
Vários sinais contundentes mostraram, na semana passada, como as questões morais, de cunho religioso, passaram a guiar os políticos brasileiros – com uma força que só encontra paralelo, entre as grandes democracias ocidentais, com o que ocorre hoje nas campanhas políticas nos Estados Unidos. Um dia depois de lançar seu programa de governo, a candidata Marina Silva (PSB), hoje favorita a conquistar o Palácio do Planalto, depois de pressionada nas redes sociais pelo pastor Silas Malafaia, um dos líderes da Assembleia de Deus, voltou atrás numa série de compromissos. O primeiro dizia respeito à união civil homossexual. Marina é a favor – e reafirmou isso em vários programas de televisão ao longo da semana. Mas não queria que a união civil constasse, em seu programa de governo, com o nome de “casamento”, um sacramento religioso. O segundo ponto dizia respeito à lei que torna a homofobia um crime, defendida na primeira versão de seu programa. Essa lei já foi rejeitada no Senado. Religiosos alegaram na ocasião que ela não dizia com clareza se dogmas pregados nos templos, sem intenção ofensiva, poderiam ser classificados como “homofobia”.
Com a atitude, Marina ganhou o aplauso dos religiosos. “Ela teve coerência. Tem coisa que o candidato promete e não dá para fugir”, diz Malafaia. “Tínhamos dificuldades para falar com ela, porque ela dava respostas para agradar a gregos e troianos”, afirma o pastor Marco Feliciano, deputado federal pelo PSC de São Paulo. Feliciano é execrado pelo movimento LGBT, por ter defendido, na presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, o projeto da “cura gay”. “No momento em que Marina teve de se decidir de fato, ela se colocou como uma cristã de verdade”, diz ele. Marina atribuiu o vaivém a um “erro no processo de editoração” de seu programa. Percebendo um flanco para atacar contradições da rival, a presidente Dilma abraçou a defesa da lei contra a homobofia – embora ela tenha recuado na decisão de distribuir material didático a favor da tolerância sexual, tachado como “kit gay” pelas lideranças evangélicas.
O recuo de Marina choca os marineiros “sonháticos”, mas, de um ponto de vista estritamente eleitoral, faz sentido. Embora conserve o título de país com o maior número de católicos do mundo, o Brasil avança com rapidez para se tornar uma nação mais evangélica. Em dez anos, os evangélicos passaram de 15,4% da população para 22,2%, um total de 42,3 milhões. Com 22% do eleitorado, somam hoje quase 27 milhões de votos. Embora Marina Silva não seja da bancada evangélica e, em sua carreira política, tenha sempre defendido valores laicos, a maioria dos evangélicos vota nela – 43%, contra 32% de Dilma, segundo a pesquisa do Ibope divulgada na semana passada. Um outro dado da mesma pesquisa, que passou despercebido, explica ainda melhor por que é tão importante para um candidato à Presidência não se indispor contra os valores religiosos. De forma geral, os candidatos evangélicos se opõem – com diferentes nuances de tolerância – ao casamento gay, a mudanças na lei da interrupção da gravidez e à liberação das drogas. A pesquisa do Ibope mostrou que a maior parte dos brasileiros, independentemente de religião, pensa como os evangélicos: 79% são contra o aborto; 79%, contra a liberação da maconha; e 53%, contra o casamento gay. A mesma pesquisa revela que 75% dos brasileiros são a favor do Bolsa Família. Isso significa que, se é majoritariamente a favor de políticas sociais, a sociedade brasileira é conservadora em temas ligados a família e comportamento.
O voto evangélico: a benção vai para quem?
A questão que se busca responder é: existe de fato um poder
do eleitorado evangélico através de seu voto que seja fator decisivo nas
eleições de candidatos estaduais, federais e também em âmbito nacional?
No dia 22 de julho, em uma reunião em Brasília, os
presidentes dos nove partidos que compõem a aliança pela reeleição da presidente
Dilma Rousseff definiram pela criação de um Comitê Evangélico; sob a
organização dos presidentes Gilberto Kassab (PSD), Marcos Pereira (PRB) e
Eurípedes Júnior (Pros).
Tal decisão resultou da queixa de Marcos Pereira para com a
Presidente e alguns ministros, ressaltando a necessidade de maior interação do
governo com as lideranças evangélicas nacionais; visto que, de acordo com o
IBGE, o público evangélico soma mais de 40 milhões de pessoas, equivalente a
20% da população brasileira. Outra justificativa é a identificação do
‘eleitorado evangélico’ com o também presidenciável Pastor Everaldo (PSC), da
Assembleia de Deus.
Ficou acordado que os responsáveis por este Comitê ajudarão
a montar uma agenda de encontros da Presidente com os principais pastores e
líderes evangélicos do País até o dia das eleições.
