TEXTO ÁUREO
“Porque o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas
justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo” (Rm 14.17)
VERDADE PRÁTICA
Os crentes mais maduros não devem agir egoisticamente, mas
precisam atuar como modelo para os mais fracos.
LEITURA BÍBLICA EM CLASSE
Romanos 14.1-6
INTRODUÇÃO
Estudaremos nesta Aula os capítulos 14 e 15 da Epístola aos
romanos. Em Romanos 12, o apóstolo Paulo abordou nosso relacionamento com Deus
(Rm 12:1,2), com nós mesmos (Rm 12:3-8), com nossos irmãos (Rm 12:9-16) e com
nossos inimigos (Rm 12:17-21); no capítulo 13, ele trata do relacionamento com
as autoridades constituídas (Rm 13:1-7) e com a lei (Rm 13:8-10); nos capítulos
14 e 15, Paulo trata do intrincado problema do relacionamento entre irmãos na
fé que pensam de forma diferente em algumas questões espirituais. Paulo
classifica esses irmãos em dois grupos distintos: os fortes e os fracos na fé.
Ambos eram crentes em Cristo e ambos eram salvos por Cristo. Embora esses dois
grupos pertencessem à família de Deus e participassem da mesma igreja, não
estavam de acordo acerca de alguns pontos da vida cristã como comida, bebida e
dias sagrados. Segundo John Stott, os fracos seriam, em sua maioria, cristãos
judeus, cuja “fraqueza” consistia no fato de permanecerem, de sã consciência,
comprometidos com as regras judaicas concernentes a dieta e dias religiosos. Ou
seja, eles continuavam observando as normas alimentares do Antigo Testamento,
comendo apenas coisas previstas na Torá (Rm 14:14,20). Quanto aos dias
especiais, observavam tanto o sábado como os festivais judaicos. A atitude
conciliatória de Paulo com relação aos “fracos” (não permitindo que os ”fortes”
os desprezem, intimidem, condenem ou prejudiquem) manifesta-se também no fato
de ter respeitado o decreto do Concílio de Jerusalém, que fora designado
justamente para controlar os “fortes” e salvaguardar a consciência dos
“fracos”. Paulo buscava um ponto de equilíbrio a fim de que a obra de Cristo
não sofresse nenhum dano.
I. UMA IGREJA HETEROGÊNEA (Rm 14:1-12)
1. A natureza da Igreja. O grande triunfo da igreja é ser
chamada de Corpo de Cristo, ser alicerçada na sua ressurreição e,
principalmente, fazer parte de uma unidade homogênea. Embora constituída por
pessoas de grupos diferentes, ela una e indivisível, ela forma um só corpo, o
Corpo de Cristo (1Co 12:27a); ela é chamada de “a universal assembleia e igreja
dos primogênitos, que estão inscritos nos céus” (Hb 12:23a). Portanto, não há
judeus e nem gentios, mas a Igreja de Jesus Cristo. Desta feita, os crentes
judeus e gentios em Roma deveriam se conscientizar de que problemas de natureza
local não poderiam sobrepor-se à universalidade da Igreja. Essa exortação é
atemporal.
Ao iniciar o capítulo 14, Paulo dá-nos conta de que, na
igreja do Senhor, existem os “enfermos na fé”, os “fracos”, ou seja, as pessoas
se diferenciam na igreja não só pela função que tenham, mas, também, pelo seu
nível de espiritualidade. Há pessoas que estão mais elevadas do que outras no
seu relacionamento com Deus.
A vida espiritual exige o crescimento, o progresso do indivíduo
e, como nem todos crescem de igual modo e na mesma velocidade na vida material,
o mesmo se dá em relação ao relacionamento com Deus. Há, portanto, aqueles que
crescem mais do que os outros espiritualmente, crescimento este que, ao
contrário do crescimento na vida física, não está relacionado com o tempo, vez
que se trata de um relacionamento com Deus, que está fora da dimensão temporal.
Paulo admite a existência destes diferentes níveis de
espiritualidade, que são diferenças que nada têm que ver com a salvação, pois,
lembremos, o crescimento é um fato que ocorre após o nascimento, ou seja, só
cabe falar sobre diferentes níveis de crescimento depois que a pessoa nasceu,
ou seja, o apóstolo está a falar de pessoas salvas, justificadas pela fé em
Cristo. Tanto assim é que, em Romanos 14, em mais de uma oportunidade na sua
argumentação, Paulo mostra claramente que tanto os “fracos” quanto os “fortes”
são salvos e servem a Deus.
Portanto, a primeira nota do relacionamento entre os
cristãos é a inclusão, ou seja, um comportamento que busca trazer a pessoa para
o grupo, que procura integrar a pessoa, fazê-la se sentir participante e
integrante da igreja local, ainda que ela apresente uma espiritualidade débil,
fraca, ainda que seja um “menino em Cristo” ou alguém que “mesmo devendo já ser
mestre pelo tempo, ainda necessite de que se torne a ensiná-lo quais sejam os
primeiros rudimentos das palavras de Deus”. Lamentavelmente, o que se verifica,
nos nossos dias, é que raramente se tem este comportamento inclusivista.
2. Os fracos na fé. Quem eram os crentes fracos? É consenso
geral que os crentes chamados fracos eram oriundos das fileiras do judaísmo, os
quais, embora tivessem depositado sua fé em Cristo, ainda viviam comprometidos
com as regras judaicas concernentes à dieta (Rm 14:6,14,20) e aos dias
religiosos (Rm 14:5). Não tinham plena compreensão de que esses ritos
dietéticos e focados em calendários religiosos eram meras sombras do evangelho
de Cristo, aos quais pela obra expiatória do Filho de Deus estavam desobrigados
de cumprir. A deficiência de conhecimento os tornou crentes julgadores,
carregados de muitos escrúpulos. Além de observar os ritos relacionados ao
culto judaico, eles queriam que os gentios convertidos fizessem o mesmo.
Situações semelhantes ocorreram com os crentes de Corinto (1Co 8:1-13), da
região da Galácia e Colossos. Aos dois grupos de crentes de Roma – judeus e
gentios -, Paulo recomendou que agissem com amor e respeito mútuo. Na
recomendação de Paulo podemos ver três princípios fundamentais.
- O primeiro princípio é da tolerância. O que é tolerância?
