
Não resta dúvida que a Bíblia nos ensina acerca da
centralidade da pregação. O próprio Senhor Jesus dedicava-se à pregação em seu
ministério: “Ele porém lhes disse: É necessário que eu vá também às outras
cidades e anuncie o evangelho do Reino de Deus; porque para isso é que fui
enviado. E pregava nas sinagogas da Judéia.” (Lucas 4:44). Embora Jesus se
destacasse pelo seu ensino e pelas curas que operava, a pregação ocupou lugar
central em seu ministério.
O verbo grego kerusso, “proclamar”, “anunciar como um arauto”, é aplicado a Jesus
tanto no texto acima como em vários outros: “Foi Jesus para a Galiléia pregando
o Evangelho de Deus” (Marcos 1:14), “E percorria Jesus todas as cidades e aldeias,
ensinando nas suas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino...” (Mateus 9:35)
.
Na Bíblia também aprendemos que Jesus transmitiu esta
mesma prioridade aos seus discípulos. O
capítulo 3 do Evangelho de Marcos nos descreve que Jesus, depois de orar,
“chamou a si os que Ele mesmo queria” e que, vindo a Ele, “designou doze para
que estivessem com Ele, e os mandasse pregar...” (v. 13 a 15). Em Lucas
9:2 novamente encontramos que Jesus
enviou seus discípulos a pregar.
Que tal prioridade foi abraçada pela Igreja apostólica,
o livro de Atos não nos deixa dúvidas. Que a pregação era vista como prioridade
pelo apóstolo Paulo, suas cartas bem podem atestar. Em II Timóteo 4:2 o apóstolo
transmite ao seu “filho” uma recomendação que bem atesta o que na sua
opinião era prioridade no ministério pastoral: “Prega a palavra, insta a tempo
e fora de tempo, admoesta, repreende, exorta, com toda a longanimidade e
ensino”.
Num artigo publicado em O Jornal Batista, Fausto Aguiar
Vasconcelos referiu-se ao célebre Pr. Rúbens Lopes e a uma frase de sua
autoria: “O púlpito é o apogeu do ministério pastoral”. Concordando com esta
opinião, o articulista enaltece a oportunidade que o pregador tem
dominicalmente de ministrar a Palavra de Deus ao seu rebanho e a responsabilidade
que isto confere ao pregador. O mesmo afirma que, diante de tamanha
responsabilidade, o pastor não deve afastar-se de seu púlpito, a não ser
excepcionalmente, justamente porque “o púlpito é a maior arma do pastor”.
Esta mesma opinião é defendida por Lloyd-Jones na obra
que é resultado de suas preleções proferidas aos estudantes do Seminário
Teológico Westminster, durante seis semanas, em 1969, com o tema “A Pregação e
os Pregadores”. Para ele a pregação,
além de ser tarefa primordial da Igreja,
é a salvação para restabelecer o papel da Igreja no mundo. Ele
acreditava que se houver pregação nos moldes corretos as pessoas virão para
ouvi-la, pois a pregação sempre atrai pessoas.
Deus continua sendo o mesmo, e o homem continua sendo o
mesmo... Ele honrará este método. Esse é
o método através do qual as igrejas sempre vieram à existência.
Este mesmo autor comenta acerca dos substitutos da
pregação no culto, chamados à existência pelo declínio na importância da pregação.
O autor nota uma incrementação do “elemento de entretenimento no culto
público”. Este elemento de entretenimento pode relacionar-se a muitas práticas
adotadas pelas Igrejas modernas e que visam simplesmente satisfazer o povo. Não
que haja erro em “satisfazer o povo”, afinal estamos tratando justamente da
necessidade de a pregação atentar para as reais necessidades do povo. Acontece
que o tal “entretenimento” que, consequentemente ocupa o lugar deixado pela
pregação, não dá ao povo o que este precisa, mas o que o povo gosta.
Esta é a questão: a pregação é insubstituível. Outros
elementos do culto podem auxiliar a pregação, mas não substituí-la.
Nos nossos dias já é normal que Igrejas tenham longos
momentos de cânticos alegres e juvenis, com suas melodias simples e de fácil
aprendizado. Muitas vezes estes cânticos
pouco têm a ensinar devido à simplicidade de suas letras que, nem
sempre, são elaboradas seguindo preceitos doutrinários corretos. Testemunhos de
bênçãos alcançadas, períodos de intercessão, dentre outras práticas, têm feito
parte da liturgia de número crescente de nossas Igrejas. Tais coisas não são
perniciosas em si, porém, atentamos para que sua utilização acentua-se na
medida em que a pregação torna-se insatisfatória.
