08 fevereiro 2015

UMA EXPOSIÇÃO BÍBLICA SOBRE A DEPRAVAÇÃO DOS SERES HUMANOS (Rm 1.18-32)¹ - FINAL



Nos versículos 23 e 24, Paulo descreve os seres humanos substituindo a glória de Deus incorruptível por imagens parecidas aos seres criados e essa depravação espiritual resultou em outro abandono divino. No versículo 25 está o registro do motivo da primeira entrega à desgraça do pecado: “Pois substituíram a verdade de Deus pela mentira e adoraram e serviram à criatura em lugar do Criador, que é bendito eternamente. Amem” (A21). Este versículo ecoa o sentimento do versículo 23, porém de modo algum é mera repetição dele. Ora, o que Paulo tem em mente é vindicar a manifestação da severidade do juízo divino sobre os idolatras (Rm 1.24), como a dura resposta à odiosa natureza depravada deles. Depois, revela no versículo 23 a intenção humana de detratar a glória essencial de Deus com sua idolatria. Entretanto, a fervente tribulação de louvor apresentada no texto é também a declaração da bendita santidade do Criador. Se isso fosse possível ao homem, ter sucesso em modificar a glória divina, então a linha divisória entre o Criador e a criatura deixaria de existir, e Deus já não seria Deus (WILSON, 2007, p. 33).

Segundo o mesmo autor, é absolutamente impossível ao homem obter sucesso em sua pecaminosa tentativa de diminuir a glória de Deus. Mais adiante, Paulo registra que todas as criaturas terão de pagar tributo aos direitos da glória do Criador, querendo ou não, seja sob a misericórdia ou sob a ira (Rm 9.22,23; Ap 4.11). Paulo culpou os homens em dois graves erros; um residente em suas mentes “eles substituíram a verdade de Deus em mentira”, e o outro residente na vontade deles “serviram mais a criatura no lugar do Criador”. David Brown (Apud WILSON, 2007, p. 34) bem dizia: “Professando servir o Criador por meio da criatura, logo deixaram de ver o Criador, fixando-se na criatura”.

Segunda entrega 
Por terem invertido a ordem e a essência do Criador, a depravação dos seres humanos os levou a um abandono vergonho: “Por causa disso, Deus os entregou a paixões vergonhosas. Até suas mulheres trocaram suas relações sexuais naturais por outras, contrárias à natureza” (Rm 1.26, NVI). O termo grego descrito no texto quanto à relação das mulheres também pode ser traduzido por “fêmeas”, uma vez que Paulo escreveu θήλειαι (thêleiai; fêmeas) e não γυνή (gynê; mulher). 

Ora, como a palavra θήλειαι aparece no dicionário e léxico grego sem nenhuma declinação, é θήλυς (thelus). O dicionário grego de Taylor (1991, p. 99) traduz o termo por “sexo feminino – mulher”; o Novo Testamento Grego (ed. ALAND e outros, 2009, p. 857) traduz “feminino; como substantivo, mulher, Rm 1.26”. Já o léxico do Novo Testamento, de Gingrich & Danker (1984, p. 98), traz “fêmea”. O Novo Testamento Interlinear da Vida Nova traduz θήλειαι por “mulheres”; e o de Luz apresenta “fêmeas”. 
Entretanto, as versões  em língua portuguesa traduzem por “mulheres” e não “fêmeas”, pois thêleiai(fêmeas) é a sua forma no plural do caso nominativo; termo este diferente de γυνή (gynê; mulher ou esposa). Independente da tradução “mulheres” ou “fêmeas”, a intenção apresentada por Paulo, quando preferiu empregar θήλυς e não γυνή, é que os comportamentos sexuais das mulheres se fundiram até mesmo no sentido de que abandonaram a sexualidade de mulher e se fizeram superficialmente fêmeas semelhantes às fêmeas dos animais. Portanto, Paulo não está tratando mais da imoralidade sexual em termos gerais, como no versículo 24, porém torna especifica, e centraliza, a atenção das repugnantes manifestações da depravação humana, a saber: a homossexualidade obstinada.