É qualidade de quem é tolerante. Mas o que é ser tolerante? É aquela pessoa que
sabe respeitar as opiniões contrárias à sua; é aquela pessoa que sabe desculpar
as falhas, ou fraquezas de seus semelhantes. Para nós tolerância tem o sentido
de suportar, ter paciência, tolerar as falhas daqueles irmãos que, por diversas
razões, ainda não chegaram a uma compreensão do que é a vida cristã e como ela
deve ser vivida. Em sendo assim, e assim é, podemos resumir em uma única
palavra a condição para que um crente seja tolerante: ser cheio do Espírito
Santo.
Os cristãos podem ter comunhão mesmo sem concordar sobre
questões não essenciais. É o que Paulo recomenda em Rm 14:1: “Ora, quanto ao
que está enfermo na fé, recebei-o, não em contendas sobre dúvidas”. O irmão que
desfruta plenamente a liberdade cristã crê, com base nos ensinamentos do Novo
Testamento, que todos os alimentos são puros, pois são santificados pela
Palavra de Deus e pela oração (1Tm 4:4,5). O irmão com consciência fraca pode
ter receio de comer carne de porco ou qualquer outra carne. Pode ser
vegetariano. É o que o apóstolo Paulo diz em Romanos 14:3: “Porque um crê que
de tudo se pode comer, e outro, que é fraco, come legumes”.
- O segundo princípio é o da aceitação mútua. O cristão
maduro não deve desprezar seu irmão mais fraco. O irmão mais fraco não deve
considerar pecado quem come presunto, camarão, lagosta ou carne e porco. Deus o
acolheu; portanto, ele é membro legítimo da família de Deus. É o que Paulo diz
em Romanos 14:3: “O que come não despreze o que não come; e o que não come não
julgue o que come; porque Deus o recebeu por seu”. Aqui, Paulo mostra o ponto
de equilíbrio – o respeito pelas convicções de cada um. Paulo não entra em
juízo de valor, decidindo por um dos lados. Mas procura mostrar que acima de
tudo a lei do amor fraternal deve imperar nesses casos. O que comia carne não
deveria desprezar o que não comia e o que não comia carne também não deveria
desprezar o que comia.
- O terceiro princípio é do acolhimento dos irmãos e não de
julgamento – “Quem és tu que julgas o servo alheio? Para seu próprio senhor ele
está em pé ou cai; mas estará firme, porque poderoso é Deus para o firmar”(Rm
14:4). De acordo com este princípio todo cristão nascido de novo é servo do
Senhor, e não temos direito de julgá-lo como se fôssemos seus senhores. O
crente precisa discernir o certo do errado; precisa distinguir entre os falsos
profetas e aqueles que trazem o fiel ensino do Senhor. Contudo, Paulo condena a
atitude de julgar um irmão, um servo de Cristo, por este ter uma opinião
diferente acerca de assuntos secundários como dieta e calendário religioso.
Nosso papel na igreja não é nos assentarmos na cadeira de juiz para julgar os
irmãos, mas acolhê-los em amor.
Paulo mostra que o objetivo do acolhimento dos mais fracos é
o fortalecimento na fé - “... porque poderoso é Deus para o firmar”. O problema
é que uma acolhida sem a instrução trará como resultado final o mesmo que a
rejeição: a destruição espiritual da pessoa, pois o povo de Deus é destruído
quando lhe falta conhecimento (Oséias 4:6). Infelizmente, muitas igrejas locais,
hoje em dia, até superam o obstáculo da rejeição, acolhendo afetuosamente os
fracos na fé que chegam a elas, mas não completam o comportamento inclusivista,
deixando de dar a devida instrução ao fraco, para que ele se fortaleça, e o
resultado disto é a presença cada vez maior de crentes que, apesar do “tempo de
casa”, não conseguem se desprender dos rudimentos doutrinários, precisamente o
estado espiritual denunciado e reprovado pelo escritor aos hebreus (Hb
5:12-14).
3. Os fortes na fé. Quem eram os crentes fortes? Eram
aqueles crentes, judeus ou gentios que, convertidos a Cristo, haviam
compreendido com mais clareza a liberdade cristã, desvencilhando-se dessa forma
dos escrúpulos dos rituais judaicos com respeito à dieta e ao calendário
religioso. Os crentes fortes eram a maioria da igreja de Roma, e Paulo com eles
se identificava (Rm 15:1). Embora Paulo deixe claro que acredita que a posição
dos fortes está certa (Rm 14:14,20), estes não tinham o direito de desprezar os
crentes fracos, mas deviam acolhê-los.
II. UMA IGREJA TOLERANTE (Rm 14:13-23)
1. A lei da liberdade. O crente não deve ser pedra de
tropeço no caminho do irmão em Cristo. Devemos amá-lo como ele é. Não se deve
fazer julgamento precipitado, fazendo juízo de valor sobre ele, acusando-o de
estar em pecado, tomando como base nossas crenças e convicções. Deve-se
respeitar a lei da liberdade em Cristo Jesus. Paulo diz “... que cada um de nós
dará conta de si mesmo a Deus” (Rm 14:12). Em vez de julgarmos nossos irmãos em
Cristo quanto a questões moralmente indiferentes, deveríamos tomar o propósito
de jamais fazer algo que atrapalhe um irmão em seu progresso espiritual. Paulo
é bem explícito sobre isso em Romanos 14:13: “Assim que não nos julguemos mais
uns aos outros; antes, seja o vosso propósito não pôr tropeço ou escândalo ao
irmão”. Aqui, Paulo mostra que em vez de ser um tropeço no caminho uns dos
outros, gerando problemas na igreja e escândalos fora dela, os cristãos
deveriam cuidar e amar uns aos outros.
Paulo sabia, como nós também sabemos, que não há mais
alimentos cerimonialmente impuros como havia para os judeus que viviam debaixo
da lei. Disse ele: “Eu sei e estou certo, no Senhor Jesus, que nenhuma coisa é
de si mesma imunda, a não ser para aquele que a tem por imunda; para esse é imunda”
(Rm 4:14). O alimento que ingerimos é santificado pela palavra de Deus e pela
oração (1Tm 4:5). É santificado pela oração quando pedimos que Deus o abençoe
para sua glória e o fortalecimento de nosso corpo a seu serviço. Se, porém, um
irmão fraco na fé acredita que é errado consumir carne de porco, por exemplo,
então é errado. Se ele comer carne de porco, estará agindo contrariamente à
consciência que Deus lhe deu.
