Eu sempre fui ensinado, desde criança, que o calvinismo era
um erro teológico.
Mas isso foi só até a época em que eu passei a estudar
melhor o assunto. Depois que comecei a ler os escritos de Calvino, descobri que
eu estava enganado. Não, o calvinismo não era apenas um erro teológico: era um
ensino terrível e assombroso, como o próprio Calvino admitiu, quando disse:
“certamente confesso ser esse um decretum horribile”[1].
Por que Calvino chamou sua doutrina do decreto divino de
“horrível” ou “espantosa”? Porque ele sabia que, se levada às suas
consequencias irredutíveis, sua doutrina transformaria Deus em um mostro moral
que predestina todos os acontecimentos maléficos da humanidade, que faz dos
seres humanos marionetes nas mãos de um Criador que faz acepção de pessoas, que
só ama os eleitos e que não deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem
ao conhecimento da verdade.
Um deus que predestina alguns para a salvação e outros para
um tormento eterno. Que criou seres pré-ordenados a sofrerem eternamente. Que
criou o mal e que ordenou o pecado. Que determinou cada evento que aconteceria
neste planeta, inclusive esposas que seriam espancadas por seus maridos,
crianças estupradas por pedófilos, genocídios, Holocausto, tortura, assassinato.
Um deus que, como disse Olson, “só pode ser temido e mal pode ser diferenciado
do diabo”[2]. E o pior: que faz tudo isso para a sua glória!
Como disse Dave Hunt:
“Todos os argumentos dos calvinistas possuem um propósito:
provar que Deus não ama a todos, isto é, provar que Cristo não morreu por
todos, provar que Deus não é bondoso com todos. E que, na verdade, Ele se
agrada em mandar multidões para o inferno. Que amor é este?”[3]
Além disso, a teologia calvinista nos leva a outros
problemas. Por exemplo: por que eu oraria para um descrente ser salvo? Se ele
foi predestinado por Deus para ser salvo (e essa predestinação é fatalista e a
graça é irresistível), então não há qualquer necessidade de eu orar para que
esse descrente seja salvo, pois ele será salvo de qualquer jeito. Mas, se ele
não foi predestinado (o que significa que ele foi predestinado para a
perdição), então qualquer oração que eu faça por ele será completamente inútil,
pois ele já estaria pré-ordenado para ir para o inferno e não haveria nada que
alguém pudesse fazer para reverter isso. Ou seja: a oração seria inútil de um
jeito ou de outro.
A mesma coisa se aplica a missões: para que sair daqui para
pregar o evangelho na África ou na Ásia em países perseguidos se aqueles que
foram predestinados serão salvos de qualquer jeito? E, se não foram
predestinados, não será a minha pregação que irá mudar isso. Ou seja: a oração
e a pregação seriam completamente inúteis, sem sentido lógico de existir – de
acordo com o método calvinista.
Por outro lado, se Deus não determinou tudo o que irá
acontecer – embora saiba tudo o que irá ocorrer –, então a oração e
evangelização são absolutamente necessárias. Então vidas podem ser salvas se
orarmos, e perder-se pela falta de oração. Então almas podem ser ganhas para
Cristo se formos pregar onde Cristo não é pregado – vidas essas que poderiam
não ser salvas se não fôssemos pregar. Isso dá sentido à vida cristã. Faz com
que a prática do evangelho não seja algo inútil e sem razão de ser. Ou, para
ser mais claro, isso é ser arminiano.
Calvinistas admitem tudo isso? Nem todos. Eles disfarçam
isso em meio à sua teologia, mascarada sob o nome de “soberania divina”. Assim,
eles pretendem dizer que todos aqueles que não creem no calvinismo não creem na
soberania de Deus ou na graça soberana. Fazem verdadeiros espantalhos da
teologia arminiana[4], comparando-a ao pelagianismo, ao semipelagianismo e ao
romanismo[5]. Tudo isso para encobrir as conclusões que se chegam através de
sua própria teologia.
Como disse Jerry Walls:
“O debate entre calvinismo e arminianismo não tem sua ênfase
na liberdade, mas na bondade de Deus. O arminiano defende, em primeiro lugar,
não a liberdade humana, mas a bondade divina, que o calvinista parece afogar em
nome da soberania”[6]
Aqui um calvinista poderia alegar: “Mas você está fazendo um
espantalho da doutrina calvinista. Ela não ensina isso!”. De fato, muitos
calvinistas, quando refutados por arminianos, se defendem dizendo que “o
calvinismo não ensina isso”. Em um debate televisivo, o pastor presbiteriano
Welerson Alves Duarte disse: “Muitas críticas e argumentos que nós ouvimos
contra o calvinismo, na verdade não tratam de calvinismo. Um espantalho é
criado e conceitos que nenhum calvinista defende são apresentados como se fosse
calvinismo, e então fica fácil argumentar contra a outra parte”[7].