“As paixões vergonhosas” destacam o sentido do versículo 24b “para desonrarem seus corpos entre si”. Paulo não ataca as mulheres diretamente; parece que a ideia do pecado neste versículo remonta à queda adâmica. No entanto, “as suas mulheres”, ou melhor, “suas fêmeas”, “trocaram suas relações naturais por outras, contrarias à natureza”. Isto nos leva a lembrar da mesma troca já registrada nos versículos 23-25; a glória do Deus imortal por uma imagem de seres criados; Deus, que é a verdade, trocado por mentira. Segundo Hendriksen (2001, p. 103), “É evidente que o apóstolo está censurando a prática obstinada da homossexualidade ou sodomia”. 

Ao censurar a homossexualidade, primeiro a prática lésbica é reprovada: relações sexuais entre as mulheres. É evidente que o conceito de lesbianismo ou lésbica não foi descrito por Paulo, mas a prática, tendências e comportamentos, são obviamente descritos e condenados neste trecho e consequentemente na visão geral da Bíblia.  Portanto, “Pois até as mulheres trocam as relações naturais pelas que são contra a natureza” (NTLH) deixa claro que o apóstolo condena as fêmeas lésbicas, as quais inverteram o uso legitimo do sexo. 

Segundo Lopes, lesbianismo é a relação sexual entre mulher e mulher e já era uma prática “normal” na época de Paulo, mas não como nos dias atuais. Ainda segundo Lopes (2010, p. 91), “Deus tirou o pé do breque. Entregou essas pessoas a paixões infames, e as mulheres se entregaram ao lesbianismo”. Essa afirmação de Paulo, em 1.26, “está enfatizando o grau superlativo da degradação. As mulheres sempre foram guardiãs da moralidade.  Quando até as mulheres se corrompem, a cultura já chegou ao fundo do poço”, diz Lopes. 

Infelizmente, não são somente as mulheres que perderam suas identidades de feminismo em relação ao sexo; “Os homens, da mesma maneira, abandonando as relações naturais com as mulheres, arderam em desejo sexual uns pelos outros, homem com homem, cometendo indecência e recebendo em si mesmos a devida recompensa do seu erro” (Rm 1.27, A21). Paulo inicia este versículo com o adjetivo que coloca em igualdade de dois gêneros, classificando-os em uma mesma situação, ὁμοίως (omoiôs; semelhantemente). A boa tradução da versão Almeida Século 21 “os homens, da mesma maneira” deixa claro e explícito que a depravação atingiu igualmente homens e mulheres (Rm 1.26) no mesmo nível (Rm 1.27).

Ora, sendo assim, não é surpreendente a observação de que estes homens foram denominados ἄρσενες, (arseves; machos) e não ἀνθρώποἱ (antrõpooi; homens (plural)), ou ἀνθρώπος (antropos; homem (singular)). As versões da língua portuguesa traduzem homens/homem (A21, NTLH, KJA, NVI, RA, e a Vulgata-Latina traz masculi e não hominis). 

Paulo preferiu primeiro iniciar com as mulheres, para enfatizar ainda mais a depravação através da prática odiosa, mas sem excluir a estrutura masculina, pois esses “abandonando as relações naturais com a mulher...” (Rm 1.27b). O termo grego para natureza é φυσικὴν (fhysikên), o qual denota “de acordo com a natureza”, isto é, os homens violaram o princípio do uso natural e correto do seu sexo, criado para a procriação e prazer conjugal, ato exclusivo entre o homem e a sua mulher (Hb 13.4).

Com o abandono do uso ordenado por Deus para a relação sexual, a depravação maculou os homens e eles “arderam em desejo sexual uns pelos outros, homem com homem”. Além do ardor, Paulo aponta a intensidade do desejo homossexual utilizando a palavra grega empregada para ação reflexiva; ἀλλήλους (allêlous; uns pelos outros). Nesse termo há uma preposição muito forte que requer afinidade de pessoas da mesma comunidade. Paulo, em outras cartas, recomendou aos cristãos que tenham amor e que orem uns pelos outros, para indicar a ideia de comunhão local. Por incrível que pareça, os seres humanos, em seu estado profundo de depravação, vivem e se relacionam no homossexualismo em uma perversa e imoral harmonia. 