Observe, porém, com atenção o argumento: “... nenhuma coisa
é de si mesma imunda...”. Devemos entender, aqui, que Paulo está se referindo
apenas a essas questões indiferentes. Muitas coisas na vida são impuras, como
revistas, sites e filmes pornográficos, piadas sujas e toda espécie de
imoralidade. A Graça de Deus nos justificou, abolindo o domínio do pecado e
fazendo-nos livres em Cristo. Mas, não devemos confundir liberdade em Cristo
com libertinagem (antinomismo). A liberdade em Cristo deve ser tratada com
responsabilidade. Foi o que o apóstolo Paulo disse aos em Gálatas: “Porque vós,
irmãos, fostes chamados à liberdade. Não useis, então, da liberdade para dar
ocasião à carne...” (Gl 5:13). Portanto, a declaração de Paulo deve ser
entendida dentro do seu contexto. Os cristãos não se contaminam cerimonialmente
ao ingerir alimentos declarados impuros pela lei de Moisés.
2. A lei do amor. Veja a expressão de Paulo em Romanos
14:15: “Mas, se por causa da comida se contrista teu irmão, já não andas
conforme o amor. Não destruas por causa da tua comida aquele por quem Cristo
morreu”. Aqui, Paulo está dizendo para os crentes que o amor fraternal, e não
suas convicções dietéticas, deve ser o vetor de suas ações.
Quando um crente forte na fé faz uma refeição com um irmão
mais fraco na fé, deve insistir em seu direito legítimo de comer carne de porco
ou lagosta, mesmo sabendo que ele considera errado consumir esses alimentos? Se
esse crente o fizer, não estará agindo segundo o amor, pois o amor pensa nos
outros, e não em si mesmo. O amor abre mão do direito legítimo em benefício de
um irmão. Um prato de comida não é tão importante quanto o bem-estar espiritual
de alguém “por quem Cristo morreu”. Se, no entanto, o crente considera forte
agir de forma egoísta, ele pode causar danos irreparáveis à vida do irmão
considerado fraco na fé. Quando lembramos que a alma do nosso irmão foi
comprada por um preço tão alto, isto é, o sangue precioso do Cordeiro de Deus,
vemos que não vale a pena impor nossos direitos. Falando sobre a atitude do
crente considerado forte em relação ao fraco, John Stott escreve:
“Se Cristo o amou a ponto de morrer por ele, por que não
podemos amá-lo o suficiente para controlar-nos, evitando magoar a sua
consciência? Se Cristo se sacrificou por seu bem-estar, que direito temos nós
de prejudicá-lo? Se Cristo morreu para salvá-lo, não nos importa se vamos
destruí-lo?”.
Entretanto, é bom ressaltar que, quando o crente,
considerado fraco na fé, supervaloriza a dieta alimentar pensando que abster-se
de certos alimentos o torna mais aceitável a Deus, comete um grande equívoco,
uma vez que “o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e
alegria no Espírito Santo” (Rm 14:17). No reino de Deus, o que importa, de
fato, não são as leis alimentares, mas as realidades espirituais. Viver um
cristianismo legalista é inverter as prioridades, é colocar as coisas de
ponta-cabeça, é deixar de buscar as primeiras coisas primeiro.
3. A lei da espiritualidade. Paulo conclui seu argumento
mostrando o modelo de espiritualidade que deve conduzir tanto os crentes
considerados fortes como os fracos na fé. Diz ele: “Tens tu fé? Tem-na em ti
mesmo diante de Deus. Bem-aventurado aquele que não se condena a si mesmo
naquilo que aprova. Mas aquele que tem dúvidas, se come, está condenado, porque
não come por fé; e tudo o que não é de fé é pecado” (Rm 14:22,23).
Aqui, Paulo distingue entre o crer e o agir, entre convicção
pessoal e a conduta em público. O crente precisa ser consistente para não falar
uma coisa e fazer outra, não manter uma convicção e agir na contramão dessa
convicção. Hernandes Dias Lopes argumenta que se um crente fraco, prisioneiro
de seus escrúpulos, come carne contra suas convicções para agradar os crentes
fortes, nisso está pecando, porque essa conduta não procede de fé.
Para o irmão mais fraco, é errado comer o que sua consciência
não aprova. No caso dele, o consumo desse alimento não provém da fé, sendo,
portanto, contrário à sua consciência. Todo ato que viola a consciência é
pecado. Como diz Paulo: “e tudo o que não é de fé é pecado”. Isto significa que
tudo o que não é feito com convicção de que está de acordo com a vontade de
Deus é pecaminoso, embora possa ser em si mesmo certo. Este ensino aplica-se
não apenas a alimentos, mas a tudo. Se alguém estiver convencido de que algo é
contrário à lei de Deus, e apesar disso a praticar, é culpado diante de Deus,
embora a coisa em si seja lícita.
É bom desfrutar plenamente a liberdade cristã e viver sem
escrúpulos infundados. Mas é melhor abrir mão de direitos legítimos que ter de
condenar a si mesmo por escandalizar outros. Bem-aventurado é aquele que evita
ser tropeço para outros (Rm 14:22).
III. UMA IGREJA ACOLHEDORA (Rm 15:1-13)
Neste tópico estudaremos o capítulo 15. Aqui, Paulo continua
a discussão do capítulo 14 sobre como os crentes devem se relacionar entre si,
especialmente quando existem desacordos sobre assuntos formadores de opinião.
Não há dúvida de que a variedade de opiniões sobre muitos assuntos estará bem
representada em qualquer igreja local, e a igreja em Roma não era uma exceção.
Paulo usa os termos “forte” e “fraco” para descrever os crentes. Os crentes
“fortes” são aqueles que entendiam sua liberdade em Cristo e são sensíveis às
preocupações dos outros. Eles entendem que a verdadeira obediência vem do
coração e da consciência de cada indivíduo. Os crentes “fracos” são aqueles
cuja fé ainda não amadureceu a ponto de se livrarem de certos rituais e
tradições. Os crentes “fortes” podem operar numa variedade de situações e
exercer uma boa influência para o bem, enquanto os “fracos” percebem que devem
se manter afastados de certas situações a fim de manterem a consciência limpa.
Mas ambos ainda são crentes e ambos estão procurando servir a Deus (Comentário
do Novo Testamento – Aplicação Pessoal).
1. O exemplo dos cristãos maduros (Rm 15:1,2). Cristãos
maduros são aqueles que são convictos de sua fé; nada o abala; nada o tira do
Caminho; é resiliente (Rm 8:35,36). São exemplos daqueles considerados fracos
na fé, ou seja, daqueles que não saíram ainda dos rudimentos da fé (Hb 6:1,2).
O crente maduro deve agradar aos irmãos na fé, e não a si
mesmo (Rm 15:1,2) - “Mas nós que somos fortes devemos suportar as fraquezas dos
fracos e não agradar a nós mesmos. Portanto, cada um de nós agrade ao seu
próximo no que é bom para edificação”.
