"A 'fé evangélica', em grande parte, é composta do 'tipo
moreno', ou 'brasileiro', que vem sendo visto com crescente horror pela gente
bem do Brasil"
Por J.R.
Guzzo - VEJA 4/10/2017
Quem é contra a liberdade de religião no Brasil? Mais gente
do que você pensa, com toda a certeza, embora quase ninguém vá dizer isso em
público, é claro — provavelmente não dirá nem mesmo no anonimato de uma
pesquisa de opinião. Mas é preciso ser realmente muito bobo, ou muito
hipócrita, para achar que está tudo em ordem com a liberdade religiosa no
Brasil quando as nossas classes mais altas, que também se consideram as mais
civilizadas, sentem tanto desprezo, irritação e antipatia pela religião que
mais cresce no país. Trata-se da “fé evangélica”, como se chama, para
simplificar, a vasta constelação de igrejas, seitas e cultos de origem
protestante que nas estatísticas já reúnem um terço da população brasileira — e
na vida real podem estar além disso. Esse povo, em grande parte do “tipo
moreno”, ou “brasileiro”, vem sendo visto com horror crescente pela gente bem
do Brasil. Sabe-se quem são: os mais ricos, mais instruídos, mais viajados,
mais capacitados a discutir política, cultura e temas nacionais. São geralmente
descritos como esclarecidos, liberais, intelectuais, modernos, politizados,
sofisticados e portadores de diversas outras virtudes. Toda a esquerda
nacional, por definição, está aí dentro. Também estão todos os que são de
direita ou de centro — desde que não se misturem com o povo brasileiro.
Nada é tão fácil de perceber quanto um preconceito que se
pretende bem disfarçado. Os meios de comunicação, por exemplo, raramente
conseguem escrever ou dizer a palavra “evangélico” sem colocar por perto alguma
coisa que signifique “ameaça”, “medo” ou “perigo”. Fala-se de maneira quase
sempre alarmante da “bancada evangélica” na Câmara dos Deputados — como se os
parlamentares ligados às igrejas formassem um corpo estranho, infiltrados ali
por alguma conspiração não explicada. São tratados como uma coisa só — e ruim.
Fala-se do “risco” de aumento da bancada evangélica nas próximas eleições. Há
um escândalo permanente no Brasil de “primeiro mundo” diante de suas posições
em matéria de família, sexo, crime, polícia, drogas, educação, moral,
propriedade privada e mais umas trezentas outras coisas. Os evangélicos são
vistos ali como retrógrados, reacionários, repressores, fascistas e inimigos da
democracia. Já foram condenados como machistas, homofóbicos e fanáticos.
Defendem a “cura gay”. São a “extrema direita”. Estão definitivamente fora do
“campo progressista”.
Naturalmente, argumenta-se que essa condenação universal não
tem nada a ver com religião; se os evangélicos pensassem o contrário do que
pensam em cada uma das questões aqui citadas, por exemplo, não haveria nenhuma
objeção e a população estaria liberada pelas classes intelectuais para rezar
nas Assembleias de Deus, na Catedral da Bênção ou nas Igrejas do Evangelho
Quadrangular. Ou seja: o problema dos evangélicos está nas suas convicções como
cidadãos. No fundo, é a mesma história de sempre. O que atrapalha o Brasil, na
visão das pessoas que se consideram capacitadas a pensar, são os brasileiros. O
povo brasileiro, de fato, é muitas vezes inconveniente — principalmente quando
vota. Os intelectuais, preocupados, lamentam o crescimento da bancada
evangélica — mas raramente se lembram de que ela só cresce porque cresce o
número de eleitores evangélicos. Pode ser uma pena, mas toda essa massa de
gente que vai ao templo é formada por brasileiros que têm direito de votar,
votam em quem quiserem, e o seu voto, infelizmente para a sensibilidade da
elite, vale tanto quanto o voto dos pais que colocam seus filhos no Colégio
Santa Cruz.