O texto não afirma que tais pessoas tiveram algumas relações sexuais entre si mesmas. A ênfase é muito mais do que uma mera prática homossexual, pois se trata de viver e aprovar o homossexualismo. Para Paulo, bastaria o desejo sexual ardente nos corações dos homens para com homens para que se caracterize pecado abominável perante Deus, todavia eles foram à prática “cometendo indecência e recebendo em si mesmos a devida recompensa do seu erro” (Rm 1.27, A21).

É importante ressaltar que o termo “erro”, encontrado em nossa versão, é uma tradução idiomática da palavra grega πλάνης (palanês; desvio); em outras palavras “desvio do alvo traçado por Deus”. Esta ideia define muito bem a origem do pecado, portanto o erro denota, em primeira instância, o desvio do caminho ou de uma instrução em que a pessoa foi orientada. A queda de Adão é uma evidencia óbvia para isso.

Homossexualismo (Rm 1.24,27), segundo Lopes (2010, p. 92), é fruto do “homem que desprezou o conhecimento de Deus e perverteu o culto divino, perdeu a própria identidade. Homossexualismo é uma total negação do mundo real”. A prática homossexual nega qualquer possibilidade de continuidade da raça humana e ameaça extinguir a identidade da pessoa como fruto do relacionamento biológico entre seres humanos de sexo oposto. Como deve ser o posicionamento cristão perante o universo do homossexualismo? Lopes nos responde:


Não podemos concordar com a bandeira levantada pela homofobia [sic] , quando os ativistas desse movimento afirmam que o homossexualismo é uma opção normal e que o casamento entre as pessoas do mesmo sexo é uma união de amor que deve ser chancelada pela lei de Deus e dos homens. Ao descrever homossexualismo, Paulo aponta sete características desse pecado abominável: 1) imundícia (1.24); 2) desonra para o corpo (1.24); 3) paixão infame (1.26); 4) antinaturalidade (1.26); 5) contrariedade à natureza (1.26); 6) torpeza (1.26) e 7) erro (1.28)” (LOPES, 2010, p. 92).

O autor do livro de Provérbios estava ciente da amplitude progressiva das manifestações da depravação humana quando afirmou: “Seis coisas o SENHOR detesta, sim, a sétima que ele abomina” (Pv 6.16, A21). As seis características do pecado da depravação sexual apontadas por Paulo são insuportáveis para Deus, porém, a sétima lista delas está no topo da escala, pois é do erro ou desvio que brotam todos os tipos de pecados. É certo que isto não traduz graus de pecados, mas sim intensificação da manifestação natureza pecaminosa já totalmente depravada. 

A terceira entrega 
Romanos 1.29 começa com uma conjunção aditiva de uma oração, και (kai; e), seguida do adjetivo καθèς (kathôs); ambas podem ser traduzidas por “e como, assim como, conforme, de acordo com”. “Assim, por haver rejeitado o conhecimento de Deus” (Rm 1.28a, A21) é uma implicação causal de que suas atitudes foram reprovadas por Deus. O apóstolo Paulo insiste em sua teologia que Deus não pode ser responsabilizado pelos erros humanos, e nem os homens que ignoram Deus são independentes ou irresponsáveis por suas ações. Em outras palavras, agindo eles em seu suposto absolutismo de decisão não estão isentos da intervenção de Deus. 

A segunda parte deste versículo 28 revela o controle absoluto do Deus todo poderoso sobre as suas criaturas. Por terem rejeitado a majestade de Deus, estes homens “foram entregues pelo próprio Deus a uma mentalidade condenável para fazerem coisas que não convêm” (Rm 1.28b, A21). Somente neste versículo, Paulo repete a ideia da reprovação divina pela ação do homem perverso. No início do versículo 28, ele emprega οὐκ ἐδοκίμασαν (ouk edokimasan; não foram aprovados por Deus), e na segunda parte do mesmo versículo encontra-se ἀδόκιμον νοῦν (adokimon noun; “mente reprovada” ou “mente não aprovada”). A tradução da A21, “mentalidade condenável”, apresenta a fundamentação paulina da depravação que causou a esses homens a rejeição de Deus. 