O cristão maduro, isto é, o cristão forte, por possuir uma
fé mais substancial, deve servir de exemplo para aqueles que ainda não
alcançaram esse nível de maturidade. Nunca deve ser egoísta, mas deve estar
preocupado com o bem-estar da pessoa mais fraca que está ao seu lado na igreja.
A atitude de agradar aos outros deve ser tomada com um objetivo em mente:
encorajar e edificar o outro crente na fé.
Existe uma linha muito tênue em nosso caminho, e o mais
forte não deve forçar o mais fraco a mudar de posição antes que este esteja
pronto, nem deve servir de instrumento aos escrúpulos dos mais fracos
permitindo que estes se tornem regulamentos da igreja. Ao invés disto, os
crentes mais fortes devem ajudar os mais fracos na sua fé, e isso irá
beneficiar a igreja como um todo. Como bem disse o pr. José Gonçalves, “o
crente forte é responsável também pelo crescimento e amadurecimento do fraco,
mostrando-lhe com amor o que significa ser livre em Cristo”.
2. O exemplo de Cristo (Rm 15:3). Paulo argumenta que se o
próprio Cristo não agradou a si mesmo, então por que os crentes que se
consideravam mais maduros na fé não poderiam agir da mesma forma? Cristo foi o
ser “mais forte” que já viveu, mas Ele não agradou a si mesmo - “Porque também
Cristo não agradou a si mesmo, mas, como está escrito: Sobre mim caíram as
injúrias dos que te injuriavam”. Despojou-se de seus direitos e prerrogativas e
veio para servir. Esvaziou-se e tornou-se servo. Submeteu-se à vontade do Pai e
suportou toda sorte de sofrimento para salvar tanto os crentes fortes como os
crentes fracos. Nenhum sacrifício que fazemos pode equiparar-se ao do Calvário.
Portanto, nós que fomos chamados pelo seu nome, também devemos escolher agradar
mais a Deus do que a nós mesmos.
3. O exemplo das Escrituras (Rm 15:4) – “Porque tudo que
dantes foi escrito para nosso ensino foi escrito, para que, pela paciência e
consolação das Escrituras, tenhamos esperança”
.
Paulo adverte que as Escrituras Sagradas é o principal
instrumento aferidor da nossa espiritualidade. Ele exorta os crentes, tantos os
fortes como os fracos, dizendo que o ensino das Escrituras deve ter um efeito
prático em nossa vida. As Escrituras registram histórias daqueles que agradaram
e dos que não agradaram a Deus. Aqueles que erraram aprenderam com seus erros.
Devemos suportar, como Cristo suportou, e ser encorajados com os exemplos de
outros crentes. As biografias dos santos que venceram grandes obstáculos servem
de exemplo daquilo que pode ser feito com a ajuda de Deus (cf Hb cap. 11). Isso
nos dá esperança enquanto esperamos pacientemente pelas promessas de Deus. O
conhecimento das Escrituras afeta nossas atitudes em relação ao presente e ao
futuro. Quanto mais sabemos sobre o que Deus fez no passado, maior será a nossa
confiança no que Ele fará nos dias futuros. Devemos ler diligentemente as
Escrituras Sagradas para aumentarmos a nossa confiança naquilo que Deus
considera ser o melhor para nós. Jesus foi contundente ao dizer: “Examinais as
Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de mim
testificam” (João 5:39).
CONCLUSÃO
Na Igreja, naquela chamada por Jesus de “a minha Igreja”, o
espírito de intolerância precisa ser banido. Sabemos, pela Bíblia, que o Senhor
nosso Deus, nesta dispensação da Graça, colocou à disposição de seus filhos as
condições necessárias para o viver a vida cristã. Assim, podemos afirmar, com
segurança, que o segredo para o crente que deseja ser tolerante é o encher-se
do Espírito Santo. Ninguém será tolerante, principalmente, sem o amor, sem a
humildade, sem a paz, sem a mansidão, sem a longanimidade, para citar apenas
alguns aspectos do Fruto do Espírito descrito em Gl 5:22. Enfim, o objetivo maior
de todo crente deve ser o crescimento do Reino de Deus e a edificação da
Igreja, por isso questões indiferentes e irrelevantes em matéria de salvação
devem ser toleradas na igreja local e os “fortes” devem agir em relação aos
“fracos” não com menosprezo ou orgulho, mas com “calorosa recepção”, entendendo
que é necessário receber o “fraco” e instruí-lo para que ele, também, cresça e
se torne um “forte” no futuro.
SUBSIDIO PARA O PROFESSOR
INTRODUÇÃO
Exortação especial de aceitação mútua no conflito na igreja
Sem mais, teria sido possível inserir uma ou duas frases
sobre a aceitação mútua nas exortações havidas até aqui, como em Rm 12.9-16.
Mas Paulo encerrou formalmente a parácleseem Rm 13.11-14, abrindo agora
separadamente um trecho detalhado sobre este tema (36 versículos!). Faz isso
consistentemente na forma da interpelação direta. A razão desse bloco especial
terá de ser procurada numa dificuldade premente da igreja de Roma. Em vista da
boa “infra-estrutura” do primeiro cristianismo (qi2c), Paulo não desconhecia
que nas igrejas domiciliares de Roma havia dois grupos em disputa, os “fortes”
(expressão que ocorre só em Rm 15.1) e os “débeis/fracos” (Rm 14.1,2; 15.1,
recorrente em 1Co 8,9).
O objeto do conflito em Roma.Do trecho pode-se depreender
três preocupações religiosas dos “fracos”: todo consumo de carne deve ser
evitado (Rm 14.2), há determinadas datas para serem observadas (Rm 14.5) e
deve-se renunciar ao consumo de vinho (Rm 14.17,21). A forma sintética com que
Paulo trata desses três pontos depõe a favor do fato de que era o mesmo grupo
que se preocupava com isto. Nele, a predileção por dias e a renúncia ao vinho
ficam visivelmente ao fundo, enquanto a questão da alimentação permanece em
primeiro plano.
A Antigüidade conhecia diversas colorações de tendências
religiosas que cultivavam o ideal da frugalidade e do vegetarianismo, tanto
entre gentios quanto entre judeus. Os exegetas, porém, estão amplamente de
acordo que nesse grupo de Roma deve-se pressupor pelo menos uma influência
judaísta. Depõe a favor dessa tese que Paulo, ao contrário da passagem muito
similar de 1Co 8, não está mencionando o culto gentílico a ídolos com nenhuma
sílaba sequer. Em lugar disso, ele usa o posicionamento de Jesus diante da
prática judaica de pureza para argumentar em Rm 14.14, fazendo o trecho todo
desembocar, a partir de Rm 15.7, no tema “judeus e gentios”. Portanto, os
grupos em Roma seguramente dividiam-se entre judeus e gentios.