Para evitar que um calvinista use tal argumento contra este
livro, dizendo que certa afirmação não representa o que é crido no calvinismo,
farei questão de expor mais de duas centenas de citações de Calvino e outras
centenas de citações de outros autores calvinistas famosos ao longo de todo o
livro.
Uma análise meticulosa nos escritos de Calvino nos mostra
claramente que ele era muito mais “calvinista” do que se imagina, e que os
calvinistas extremados têm razão em se dizerem os verdadeiros seguidores da sua
doutrina. Embora muitos hoje tentem suavizar os ensinos de Calvino, o próprio
Calvino não suavizou sua doutrina nem um pouco, mas foi bem aberto em dizer,
por exemplo, que o assassino mata os inocentes por um decreto de Deus:
“Imaginemos, por exemplo, um mercador que, havendo entrado
em uma zona de mata com um grupo de homens de confiança, imprudentemente se
desgarre dos companheiros, em seu próprio divagar seja levado a um covil de
salteadores, caia nas mãos dos ladrões, tenha o pescoço cortado. Sua morte fora
não meramente antevista pelo olho de Deus, mas, além disso, é estabelecida por
seu decreto”[8]
Ou então que Deus deseja os roubos, os adultérios e os
homicídios:
“Mas, replicarão, a não ser que ele quisesse os roubos, os
adultérios e os homicídios, não o haveríamos de fazer. Concordo. Entretanto,
porventura fazemos as coisas más com este propósito, ou, seja, que lhe
prestemos obediência? Com efeito, de maneira alguma Deus não no-las ordena;
antes, pelo contrário, a elas nos arremetemos, nem mesmo cogitando se ele o
queira, mas de nosso desejo incontido, a fremir tão desenfreadamente, que de
intento deliberado lutamos contra ele”[9]
Ou então que o único motivo pelo qual os crimes acontecem é
pela administração de Deus, e que os próprios homicidas e malfeitores são meros
instrumentos nas mãos de Deus para praticar tais atos horrendos:
“Os crimes não são cometidos senão pela administração de
Deus. E eu concedo mais: os ladrões e os homicidas, e os demais malfeitores,
são instrumentos da divina providência, dos quais o próprio Senhor se utiliza
para executar os juízos que ele mesmo determinou. Nego, no entanto, que daí se
deva permitir-lhes qualquer escusa por seus maus feitos”[10]
Ou então que Deus lança os infantes a uma morte eterna por
causa de um decreto horrível, porque assim lhe pareceu bem:
“De novo, pergunto: donde vem que tanta gente, juntamente
com seus filhos infantes, a queda de Adão lançasse, sem remédio, à morte eterna,
a não ser porque a Deus assim pareceu bem? Aqui importa que suas línguas
emudeçam, de outro modo tão loquazes. Certamente confesso ser esse um decretum
horribile. Entretanto, ninguém poderá negar que Deus já sabia qual fim o homem
haveria de ter, antes que o criasse, e que ele sabia de antemão porque assim
ordenara por seu decreto”[11]
Ou então que Deus não só permite, mas incita os ímpios às
maldades contra nós:
“A suma vem a ser isto: que, feridos injustamente pelos
homens, posta de parte sua iniquidade, que nada faria senão exasperar-nos a dor
e acicatar-nos o ânimo à vingança, nos lembremos de elevar-nos a Deus e
aprendamos a ter por certo que foi, por sua justa administração, não só
permitido, mas até inculcado, tudo quanto o inimigo impiamente intentou contra
nós”[12]
Ou então que o pecado dos ímpios provém de Deus:
“Que os maus pequem, isso eles fazem por natureza; porém que
ao pecarem, ou façam isto ou aquilo, isso provém do poder de Deus, que divide
as trevas conforme lhe apraz”[13]
Ou então que a própria Queda de Adão foi preordenada por
Deus:
“A Queda de Adão foi preordenada por Deus, e daí a perdição
dos réprobos e de sua linhagem”[14]
Ou então que essa Queda e a condição depravada do ser humano
ocorreram pela vontade de Deus:
“Quando perecem em sua corrupção, outra coisa não estão
pagando senão as penas de sua miséria, na qual, por sua predestinação, Adão
caiu e arrastou com ele toda sua progênie. Deus, pois, não será injusto, que
tão cruelmente escarnece de suas criaturas? Sem dúvida confesso que foi pela
vontade de Deus que todos os filhos de Adão nesta miserável condição em que ora
se acham enrodilhados”[15]
Ou então que o homem caiu (no pecado) porque Deus assim
achou conveniente:
“Além disso, sua perdição de tal maneira pende da
predestinação divina, que ao mesmo tempo há de haver neles a causa e a matéria
dela. O primeiro homem, pois, caiu porque o Senhor assim julgara ser
conveniente. Por que ele assim o julgou nos é oculto”[16]
Se você não concorda com esses ensinos absolutamente
repudiáveis, você pode ser qualquer coisa, menos um calvinista – ainda que
pense que é um[17].