A maior desgraça com a qual o ser humano pode se deparar é ser reprovado por Deus. Se o homem for reprovado pelo homem ainda terá esperança pela frente, pois o julgamento humano limita-se apenas às coisas externas ou àquelas que ele mesmo pode ver, enquanto Deus vê além e conhece toda verdade dos fatos e intenções (Sl 139). Ser reprovado por Deus significa a aplicação do justo juízo divino, o qual intensifica a pratica de mais ações ilícitas, uma vez que tais atitudes geram consequências punitivas por si mesmas. Deus entregou os seres humanos depravados aos “seus maus pensamentos, de modo que eles fazem o que não devem” (Rm 1.28, NTLH). Sem o temor do Senhor no coração, e tendo as mentes deturpadas e incapazes de funcionar com consciência para zelar pelos valores morais humanos, o resultado foi fazer “tudo quanto suas mentes malignas poderiam imaginar” (Rm 1.28, BV). 

Segundo Stott (2007, p. 86), os homens com a sua mente depravada são conduzidos não apenas à imoralidade, mas a praticar o que não deviam (Rm 1.28), “evidenciado em uma inúmera variedade de práticas antissociais, as quais, juntas, descrevem a derrocada da comunidade humana, na medida em que os padrões desaparecem e a sociedade se desintegra”. O ser humano entregue a sua depravação gera a sua própria desgraça.

3. Uma lista de pecados (Rm 1.29-32a)
Paulo apresenta uma longa lista de pecados praticados pelos seres humanos depravados em seu ser e por isso são reprovados por Deus. A disposição das mentes deles é fonte para fazer as coisas que saciam sua sede pecaminosa. A lista de pecados registra vinte e um itens encontrados nos versículos finais de Romanos 1. Para Stott, os 21 itens de vícios que compõem a lista não eram incomuns na época, na literatura estoica, judaica e igreja primitiva. Todos os comentaristas parecem concordar que é uma lista que resiste a qualquer classificação mais esmerada. 

A identificação dos vícios é dividida por Stott em seis partes, a saber:  1) Começa com quatro pecados generalizados dos quais os seres humanos tornaram-se cheios e diz respeito a toda sorte de injustiça, maldade, ganância e depravação (Rm 1.29); 2) Depois vêm outros cincos pecados que retratam relacionamentos humanos maculados ou rompidos: inveja, homicídio, discórida, engano e malícia (Rm 1.29); 3) Prosseguindo, segundo Stott, vem um par isolado que sublinha a calúnia e a difamação — bisbilhoteiros, caluniadores; 4) Em seguida, outros quatro tipos de pecados que tratam de maneiras de orgulho distintos e extremos: inimigos de Deus, insolentes, arrogantes e presunçosos; 5) Aparece outro par independente de palavras que traduz pessoas que são criativas em relação ao mal e rebeldes em relação a seus pais: inventam maneiras de praticar o mal e são desobedientes aos pais (Rm 1.30); 6) A lista termina com outros graves tipos de pecados: insensatos, desleais, sem amor pela a família e implacáveis (ou como diz a BLH “são imorais, não cumprem a palavra, não têm amor por ninguém e não têm pena dos outros” (Rm 1.31)) (STOTT, 2007, p. 86).  

A lista dos pecados descridos por Paulo é a mais longa encontrada nas suas cartas e descreve suficientemente a amplitude da depravação da natureza pecaminosa, porém não significa que os pecados das pessoas se limitavam apenas aos da lista. Wilsom argumenta que Paulo não intencionou oferecer um catálogo completo dos vícios da época, mas apresentar uma descrição dos pecados que dominavam o mundo pagão


[...] O apóstolo não parece seguir nenhuma ordem particular, às vezes há associação “de som e às vezes de sentido” (Brown). Paulo não quis dizer que todos esses pecados se achavam em toda pessoa, indivíduo, mas sim “todos eram culpados de alguns, e alguns eram culpados de todos eles” (Poole) (WILSON, 2007, p. 36).

O apóstolo Paulo termina a sua denúncia tenebrosa aos homens que vivem sem nenhuma proteção divina, declarando um agravante; eles são conhecedores do juízo de Deus. A inocência humana, em relação aos seus atos pecaminosos, foi descartada por Paulo durante o seu discurso, particularmente nos versos 18-28. O apóstolo insiste que o que pode ser conhecido sobre Deus foi suficientemente manifestado pelo próprio Deus (Rm 1.19) e mesmo tendo conhecido a Deus não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; ao contrário, tornaram fúteis em suas vanglórias e especulações e o seu coração insensível se obscureceu (Rm 1.21). Portanto, a partir daí, Paulo apresenta as claras razões da inversão da verdadeira essência do Deus verdadeiro, a verdadeira essência do deus falso — inclusive os seres humanos que se autodeificam —, das imagens e dos ídolos. 