Atualidade.Para igreja de hoje, o cardápio dificilmente será
assunto para a doutrina da fé. Nossos focos de tensão estão em outras áreas.
Hoje o conflito gira em torno de questões de ética sexual, do divórcio, do
trato da política e cultura, da posição frente ao iluminismo moderno e suas
conseqüências para a compreensão da Escritura, dos serviços da mulher, da
organização do culto, das formas de vida carismática, da prática evangélica
etc. Se apesar disso nos tornamos leitores cheios de expectativa dos textos de
Paulo, é por causa do extraordinário esmero com que ele aborda as questões
prementes de então. Esse jeito é paradigmático para todos os tempos.
Em caso de conflito,
não violar o senhorio de Cristo na igreja!, 14.1-12.
Nesses primeiros doze versículos Paulo já consegue romper
aspectos superficiais e circunstanciais e destacar com profundidade
surpreendente aspectos fundamentais. No fundo tudo o que é essencial já está
sendo dito. Sua solução é: como cada um dos oponentes se encontra no vínculo de
fé com Cristo, todos são abarcados pelo seu senhorio (nove vezes “Senhor” nos
doze versículos!). Não aceitar-se um ao outro significaria atacar o direito de
soberania de Cristo.
A primeira linha constitui o título do bloco todo. Em
interpelação direta aos que são fortes na fé, afirma-se: Acolhei ao que é débil
(“fraco” [NVI, VFL, BLH, BV]) na fé. Jamais os citados teriam visto a si
próprios como fracos. Contudo, Paulo sustenta essa designação. A palavra grega
para “ser fraco” pode expressar falta de força dos mais variados tipos. Como no
NT também é usado cerca de quarenta vezes para fisicamente doentes, é viável
pensarmos aqui metaforicamente numa fé “enferma”. Uma infecção a atingiu. Por
isso está debilitada, sua verdadeira essência não se pôde realizar.
No entanto, diante desses fiéis vigora o princípio: aceitar!
Na verdade a igreja poderia livrar-se rapidamente de muitas tensões se ela se
livrasse de determinados irmãos, mas o que Deus uniu, não cabe ao ser humano
separar.
A possível tradução “admitir” poderia levar a pensar numa
admissão legal na igreja. Contudo, este seria um entendimento demasiado
estreito. Aqui está em jogo a concretização da comunhão como uma tarefa que
nunca acaba (Rm 13.8), que não pode ser executada com um gesto único.
Esse “acolhei!”,
diferente de Rm 15.7, é complementado por uma repulsa pronunciada de modo
excitado: não, porém, permitam que se chegue a discutir opiniões! Uma frase
fragmentada como essa deixa os exegetas em apuros e leva a diversas paráfrases.
O primeiro dos dois termos-chave pertence a um grupo semântico que perpassa
todo o capítulo e que parte do conceito básico: proferir uma sentença.
Paulo solicita decididamente aos fortes: desistam de
apreciações sobre aquelas opiniões adoentadas e questionáveis dos fracos, i. é,
não busquem realizar negociações públicas com esse intuito! Uma parte dos
tradutores (p. ex., Lutero) circunscreve a frase de advertência com: “Não
briguem…!” Porém, isso não atinge a intenção da frase.
O apóstolo não está combatendo a excrescência, não apenas as
cenas desagradáveis, mas já o ponto de partida. Com preocupação ele olha para a
situação da igreja. Os blocos cristãos judaico e gentílico estão a ponto de se
afastar um do outro (cf já em Rm 11.17-20). Está em perigo a comunhão
elementar. Nessa prova de coesão, infindáveis debates objetivos seriam um
equívoco.
Asperamente Paulo os repele. O irmão não deve ser aceito
apenas com base numa harmonização das teologias, não só depois de aceitar um
determinado bloco de valores e verdades, depois de aprovado num curso bíblico,
depois que sua fé convalesceu e se fortaleceu, mas “pois Deus o aceitou” (v. 3
[BLH]) e “como também Cristo nos acolheu” (Rm 15.7). Isso, porém, aconteceu,
conforme Rm 5.6, sobre o seguinte fundamento: “quando ainda éramos fracos,
Cristo morreu pelos ímpios” (NVI) (“Cristo morreu por nós” [VFL]).
Nossa condição de cristãos deve-se ao fato de que esse amor
é verdadeiro, derramado em nossos corações pelo Espírito Santo (Rm 5.5). Nessa
verdade, pois, reside também a base de nossa comunhão. Nos versículos seguintes
o objetivo de Paulo é que essa base, o Cristo, permaneça uma realidade eficaz e
vigorosa e não se dissipe para uma retórica desbotada.
Fiel à própria exortação do v. 1b, Paulo agora não aborda as
“opiniões”, mas apenas caracteriza as respectivas práticas. Um crê que de tudo
pode comer, mas o débil (o fraco) come (apenas) legumes. Vindo do v. 1, não se
poderá reduzir o “crer”, nessas duas ocorrências, a mero “achar”. A
configuração do cardápio realmente está sendo afixada num ponto elevado. Em
todo o bloco está em jogo a vivência da fé na salvação.
Começamos a perceber: o que ameaçava trazer separação às
igrejas domiciliares daquele tempo em Roma não fica devendo em nada ao perigo
que trazem as diferenças de opinião de hoje. Calava fundo se a comunhão de mesa
era concedida ou negada. Quando alguém saía de uma mesa e se assentava numa
mesa à parte com menu próprio, os que ficaram assentados na refeição anterior
poderiam sentir: para que ainda somos uma igreja, se sequer podemos comer
juntos!
Segue-se uma instrução apostólica de duas partes, que é
retomada mais uma vez nessa forma no v. 10.
Primeiramente ao “forte”, que de boa consciência se dá o
direito de comer carne: quem come (também carne) não despreze o que não come. O
que está em vantagem, como os fortes de Roma evidentemente estavam, geralmente
se preocupa pouco com seu adversário. Passa correndo por ele com um olhar de
desdém. Contudo os v. 10,13,15,21 mostrarão essa pessoa como “irmão” precioso.
De modo diferente, o apóstolo considera aquele que não
consegue admitir a liberação de consumo de carne: e o que não come (carne) não
julgue o que come. Quem experimenta desprezo, precisa tanto mais da auto-estima
e a encontra. No presente caso, talvez a encontre assim: como cristão sou mais
sério, mais fiel à Escritura, mais consciencioso, mais obediente que eles!