Fontes:
[1] Institutas, 3.23.7.
[2] OLSON, Roger. Teologia Arminiana: Mitos e Realidades.
Editora Reflexão: 2013, p. 142.
[3] David Hunt. Que amor é este? A falsa representação de
Deus no calvinismo. Parte 1/2. Disponível em:
[4] Um “espantalho” é quando se pretende refutar uma tese
contrária pervertendo aquilo que é realmente ensinado pela oposição. Por
exemplo: o arminianismo crê na soberania de Deus, mas um calvinista afirma que
os arminianos não creem na soberania divina e, em seguida, passa a provar
biblicamente que Deus é soberano. Ele não está refutando a verdadeira teologia
arminiana, mas está batendo em um espantalho montado por ele mesmo, já que os
arminianos creem na soberania divina, e, portanto, argumentar em favor dela não
refuta nada da verdadeira teologia arminiana.
[5] Iremos abordar estes conceitos com mais profundidade no
capítulo seguinte do livro.
[6] Jerry
L. Walls. Jerry Walls on Reformation, Free-will and Philosophy. Disponível
em: . Acesso em: 09/01/2014.
[7] Pr. Welerson Alves Duarte. Se a predestinação calvinista
não é correta, como entender Romanos 9? Disponível em:
. Acesso em: 09/01/2014.
[8] Institutas, 1.16.9.
[9] Institutas, 1.17.5.
[10] Institutas, 1.17.5.
[11] Institutas, 3.23.7.
[12] Institutas, 1.17.8.
[13] Institutas, 2.4.4.
[14] Institutas, 3.23.7.
[15] Institutas, 3.23.4.
[16] Institutas, 3.23.8.
[17] Essas são apenas algumas citações de um todo muito
maior que iremos passar ao longo de todo este livro. Elas nos mostram que
Calvino não tinha qualquer receio em dizer abertamente aquelas coisas que seus
seguidores calvinistas de nossos dias dizem que são “espantalhos”, porque, em
muitos casos, eles mesmos se escandalizam com a teologia do verdadeiro Calvino,
pois sabem que é absurda se levada a sério.
Extraído do livro “Calvinismo X Arminianismo: quem está com
a razão?”, cedido pela comunidade de arminianos do Facebook
COMENTÁRIO DE WÁLDSON:
Neste debate entre Calvinismo e Arminianismo, quem está correto? É interessante notar que na diversidade do Corpo de Cristo, há toda a sorte de mistura de Calvinismo e Arminianismo. Há quem apóie cinco pontos do Calvinismo e cinco pontos do Arminianismo, e ao mesmo tempo, há quem apóie apenas três pontos do Calvinismo e dois pontos do Arminianismo. Muitos crentes chegam a um tipo de mistura das duas visões.
No final, é nossa visão que os dois sistemas falham por tentar explicar o inexplicável. Os seres humanos são incapazes de compreender totalmente um conceito como este. Sim, Deus é absolutamente soberano e de tudo sabe. Sim, os seres humanos são chamados a fazer uma decisão genuína a colocar sua fé em Cristo para a salvação.
Estes dois fatos parecem contraditórios para nós, mas na mente de Deus, fazem completo sentido.
Meu abraço sincero.
Viva vencendo, com as Escrituras!!!
Seu irmão menor.
Nunca li tanta asneira em minha vida. Fico chocado com a disputa que gira em torno de Calvinistas e Arminianos, sendo que a Bíblia não é nem preta e nem branca neste assunto, e sim cinza. O fato é, que isso é apensa uma doutrina secundária, que não afeta nada primário em nossa fé. Espero que um dia essa disputa possa ser minimizada e muito mais que isso, o reino esteja em primeiro lugar!
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