Por isso, Paulo afirma que os seres humanos depravados foram sentenciados “conhecendo bem o decreto de Deus, que declara dignos de morte os que praticam essas coisas” (Rm 1.32a, A21). A palavra grega traduzida por decreto é δικαίωμα (dikaioma), que possui a mesma raiz de justiça (dikaiosyne) e de justo (dikaios). No entanto, a justiça de Deus é também punitiva, e isto em nada afeta a verdade de Deus continuar sendo perfeito em todas as suas ações. Mais à frente, o texto paulino define dois polos que separam definitivamente o homem que tem Deus como seu Salvador e vive sob sua proteção, do homem sem Deus que vive desprotegido por estar fora da graça especial de Deus. A sentença divina anunciada por Paulo em Romanos 6.23 serve como salário para todos os transgressores da justiça divina, os quais são dignos de morte. “Porque o salário do pecado é morte”, entretanto a ruptura da impiedade acontece por um ato de graça “mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna em Jesus Cristo, nosso Senhor” (A21).

4. Aprovar ato ilícito é cometer pecado (Rm 1.32b)
Nesse trecho, o leitor é confrontado com questões acerca da concordância com alguém em pecado, mesmo sem ter praticado. Paulo deixa claro que os que praticam ações pecaminosas são dignos de morte, porém “não somente as fazem, mas também aprovam os que as praticam” (Rm 1.32b, A21). É verdade que no texto grego não se encontra os dois verbos “aprovar” e “praticar” e sim “parecer” e “fazer”. A frase grega ἀλλὰ καὶ συνευδοκοῦσιν τοῖς πράσσουσιν (ala kai syneudokusin toîs proassoysin) pode ser traduzida por “mas também parecem bem com os que fazem”. 

Cranfield (2005, p. 52) descreve com firmeza o que Paulo quis dizer ao afirmar que não apenas os que cometem pecados, mas também os que concordam com os que cometem são dignos de morte:


A frase sugere que aprovar a prática de más ações de outros é ainda mais depravado do que fazê-las [...] que é, de fato, verdade que o homem que aplaude ou encoraja os que praticam algo vergonhoso, embora não o praticando ele mesmo, não só é tão depravado como os que praticam, mas muitas vezes, se não sempre, mais depravado do que eles realmente. Pois os que aplaudem e encorajam as ações perversas de outros contribuem deliberadamente para o estabelecimento de opinião pública favorável ao vício e, com isso, promovem a corrupção de multidão inumerável; eles não terão estado muitas vezes [...], (CRANFIELD, 2005, p. 52).

Portanto, Paulo veta qualquer futura objeção humana, quando se quer livrar do juízo ou tentar se justificar da sua falsa inocência. Uma pessoa pode até ser inocentada pelo juízo humano, mesmo tendo sido o infrator, desde que não tenha suas más ações vistas pelos homens, mas jamais poderá esconder-se aos olhos do Todo Poderoso. Os pecados de todos os seres humanos não são considerados apenas pela mera prática, muito mais que isso, são considerados pecados que produzem depravação total. E mais, toda maldade que nasce no coração e toda concordância para com aqueles que vivem as suas vidas sem nenhum temor ao Deus Criador estão debaixo da justa condenação divina. 

Palavras finais
Acabamos de apresentar a denúncia e repúdio de Paulo aos seres humanos depravados. A forte linguagem empregada parece dar a entender que os povos gentios foram alvo particular das denúncias, uma conclusão restrita no que diz respeito à significância e graves consequências do pecado. Visto que todos os seres humanos pecaram, somos direcionados a aplicar a doutrina da depravação pelo pecado a todos os povos que viviam ou que estão vivendo sob domínio da impiedade e injustiça, independentemente das origens étnicas. O próprio Paulo em sua carta aos Efésios descreveu a situação de pessoas que viviam sem Deus, sem nenhuma distinção racial, como se segue:


Anteriormente, todos nós também vivíamos entre eles, satisfazendo as vontades da nossa carne, seguindo os seus desejos e pensamentos. Como os outros, éramos por natureza merecedores da ira. Todavia, Deus, que é rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, deu-nos vida juntamente com Cristo, quando ainda estávamos mortos em transgressões — pela graça vocês são salvos (Ef 2.3-5, NVI).