Condena, pois, o irmão que segundo sua opinião está entregue ao mundo. Porém
essa pessoa é lembrada da palavra poderosa de Deus: Deus o acolheu!
Aquele que já se fez de juiz sobre seu irmão, subitamente se
encontra diante de Deus e do seu próprio comportamento inadmissível. Quem és tu
que julgas o servo alheio? O proprietário de escravos, em vista do contato
pessoal, tinha um relacionamento mais próximo com o servo da casa que com os
servos da lavoura. No sentido figurado: quando condenas teu irmão, estás
interferindo num relacionamento especial, do qual não fazes parte. Negas o
direito senhorial de Cristo e posas pessoalmente como senhor. Ousas fazer
incursões que passam decididamente dos limites, porque desrespeitam o Senhor.
Nesse ponto Paulo também manifesta sua confiança em favor do irmão. Para o seu
próprio senhor está em pé ou cai; mas estará em pé, porque o Senhor é poderoso
para o suster (no acerto de contas final). Apesar de tudo que nele é
questionável, ele se encontra em boas mãos, experimenta poderes reguladores e
com certeza será aperfeiçoado um dia com todos os fiéis. A realidade da culpa
não deixa de ser vista, mas também é visto o poder da graça.
Em seguida encontramos uma das mais belas descrições da
realidade da igreja. Um faz diferença entre dia e (outro) dia; outro julga
iguais todos os dias. Surge, apenas à margem, um segundo ponto de controvérsia.
A frase seguinte estende sua proteção sobretudo sobre os fracos: Cada um tenha
opinião bem definida em sua própria mente. Sem concordar com eles na questão
(v. 14,20), Paulo concede-lhes o direito terem convicções próprias, uma vez que
não se trata de verdades últimas do evangelho.
Sim, Paulo considera uma injustiça precipitá-lo em dúvidas
(v. 15,20,21). Unidade no Espírito é algo diferente que igualar todas as
opiniões (v. 1). Quem distingue entre dia e dia para o (em submissão ao) Senhor
o faz; e quem come (carne) para o (em submissão ao) Senhor come, porque dá
graças a Deus; e quem não come para o (em submissão ao) Senhor não come e
dagraças a Deus. Porque nenhum de nós vive para si mesmo, nem morre para si.
Porque, se vivemos, para o (em submissão ao) Senhor vivemos;
se morremos, para o (em submissão ao) Senhor morremos. Quer, pois, vivamos ou
morramos, somos (propriedade) do Senhor. É maravilhosamente consoladora a
maneira como o apóstolo é capaz de perceber nessa igreja polarizada a relação
de todos os membros com o Senhor.
Oito vezes ele destaca nesses versículos: para o Senhor! O
irmão, afinal, não vive nem morre para ti nem para mim. Também o fraco na fé
permanece território soberano de Jesus, o qual abrange até os seus escrúpulos.
Eles constituem uma conseqüência equivocada, mas digna de consideração séria,
de sua submissão ao Senhor. Afinal, por meio deles já obteve experiências
espirituais. Sobre o parco prato de vegetais, em si desnecessário, eleva-se sua
oração de gratidão (cf o exposto sobre Rm 1.21), e o céu a escuta.
Não devem condensar-se num chavão as oito repetições do
senhorio de Jesus. É por isso que jorra, agora, em forma de uma frase de
confissão da primeira igreja cristã, o conteúdo pleno do evangelho. A frase
exerce um papel semelhante a um comprovante da Escritura e deve ser abordada
como ápice do trecho todo. Foi precisamente para esse fim que Cristo morreu e
ressurgiu: para ser Senhor tanto de mortos como de vivos. Esse atual senhorio
de Cristo foi gerado pelo morrer de Jesus por todos e pela sua coroação com
vida indestrutível para todos na manhã da Páscoa. Todos os que crêem estão
abrigados no seu poder salvador e protetor.
A confissão da glória oculta da igreja deve ser entendida
corretamente. Paulo não está enfeitando nada, ele não justifica tudo o que se
formou na igreja como uma riqueza que deve ser bem-vinda. Igualmente deve valer
aqui 1Co 10.23: “nem todas (as coisas) edificam”. Por isso as opiniões dos
fracos seguramente eram difíceis de escutar para ele. As “debilidades dos
fracos” eram um peso e simplesmente deviam ser “suportadas” (Rm 15.1). Contudo,
ele preserva uma verdade: os fracos são fracos “na fé” (v. 1,2), e o que conta
é esse vínculo de fé com o Senhor. Sempre que ele existe, a comunhão essencial
por princípio é possível para Paulo. Naturalmente, a fé também tem de
manifestar-se como tal. Com uma filiação nominal à igreja ou com sinceridade
subjetiva não se chega a nada. A fé de natureza certa leva a sinais
perceptíveis na vida.
A pessoa que crê é ouvinte da palavra, ora, agradece,
testemunha, obedece, exerce o amor e participa na troca geral de dar e receber.
Depois da intercalação dos v. 4-9, Paulo pode esperar por
concordância, motivo pelo qual tem condições de repetir as exortações do v. 3.
Tu, porém, por que julgas teu irmão? E tu, por que desprezas o teu? Porém,
fundamento motivador de nossa atitude não é somente a soberania atual de
Cristo, mas também a futura: Pois todos compareceremos perante o tribunal de
Deus. Como está escrito (Is 49.18; 45.23): Por minha vida, diz o Senhor, diante
de mim se dobrará todo joelho, e toda língua dará (com reverência) louvores a
Deus. Assim, pois, cada um de nós dará contas de si mesmo a Deus. De acordo com
essas afirmações, o acerto final se dará perante Deus, mas seu executor em tudo
é Cristo. Para comparar, veja a interpretação de Rm 2.16. Encontraremos Deus na
face do Senhor Jesus Cristo. Foi a ele que Deus entregou não somente nosso
passado e presente, mas também nosso futuro.
Cabe aos fortes corresponder à sua função protetora dos
fracos, 14.13-23.
Na igreja de Roma havia sido criado um tribunal invisível.
Ameaçava-a uma atmosfera que tornava gélido o louvor conjunto e unânime a Deus
nos termos de Rm 15.6,9,11. Por isso Paulo exigiu logo na primeira frase (Rm
14.1) que fosse suspensa toda essa maneira estranha ao ser igreja. Novamente
não abre mão dessa reivindicação (v. 13a,b,15,16,20). Enquanto havia feito
brilhar, para esse fim, o senhorio de Cristo, ele agora traz à presença
especialmente o irmão resgatado por alto valor.
