anjo não aguardou que Abraão insistisse mais ou rogasse por menos justos. A submissão e a santa reverência com que Abraão insistia e passava de um pedido a outro são admiráveis e digníssimas de que todos as leiam, e fizeram com que o anjo só para ouvi-las se detivesse na companhia de Abraão.
     Pois se tinha aguardado não só com paciência mas com particular agrado, desde a primeira instância até à sexta, por que não esperou a sétima, e se retirou tão súbita e inesperadamente? Para não ser forçado a dizer um “não”.
     Certamente a missão que o anjo trazia estava alicerçada em dois decretos: um condicional, outro absoluto. O condicional era que se nas cidades houvesse até dez justos, o castigo fosse suspenso. O absoluto era que se existissem menos de dez, o castigo fosse executado e as cidades destruídas pelo fogo.
     E como o anjo, que diante das seis petições de Abraão tão benevolamente tinha sempre dito sim, caso Abraão continuasse e insistisse com a sétima, seria forçado a dizer não, para não ter que pronunciar essa duríssima palavra, desapareceu.
       Naquelas cidades não havia mais que quatro pessoas que poderiam ser consideradas justas, compostas de Ló, a esposa e as duas filhas, sua família. Portanto, menos de dez pessoas.
     E para que o anjo não tivesse o dissabor de pronunciar essa palavra tão dura a Abraão, nem ele o desgosto de a ouvir, o representante do Senhor resolveu fugir e desaparecer. Tudo para não ter que pronunciar diante do amigo de Deus a palavra “não”.
       (A. V. Serm. Terc. Quar-Feir. Quar. Cap. Real 1670)
       Jefferson Magno Costa

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