Entretanto, o que parece inacreditável é que, muitas vezes, aqueles que se intitulam cristãos estão tendo os mesmos comportamentos parecidos com os dos pagãos. Pseudo cristãos dizem que têm o conhecimento de Deus, contudo, não fazem a sua vontade. Este assunto Paulo retoma em Romanos 2.1-8, só que desta vez o foco são os moralistas judeus e não judeus, pois eles também cometem pecados e serão julgados por Deus. 

É prudente registrar que a descrição dos pecados catalogados por Paulo em Romanos 1.29-32a não deve denotar que são mais graves em relação aos outros que não foram listados, muito menos que devem ser interpretados como se fossem somente estes pecados que foram condenados. Ora, qualquer pecado é pecado mortal e depravador, isto é, qualquer pecado é um desvio de um alvo traçado por Deus, e neste sentido quem se desviar deste alvo é tido como depravado, transgressor. Por isso, nenhum ser humano é isento de pecado, exceto Jesus Cristo, o nosso Grande Deus (Tt 2.13). Quando o cristão autêntico comete pecado, ele deve se sentir contrito, arrependido e confessar perante Deus o seu erro. Esta atitude traduz bem o pleno sentido bíblico da santificação e Paulo destina os capítulos 6 a 8 da carta aos Romanos para tratar desse assunto.

É ainda relevante afirmar que os perfis de depravação apresentados refletiam o contexto da época e eram os pecados mais comuns ou populares no mundo greco-romano. É como se hoje, no século XXI, se pedisse para um pastor cuidadoso e capaz apresentar uma lista dos pecados mais praticados no mundo atual. Certamente essa lista hodierna não teria muita diferença daquela apresentada por Paulo. Pessoalmente, eu relacionaria onze pecados: imoralidade, mentira, assassinato, roubos, fraude, tráfico humano, corrupção, arrogância, nepotismo, idolatria e descriminação/injustiça. 

Portanto, na qualidade de cristão regenerado, cada crente deve evidenciar, através da sua prática, a sua fé em Cristo. Os filhos de Deus não são nem vivem como depravados. O povo de Deus foi resgatado da depravação do pecado para ser luz às nações, a fim de que o nome de Cristo seja glorificado (1Pe 2.9). 

Em um mundo de pessoas que vivem alienadas de Deus e depravadas pelo pecado, Deus tem homens e mulheres que não se deixam ser vencidos pelo pecado, pessoas que se humilharam e decidiram imitar a Cristo. Que contraste radical! Depravação total versus santidade; vida de pecado versus vida luta contra o pecado. Que Deus nos ajude a servi-lo e adorá-lo sempre!


Bibliografia

Versões bíblicas
A Bíblia Viva. 8.ed. São Paulo: Mundo Cristão, 1995.
Almeida Século 21. São Paulo: Vida Nova; Hagnos, 2008.
Bíblia Shedd. 2.ed. São Paulo: Vida Nova, 1997.
King James Atualizada. Novo Testamento Edições de Estudo. São Paulo: SBIA; Abba, 2007.
Nova Tradução da Linguagem de Hoje. São Paulo: SBB. 2000.
Nova Versão Internacional. Português-Inglês. 3.ed. São Paulo: Vida; 2003.