O posicionamento sobre
o conflito de fortes e fracos em Rm foi nitidamente moldado conforme 1Co 8–10
(redigido no máximo um ano antes!). Apesar de todos os aspectos paralelos,
porém, os dois trechos possuem pontos de partida diferentes. Em relação aos
coríntios Paulo parte da liberdade da consciência e da sua legitimidade, mas em
relação aos cristãos romanos ele inicia com aspectos mais elementares, a saber
na fé em Cristo como o Senhor (cf o exposto sobre o v. 2). Leitores de hoje
naturalmente se ligam de imediato ao termo moderno “liberdade”. Porém, para não
obstruir a percepção dos pensamentos de Paulo no trecho de Rm, eles não
deveriam trazer para cá aquele termo, tornando-o idéia condutora da exegese.
De forma um tanto incisiva Paulo solicita aos fortes que
dirijam seu potencial crítico a um alvo completamente diferente: Não nos
julguemos mais uns aos outros; pelo contrário, tomai o propósito de não pordes
tropeço ou escândalo ao vosso irmão. Na Bíblia, os conceitos “tropeço” e
“escândalo” possuem um alcance terrivelmente profundo. Paulo não está pedindo,
p. ex.: não irriteis vosso irmão, não provoqueis seu desgosto!, mas conforme o
v. 15: não sejais para ele motivo de perdição (“destruição [NVI])! Também
Lutero ainda conferia a “irritar” o sentido original: levar alguém ao mal, à
ira, deixá-lo à mercê dessa força maléfica.
Cabe nesse contexto a censura de Jesus em Mt 23.15: primeiro
vocês desenvolvem máximo empenho missionário, a fim de salvar uma única pessoa,
depois, porém, vocês se arrogam o direito de tratar a pessoa salva de maneira a
torná-la “filho do inferno”.
Para prevenir mal-entendidos, segue-se uma inclusão: não se
abre mão de nenhuma verdade bíblica! Onde estiver muito baixo o nível de
verdade aferido, ou onde ela é apresentada empacotada em tanto algodão macio
que não se sente mais o seu cerne, as declarações de amor se tornam ocas. Por
isso, nessa carta pública Paulo esboça sua posição perante os ouvidos dos
“fracos” de forma inequívoca. Ele emprega diversas vezes a introdução Eu sei e
estou persuadido, no Senhor Jesus, mas nas demais vezes sem o adendo “Jesus”
usado aqui. Evidentemente, ao dizer: nenhuma coisa é de si mesma impura, ele
está se reportando ao sentido de uma afirmação do Senhor quando esteve na
terra. Há semelhança com Mc 7.19c: “Ao dizer isto, Jesus declarou „puros‟ todos
os alimentos”.
A comida faz parte das coisas naturais obtidas da mão de
Deus (1Co 10.26). Consumida com ação de graças (v. 6), ela é pura. Contudo,
assim está também estabelecida a exceção: salvo para aquele que assim a
considera (impura) e que por isso também não agradece, para esse é de fato
impura. A expressão grega traduzida aqui por “considerar” proíbe que se encare
os escrúpulos dos “fracos” de forma leviana.
É imenso o poder da
tradição, da educação e do costume. Dn 1.8 e, de forma mais chocante, a
história arrasadora de 2Macabeus 6.18-21 possibilitam uma percepção dessa
atitude de espírito: melhor morrer que comer isso que foi proibido! De fato,
Jesus havia dado a seus discípulos programa livre em relação aos alimentos. Mas
entre nós seres humanos um programa ainda não significa prática sem mais nem
menos. Não se exigia apenas ensinamento intelectual, também uma transformação
da alma. At 10,11 evidenciam que até foram necessárias revelações adicionais “do
céu” (At 10.11,16; 11.5,9). Mesmo no círculo mais íntimo dos discípulos, a fé
no senhorio de Jesus se mesclou com descrença (Gl 2.13).
Sentimentos de medo impeliam de volta ao recinto protegido
de antigas e poderosas tradições. Sendo, porém, o ser humano um ente integral,
é possível que diante dos “fortes” lhe faltem os argumentos, que ele
exteriormente até ceda, mas isso não quer dizer nem de longe que interiormente
ele esteja concordando com eles.
Paulo confirma, portanto, a convicção dos “fortes”, mas não
sua atitude, como mostra o trecho todo. Por isso ele volta a referir o v. 13,
começando a fundamentar: Se, por causa de comida, o teu irmão se entristece
(“prejudicar a fé que seu irmão possui” [VFL]).
A causa desse sofrer é indicada de maneira muito genérica
com “por causa de comida”. Por causa da comida dele ou da tua? Investiguemos
inicialmente a primeira possibilidade. Pressionado autoritariamente pelos
fortes na fé, um fraco deixou-se levar a consumir carne, mas com dúvidas.
Imediatamente ele sente falta da alegre aceitação de seu Senhor no seu
interior. Desfez-se Sua paz.
Foi privado da sinceridade de sua vida cristã. É flagrante
que o ato lhe acarretou um grave dano espiritual. No entanto, é mais plausível
supormos a segunda alternativa, visto que Paulo está falando continuamente do
comer do forte (especialmente no v. 21). Ou seja, o fraco é perseverante no seu
prato de legumes, mas percebe que em meio à maioria forte na fé é como um fora-da-lei
(v. 3,10). É precisamente contra isso que Paulo lança a acusação: não andas
segundo o amor fraternal, pois o que torna o fraco mais sensível é a falta de
aceitação por parte dos irmãos. Talvez a controvérsia entre os grupos seja
bastante acalorada, a ponto de as pessoas não o perceberem subjetivamente dessa
forma. Mas privar do amor é objetivamente nocivo para nossa existência humana.
Falta de amor na igreja entristece o Espírito Santo (Ef 4.30) e a prejudica no
seu todo.
Com isso questiona-se simultaneamente a propalada força na
fé por parte dos fortes. Quem pratica o que crê, na verdade deveria praticar
amor (cf o exposto sobre Rm 12.9), ou ele se encontra numa gritante
contradição: não faças perecer aquele a favor de quem Cristo, no qual crês,
morreu! Manifesta-se a palavra de advertência de Jesus em Mt 18.6. Quem foi
convocado para ser tutor do irmão (Gn 4.9) poderia tornar-se seu destruidor.