Aliás, vale ressaltar que no meio “evangélico” nacional
coisas espantosas se tem feito. Há expulsões de demônios esdrúxulos, como o da
obesidade, da caspa, da bronquite e da asma. Num artigo publicado na revista
Ultimato, Marcos Roberto Inhauser, teólogo menonita, refere-se a uma igreja
carioca onde plantou-se arruda em frente ao templo para impedir a entrada de
demônios. Noutra, segundo o autor, os membros são orientados a vir com um galho
de arruda na orelha para impedir que Satanás atrapalhe na hora de ouvir a
mensagem.
Inhauser comenta também acerca de uma igreja em
Campinas que vendeu folhas da Bíblia do púlpito e orientou os compradores a
comê-las para que tivessem a Palavra de Deus “por dentro”. Ainda sobre as tendências
de se substituir a pregação por elementos de entretenimento no culto, Inhauser
observa:A exposição séria da Palavra tem cedido lugar aos
testemunhos. O louvor praticado em
algumas igrejas fala mais de guerra, pisar os inimigos, destruir os adversários, que em 'voltar a outra face a
quem lhe bate em uma, andar a segunda milha e amar os inimigos'. Fala-se de guerra e
não se menciona que 'bem aventurados são os pacificadores'. Fala-se de conversão
sem dar ênfase ao discipulado radical.
Fala-se do espiritual sem falar do amor ao próximo na
sua necessidade material.
Estes “elementos de entretenimento” realçados nos cultos
contemporâneos em muitas Igrejas, até funcionam como
catalizador do povo, sobretudo a juventude. O problema está na insuficiência da
mensagem pregada pois, como afirma o autor acima, há cânticos populares que
contém ensinos incompletos ou até antagônicos ao modelo bíblico.
Ultimamente muito se tem comentado acerca do espantoso
crescimento da Igreja Universal do Reino de Deus que, em cerca de dezessete
anos arrebanhou, segundo a Revista Veja, 3,5 milhões de fiéis e já se espalhou
por 34 países. Em número de fiéis só perde para a Igreja Assembléia de Deus; no
entanto é a única a possuir uma rede de televisão, com 47 emissoras, um banco,
uma gravadora e mais de uma dezena de emissoras de rádio.
Citamos estes dados para exemplificar como, com
elementos que não a pregação na sua concepção puramente bíblica, pode-se
arrebanhar multidões. Um de seus ex-bispos,
de nome Sérgio Von Helde, protagonista de uma grande polêmica em virtude
de ter agredido diante de câmaras de televisão uma imagem da santa católica,
Aparecida, em entrevista publicada pela mesma revista, demonstrou ser uma
pessoa iletrada, que não lê nada além da Bíblia, nem jornais, e que nunca leu um livro na vida
que não fosse a Bíblia.
Esta facilidade de as Igrejas crescerem através de
outros recursos que não a prioridade da pregação é observada também no contexto da Igreja norte americana. Warren Wiersbe reconhece esta tendência pelo
entretenimento. Para ele o principal substituto à verdadeira pregação é o
desejo de que a Igreja receba a aprovação do mundo em geral e das pessoas
“importantes”, em particular. Ele afirma que a Igreja de seu país trocou a
aprovação de Deus pelos aplausos dos homens. Em busca destes aplausos tanto a
pregação como tudo mais que constituem o culto se tornaram em mero
entretenimento para o público cristão. Nesta crítica o autor ressalta também o
que chama de “culto à personalidade”, uma tendência de valorizar pessoas e
ministérios centrados em líderes carismáticos.
Assim, os tidos
“elementos de entretenimento” se constituem no meio mais fácil de se arrebanhar
pessoas. Ressaltamos ainda que a própria pregação pode se constituir num destes
elementos, na medida que se proponha a simplesmente preencher um espaço dentro
de uma estratégia.
Entendemos, portanto, que nossos dias são marcados pelo
crescente desprestígio da pregação, isto refletindo-se no acentuamento de uma
crise de identidade. A relação entre a pregação sem relevância e a insalubridade
da vida cristã do povo é incontestável. Observamos ainda que a falta de
crescimento de nossas Igrejas é sintoma do lugar ocupado pela pregação nos
nossos dias e que a máxima “púlpito inócuo, bancos vazios” explica, ao menos em
parte, o esvaziamento de muitos templos. Uma tentativa de impedir a apostasia,
que não pelo tradicional método da pregação contextualizada, é a implementação
do que chamamos “elementos de entretenimento”.
Acreditamos que os demais elementos do culto precisam contextualizar-se
à cultura dos adoradores a fim de torná-los mais que simples assistentes nos
cultos. Entretanto, verificamos que o desafio
maior dos pregadores é restaurar
o prestígio da pregação nos nossos dias.
PauloPetrizzi
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