Há muita indignação, também, com a escroqueria aberta,
comprovada e impune que é praticada há anos em tantos cultos evangélicos
espalhados pelo Brasil afora. É um problema real. Pastores, bispos e outros
peixes graúdos tomam dinheiro dos fiéis, sob a forma de donativos, em troca de
ofertas a que obviamente não podem atender: desaparecimento de dívidas,
expulsão de demônios, cura de doenças, enriquecimento rápido, eliminação do
alcoolismo, dependência de drogas e outros vícios — enfim, qualquer milagre que
possa ser negociado. Diversas igrejas se transformaram em organizações
milionárias, e muitos dos seus líderes são charlatães notórios — alguns deles,
aliás, já chegaram a ser presos por delitos variados em viagens ao exterior.
Estão acima do Código Penal e da Lei das Contravenções em matéria de fraude,
trapaça e quaisquer outras formas de estelionato que seus advogados consigam
descrever como atividade religiosa; não podem ser investigados ou processados
por enganar o público, pois são protegidos pela liberdade de culto. São o joio
no meio do trigo, e há tanto joio nas igrejas evangélicas que fica difícil,
muitas vezes, achar o trigo.
Ninguém realmente sabe o que fazer de prático a respeito
disso. É possível separar religião de vigarice? Possível, é — pensando bem, é
perfeitamente possível. O impossível é escrever leis que resolvam o problema de
maneira eficaz, racional e coerente com a democracia. Não se conhece nenhum
regulamento capaz de distinguir donativos bons de donativos ruins — pois o foco
da infecção está aí, no tráfego de dinheiro do bolso dos fiéis para o caixa das
igrejas. Como proibir alguns e permitir outros, sem abrir uma discussão que vai
durar até o dia do Juízo Final? Ao mesmo tempo, sabe-se quanto é inútil baixar
decretos que obriguem as pessoas a ser espertas, da mesma forma que não dá para
obrigá-las a ser felizes. O que fazer se o cidadão acredita que vai ficar rico,
ou obter algum prodígio parecido, pagando o seu dízimo ao pastor? Os postes das
cidades brasileiras também estão cobertos de cartazes com promessas de
benefícios do tarô, dos búzios, da “amarração” garantida — isso para não falar
da cura da calvície, do emagrecimento em sete dias e da eliminação de multas de
trânsito. Na melhor das hipóteses, é propaganda 100% enganosa, mas fica assim
mesmo — e talvez seja bom que fique, pois imagine-se o que acabaria saindo se
nossos poderes públicos tentassem se meter nisso.
É um desapontamento, sem dúvida — e as cabeças corretas
deste país ficam impacientes com a frustração de ver os cultos evangélicos
crescendo, enquanto em Nova York e no resto do mundo bem-sucedido as pessoas
vão a concertos de orquestras sinfônicas e não admitem a circulação de
preconceitos. Não podem exigir que os evangélicos sejam proibidos de existir;
secretamente, bem que gostariam que eles sumissem por conta própria, mas essa
não é opção disponível na vida real. Fazer o quê? Propor, por exemplo, uma
comissão de filósofos da OAB, CNBB e organizações de direitos humanos, nomeada
pela Mesa do Senado Federal, para separar as religiões legítimas das
ilegítimas? É duro, mas o fato é que, num momento em que apoiar a diversidade
passou a ser a maior virtude que um cidadão pode ter, fica complicado sustentar
que no caso dos evangélicos a diversidade não se aplica. Não há outro jeito. Se
você defende a “arte incômoda”, digamos, tem de estar preparado para conviver
com a “religião incômoda”. Em todo caso, para quem não gosta dessas realidades,
é bom saber que os evangélicos, muito provavelmente, são um problema sem
solução.
COMENTÁRIO DE ASAPH BORBA
Hoje li o artigo “Essa Gente Incômoda”, de J. R. Guzzo,
publicado na revista VEJA (4/10/2017), que expõe sua preocupação crítica acerca
do crescimento dos evangélicos no Brasil.
