
E para que não aconteça que alguém, por ignorância,
deixe de dar o devido valor às Sagradas Escrituras, vejamos, antes de tudo,
como foi dada a antiga Lei, e como aqueles que receberam a nova Lei foram
capacitados para levá-la ao mundo, a partir do Pentecoste.
De que
maneira, quando e onde foi dada a antiga Lei? Foi dada após o extermínio dos
egípcios no mar Vermelho. Foi dada no deserto, sobre o monte Sinai, no momento
em que do monte se elevavam fumaça e fogo. A trombeta tocava, ressoavam os
trovões, relâmpagos cortavam o Céu, e Moisés penetrava dentro da própria
escuridão.
Nada disto
aconteceu no Dia de Pentecoste, quando o Senhor Jesus validou, através do
Espírito Santo, a responsabilidade que os discípulos tinham de propagar a nova
Lei. Não houve nem deserto, nem monte, nem fumaça, nem trevas, nem relâmpagos,
nem trovões. Tudo aconteceu no começo do dia, dentro de uma casa, enquanto
todos estavam tranquilamente sentados. O motivo dessa diferença foi que, para
pessoas que não usam com muita frequência a razão, e possuem natureza difícil
(dura cerviz), era necessário todo aquele aparato material de deserto, monte,
fumaça, soar de trombetas, e tudo o mais.
Porém, de
nada disto necessitavam aqueles que estavam em uma esfera mais elevada, eram
mais dóceis, e haviam-se erguido acima de todo pensamento material. E se é
correto observar que no Cenáculo também foi ouvido “um som, como de um vento
veemente e impetuoso” (At 2.2), é também correto não esquecer que esse som não
aconteceu para impressionar os discípulos, e sim para chamar a atenção dos
judeus estrangeiros que estavam em Jerusalém, assim como o fenômeno das línguas
de fogo repartidas sobre os discípulos, e suas consequências, tudo acontecendo
inicialmente para atrair a atenção deles e maravilhá-los (At 2.3,6-11).
Ora, mesmo
depois que viram todos aqueles prodígios, alguns judeus ainda foram capazes de
dizer que os discípulos estavam cheios de vinho (mosto) (At 2.13). O que teriam
dito se não tivessem visto nada daquilo? Devemos considerar também que, no
Sinai, quando Moisés subiu, a glória de Deus desceu. Por tudo o que vimos no
Cenáculo, quando a nossa natureza pecaminosa ergue-se até a presença do Senhor,
não só o Céu desse, mas o próprio Trono Régio de Deus vem até nós, e o Espírito
Santo manifesta-se em nosso meio, com poder e grande glória.
Se o Espírito
Santo fosse menor do que as outras pessoas da Trindade, suas obras não seriam
tão maravilhosas. E é assim que as tábuas da nova Lei são melhores que as da
Lei anterior. Pois os apóstolos não desceram do monte conduzindo em suas mãos,
como Moisés, tábuas de pedra, mas levavam em sua alma e no seu coração o
Espírito Santo. E era do coração deles, habitado pelo Espírito Santo, que saía
o tesouro e brotava a fonte de seus ensinamentos, de seus dons, e de todos os
bens que espalhavam prodigamente entre o
povo.
Movidos
pelo Espírito Santo, deram a volta ao mundo, como se fossem livros vivos e leis
vivas, cheios do conhecimento, do poder e da graça de Deus. Desta forma
conquistaram para Cristo aqueles três mil ouvintes, depois cinco mil, depois o
mundo inteiro de sua época, pois através da língua deles Deus falava a todos os
que se aproximaram para ouvi-los.
(Trecho das Noventa Homilias sobre o Evangelho de
Mateus, pregadas na Igreja de Antioquia, entre os anos 390 a 398, por João
Crisóstomo, o maior pregador da língua grega, após o apóstolo Paulo. Tópico 1
da 1ª Homilia . Traduzido e adaptado para o leitor do século 21).
Jefferson M. Costa
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