Comentários bíblicos e referência
ALAND, Barbara; ALAND, Kurt et al., orgs. O Novo Testamento Grego. 4.ed. revisada com introdução em português e dicionário grego-português. Barueri, SP: SBB, 2008. 
CABRAL, Elienai. Comentário Bíblico de Romanos. 3.ed. Rio de Janeiro: CPAD, 1988. 
CALVINO, João. Sumario de la Institución de la Religion Cristiana. Barcelona: CLIE: 1991.
CALVINO, João. Comentário à Sagrada Escritura Exposição de Romanos. São Paulo: Paracletos, 1997. 
CRANFIELD, C. E. B. Comentário de Romanos. São Paulo: Vida Nova, 2005.
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
GINGRICH, F. Wilbur; DANKER, Frederick W. Léxico do Novo Testamento: Grego/Português. São Paulo: Vida Nova, 1984.
KISTEMAKER, Simon. Comentário do Novo Testamento, Romanos. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.
LOPES, Hernandes Dias. Romanos: O evangelho Segundo Paulo. São Paulo: Hagnos, 2010.
LUZ, Waldyr Carvalho. Novo Testamento Interlinear. São Paulo: Hagnos, 2010.
MACDONALD, William. Comentário Bíblico Popular Novo Testamento: Versículo por Versículo. São Paulo: Mundo Cristão, 2008.
NOVO Testamento Interlinear: Grego-Português. 4.ed. Barueri: SBB, 2004.
RADMACHACER, Earl D., org. O Novo Comentário Bíblico Novo Testamento. Rio de Janeiro: Gospel, 2010.
STERN, David. Comentário Judaico do Novo Testamento. São Paulo: Templus & Atos; 2008.
STOTT, John. A Mensagem de Romanos. São Paulo: ABU, 2007.
WIERSBE, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo: Novo Testamento. Santo André: Geográfica, 2012. Vol. 1.
WILSON, Geoffrey B. Romanos: Um Digesto de Reflexões Reformadas. 2.ed. São Paulo: PES, 2007.
________________________________________________________
1O presente texto faz parte de um projeto de dissertação de mestrado em andamento. Os primeiros manuscritos deste texto foram compartilhados em sala de aula com os alunos do segundo ano noturno, na turma de 2014 do Seminário Betel Brasileiro. 
2Almeida Século 21.
3Nova Versão Internacional. 
4Os gregos sabiam muito bem o valor do termo δόξα (doxa; glória), do qual deriva o verbo δοξάζω (doxazô; glorificar); ἐδόξασαν “glorificaram”. Na verdade, a melhor tradução deste verbo ἢ ἠυχαρίστησαν é “nem lhe agradeceram”, como a NVI bem traduz “nem o renderam a graças”. 
5Nova Tradução da Linguagem de Hoje.
6Correlações: Em Levítico 20.13, a pena de morte é anunciada sobre seus perpetradores. Para mais detalhes sobre esse abominável mal, ver Gn 19.4-9; Lv 18.22; 20.13; Dt 23.17-18; Jz 19.22-24; 1Rs 14.24; 15.12; 22.46; 2Rs 23.7; Is 3.9 e Lm 4.6. No Novo Testamento, veja 1Co 6.9-10; Ef 4.19; 1Tm 1.10; 2Pe 2.6 e Jd 7 (HENDRIKSEN, 2001, p. 104).
7King James Atualizada; e Almeida Revisada e Atualizada.
8Bíblia Viva.
9A ordem da lista dos pecados encontrada na versão Almeida Século 21 difere da lista apresentada por Stott. Vejamos: “Cheios de toda forma de injustiça, malícia, cobiça, maldade, inveja, homicídio, discórdia, engano, depravação; sendo intrometidos, caluniadores, inimigos de Deus, insolentes, orgulhosos, arrogantes, inventores de males, desobedientes aos pais, insensatos, indignos de confiança, sem afeto natural, sem misericórdia” (Rm 1.29-31). 
101) Cheios da injustiça. O termo grego ἀδικίᾳ (adkia; injustiça) é uma negação da δικίᾳ (dikia; justiça), isto é, quem é despido de toda espécie de justiça. 2) Cheios de maldade. O termo grego πονηρίᾳ (ponaria) refere-se de uma pessoa maligna, cuja ação é sedutora, não apenas porque ela é má, mas também porque busca arrastar os outros para seu mau caminho. 3) Cheios de avareza. O termo grego empregado é πλεονεξίᾳ (pleoneksia), o qual descreve “o desejo desfreado que não conhece limites nem leis, o desejo insaciável às possessões e aos prazeres ilícitos”. 4) Cheios de ruindade. Aqui Paulo emprega o termo κακίᾳ (kakia), que se refere ao homem que é despido de todo tipo da natureza do bem, pois trata-se da pessoa que tem inclinação para o pior (LOPES, 2010, p. 93).

Nenhum comentário:

Postar um comentário