Em primeiro lugar, como evangélico e jornalista, quero dizer que o artigo é
muito mal escrito, pois é confuso em sua abordagem e, comete erros básicos,
como se referir ao público em questão com termos discriminatórios de raça e cor
e ainda com uma conotação pejorativa. “Esse povo em grande parte do ‘tipo
moreno’ ou ‘brasileiro’ vem sendo visto com horror crescente pela gente (de)
bem do Brasil”, afirma Guzzo, que, no decorrer de sua análise, ainda acrescenta
outros adjetivos, tais como, “religião incômoda” e “problema sem
solução”.
Em segundo lugar, o articulista não deixa claro quais são as pessoas de bem a
quem os evangélicos tanto perturbam. Fico livre, então, para imaginar quem
seriam esses baluartes da honestidade e da intelectualidade que estão
perturbados pelo aumento da fé evangélica. Quem são os políticos preocupados
com o aumento da bancada evangélica? Essa gente “de bem”, por certo, deve ser a
elite que cuida e direciona a educação e a cultura brasileira e quer impor
goela abaixo da população suas práticas liberais, contrárias à Palavra de Deus,
e que não são defendidas pelos evangélicos. Ou, talvez, fazem parte da máquina
ideológica que governou e saqueou o Brasil, não apenas moralmente, mas também
economicamente, nos últimos anos. Talvez, os expoentes culturais brasileiros
citados, que estão tão perturbados com os evangélicos, sejam os mesmos que não
se importam com uma menina de 5 anos interagindo com um homem nu em uma
exposição pública.
Essa elite, que segundo Guzzo, se preocupa com as contribuições feitas às
igrejas, deve ser a mesma gente de bem que se encontra lá no Congresso
Nacional, compactuando em silêncio com os benefícios que a roubalheira lhes
traz e que hoje sangram a nação. Desde o Mensalão, essa elite pensante, faz
muito pouco pela nação pois, por certo, tem preocupações maiores: o crescimento
dos evangélicos.
O artigo ignora por completo os muitos benefícios que o evangelho traz à
sociedade. Principalmente quando se vê que está nas mãos desse segmento o maior
número de casas de recuperação de drogados, que tem um alto índice de
recuperação, (entre os quais eu me incluo). Alguém tem dúvidas do significativo
trabalho dos evangélicos no atendimento de presidiários, de idosos, de crianças
e de refugiados?
Agora, os intelectuais citados no artigo, que se preocupam com o crescimento da
bancada evangélica, têm razão de se preocuparem mesmo, pois a bancada
evangélica permanece firme em defender a moral, a fé, a família e os valores de
honestidade e integridade que estão desaparecendo no Brasil. Parece-me que o
autor não leva em conta esses valores.
Entretanto, a miopia do artigo sobre o assunto amplia-se quando o autor
declara: “São o joio no meio do trigo. Há tanto joio nas igrejas evangélicas
que fica difícil, muitas vezes achar o trigo”. Essa afirmação, por certo,
revela o total desconhecimento sobre o que realmente é a fé e quem são os
crentes e os seus pastores. Como em todo segmento, religioso ou não, existem
pessoas com distorções de caráter e atitudes, mas não se pode afirmar que a
maioria das pessoas e líderes das igrejas, que hoje representam quase um terço
da população nacional, são joio. Além de ser um julgamento irresponsável, o
escritor ignora os milhares de pastores íntegros e pobres, espalhados por todo
o Brasil, que realizam a tarefa diária de pastorear, visitar, aconselhar,
proteger, alimentar, vestir, amparar, orar, libertar, apoiar e ensinar milhões
de pessoas. Sem falar das escolas evangélicas que há mais de cem anos prestam
um serviço de educação pública de qualidade em todo o país.
O que se pode concluir ao analisar esse artigo é que o joio pode ser encontrado
também no meio jornalístico!
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