A frase seguinte não contém uma interpelação direta a
membros da igreja. O estilo impessoal “não seja, pois, vituperado” (“não se
torne objeto de maledicência” [NVI]) leva a pensar nas reações de pessoas de
fora. Paulo teme um processo que como missionário lhe teria de causar dor. O
vosso bem é, aqui como em Rm 8.28 e 10.15, a extraordinária mensagem da
salvação confiada aos cristãos, acerca do “senhorio de Deus” (próximo
versículo!).
Agora, porém, o
espírito de condenação perturba toda a vida da igreja, o que é percebido
irremediavelmente pelo mundo ao redor. Ainda mais que o conflito interno em torno
de “comida e bebida” (novamente no próximo versículo!) não deixa de parecer,
para cada gentio normal, algo sem fundamento e ridículo. Repete-se Rm 2.24: “O
nome de Deus é blasfemado entre os gentios por causa de vocês” (NVI).
Paulo é enérgico com a igreja. Porque o reino (o senhorio)
de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito
Santo. Continua em pauta o aspecto exterior da igreja.
Se seu objetivo for de fato tornar compreensível a grandiosa
palavra do reino de Deus em seu redor, então que o faça pelas três citadas
formas de diferenciação. Justiça: que a vida da igreja transmita uma amostra de
como uma comunidade humana se entende na terra debaixo de Deus (Rm 6.19). Paz:
que ela encontre e siga caminhos de paz também nas situações em que normalmente
se desiste (Rm 3.17). Alegria: que ela festeje o amor de Deus que alcançou o
alvo (Rm 5.8).
Tudo isso, porém, não deve acontecer por mera retórica, mas
no Espírito Santo, ou seja, realmente, de coração, boca e mãos (1Co 4.20).
Então, a convicção de Paulo é que a igreja não apenas colherá o louvor de Deus,
mas também sempre será no mínimo respeitada pelo mundo que a cerca. Aquele que
deste modo serve a Cristo (como escravo ao Senhor, cf v. 9!) é agradável a Deus
e aprovado pelos homens. “Contavam com a simpatia de todo o povo”, dizia-se em
Jerusalém, porque lá os cristãos solucionavam seus problemas comunitários na
força do Espírito Santo (cfRm 15.13). Não causa espécie que nessa situação
também não deixou de haver crescimento exterior (At 2.47; 6.7).
Resumindo, Paulo solicita mais uma vez à igreja toda para
que prossiga em frente, na direção indicada, colocando-se a si próprio do lado
dela. Assim, pois, seguimos as coisas da paz e também as da edificação de uns
para com os outros. O tom de encorajamento intensifica-se no capítulo seguinte
(Rm 15.5,13,14,29,32,33).
Porém o apóstolo não consegue separar-se tão rapidamente de
sua preocupação pela igreja. Ele repete uma palavra de advertência semelhante à
do v. 15: Não destruas a obra de Deus por causa da comida! Com certeza a obra
de Deus é, como em 1Co 3.9, a maravilhosa criação da igreja. Há pouco falava-se
do vivo processo de edificação (v. 19). Diante dele, a questão dos alimentos
aparece com uma insignificância indizível. Isso motiva Paulo a deixar mais uma
vez claros os critérios. Todas as coisas (as comidas), na verdade, são limpas –
é o que já vimos no v. 14. Mas é (torna-se) mau para o homem o comer com
escândalo – era o que cabia explicar sobre o v. 15.
É ameaçador para uma comunhão quando pessoas somente
conseguem viver nela com consciência ferida. Segue, porém, agora a contraparte positiva
para o mal: É bom (enfim, o seguinte) não comer carne, nem beber vinho, nem
fazer qualquer outra coisa com que teu irmão venha a tropeçar. Não, nem, nem –
de forma alguma! Por mais radical que soe, tanto menos Paulo sente o peso do
radicalismo. O senhorio de Cristo (v. 1-12) e a preciosidade do irmão comprado
por alto preço (v. 13-23) tornam para ele essa decisão extremamente fácil.
O segundo “nem” parece ser um cheque em branco para a
ditadura do fraco, um direito de veto como prerrogativa dele sempre que algo na
vida da igreja não lhe convenha. Ele apenas tem de ficar sempre reclamando. Em
parte pode ser devido ao discurso entusiasmado (cf também 1Co 8.13) que Paulo é
levado a formular sua afirmação de forma extremada. Pois de maneira alguma ele
exige que a idéia e a vontade do fraco sejam, para todos os demais, uma ordem.
Na vida eclesial, pelo contrário, os seguintes dois pontos exercem uma função
superior: a soberania de Cristo (Rm 14.1-12) e nossa função protetora frente ao
irmão (Rm 14.13-23). O terceiro bloco (Rm 15.1-6) trará o auge que apresenta
uma síntese.
O versículo subseqüente parece proteger o forte: A fé que
tens, tem-na para ti mesmo perante Deus. É verdade que a fé tem um lado voltado
às pessoas (sobre isso, cf a explicação do v. 9, no final), mas sua essência é
viver perante Deus, eximindo-se dessa forma das pessoas. De forma análoga
soaram os v. 4,5c, ainda que fossem relacionados mais intensamente com a fé do
outro. Esse respeito, que no fundo é respeito diante de Deus enquanto Criador
da fé, pode-se tranqüilamente reclamar também para a própria fé. Por isso diz
1Co 7.23: “não vos torneis escravos de homens” Paulo pleiteia pela
indisponibilidade da fé.
Para o forte na fé que tem de sofrer sob a condenação do
fraco (v. 3b,10a), é acrescentada uma bem-aventurança: Bem-aventurado é aquele
que não se condena naquilo que aprova (como bom para a prática). Para o que tem
dúvidas seguirá no v. 23 uma condenação. Nele acontece a divisão entre fé e
ação, sendo que cada um segue o seu caminho. Ele não pratica o que crê, e não
crê o que pratica. Isso o destruirá lenta mas seguramente, ainda que pratique o
que objetivamente é correto. Aquele que tem dúvidas… se comer desligado o seu
vínculo pessoal com Cristo e é condenado se comer, porque o que faz não provém
de fé. Esse comer e beber não é prática da fé, motivo porque tampouco é feito
para o Senhor (v. 6). Tudo o que não provém de fé é pecado.
Aqui ressoa mais
uma vez o sinal de alarme para o forte, que está a ponto de atrair, impelir,
lançar seu irmão fraco para a “liberdade”. Afinal, estará lançando-o na
separação de seu Senhor, isto é, ao pecado.
Embora dessa maneira tenha imposto o Seu princípio, sacrificou a salvação do irmão.
Viva vencendo suportando os débeis na fé!!!
Abraços.
Seu irmão menor.
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