A questão que se busca responder é: existe de fato um poder
do eleitorado evangélico através de seu voto que seja fator decisivo nas
eleições de candidatos estaduais, federais e também em âmbito nacional? Alguns
pesquisadores acreditam na existência deste chamado ‘voto evangélico’, outros,
se recusam a afirmar com veemência. Verdade ou não, algo é fato: tal pensamento
tem ganhado força e alcance na sociedade resultando na formação de um senso
comum baseado nesta premissa. Isto tem impulsionado os candidatos, a cada
eleição, a concentrarem atenção específica a esta parcela do eleitorado
brasileiro.
Um dos fundamentos que corrobora a tese daqueles que
acreditam na existência do ‘voto evangélico’, deve-se a grande influência da
figura do pastor como líder e autoridade para seus fiéis. Em uma pesquisa
realizada sobre a influência de líderes religiosos em 2002, pelo escritor e
conferencista Ariovaldo Ramos, apontou que um em cada quatro eleitores
escolheriam seu candidato pela indicação de um pastor, padre, pai-de-santo ou
equivalente. Desta forma, desde a sugestão de conduta espiritual até a
indicação de um candidato eleitoral poderiam ser acatadas e, assim, confirmar a
obediência.
A identificação dos fiéis, principalmente evangélicos, com
sua liderança tem se mostrado alta. Seja pelo carisma, pela boa oratória de
convencimento dos deputados pastores, muitos dos fiéis são cativados por suas
lideranças, e então passam a se identificar ainda mais com o parlamentar quando
ele vota favorável às causas cristãs colaborando para a comunidade evangélica.
Os evangélicos, no decorrer das últimas legislaturas da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal e em outros órgãos, demonstraram
grande adaptabilidade e influência para com os seus eleitores, em especial os
fiéis das denominações religiosas das quais estes políticos fazem parte. Até
porque eles abandonaram o caráter sectário e avesso à inserção nos canais
políticos de atuação.
Percebe que a ampliação do uso da mídia por parte do setor
evangélico, o crescimento do quadro de fiéis brasileiros destas denominações em
um curto período, o discurso empregado por determinadas lideranças
eclesiásticas, assim como as alianças eleitorais foram fatores determinantes
para o êxito evangélico na empreitada pela via política.
Acreditando na importância significativa de influência nos
resultados eleitorais, diversos acordos políticos e econômicos, como concessões
em troca do apoio dos evangélicos, foram e estão sendo formalizados. Para
ilustrar, temos o acordo do ex-presidente Lula com o PRB, da Igreja Universal,
nas eleições de 2006; o governador Geraldo Alckmin com o PSC, da Assembleia de
Deus, na eleição seguinte, 2010.
Estudo realizado pelo sociólogo Paul Freston em 2002 revela
que o então candidato a presidente e atual deputado Anthony Garotinho (PR-RJ)
obteve votação expressiva na eleição presidencial (18%), ficando em terceiro
lugar. Notoriamente, o deputado fez uso de sua identidade evangélica para ficar
mais conhecido nacionalmente e obter tanto alianças como votos concretos. A ex
- senadora Marina Silva (PSB-AC) alcançou patamar semelhante (19%), ficando
também em terceiro lugar em 2010. Embora seja assumidamente evangélica, Marina
não fez campanha calcada apenas nessa identidade, porém abarcou grande parte
dos seus votos através da comunidade evangélica.
Mesmo assim, não há dados teóricos que comprovam a
existência do ‘voto evangélico’ por pesquisas acadêmicas, apesar do papel que
atores religiosos têm assumido na cena eleitoral do País. Mas há uma certeza:
na corrida presidencial tal eleitorado possui extrema relevância, e os
candidatos correm o mais rápido possível atrás da benção.
Um dos presidenciáveis, Pastor Everaldo (PSC), sendo pastor
da Assembleia de Deus, já tem em sua conta uma boa parcela do eleitorado
evangélico, devido à grandiosidade da denominação Assembleia de Deus em âmbito
Nacional. Marina Silva (PSB),
pode conseguir captar ou herdar os votos conquistados pela ex - senadora nas
eleições de 2010. Quanto a Aécio Neves (PSDB) e a Dilma Rousseff (PT) cabe
planejar estratégias que alcancem esse eleitorado para conseguir apoio no
primeiro turno, e em eventual segundo turno das eleições.
O que dificulta a aproximação da ‘população evangélica’ aos
partidos e candidatos não assumidamente cristãos pode ser desde um pré-conceito
já estabelecido sem motivo aparente, quanto aos programas de alguns partidos
políticos que se contrapõem a princípios cristãos tais como aborto e
homossexualidade.
A polêmica sobre a descriminalização do aborto já foi por
vezes usada como estratégia em campanhas eleitorais, principalmente das
candidaturas progressistas. De forma semelhante ao ocorrido na campanha
eleitoral para a Presidência da República em 2010, o aborto foi trazido ao
debate em outras campanhas no passado principalmente no momento final e
decisório do embate eleitoral.
Interessante destacar a importância das comunidades
religiosas brasileiras no espectro político, sobretudo a evangélica, quando um
tópico que não encabeça a lista das principais temáticas de discursos políticos
como – educação, segurança e economia –, torna–se o assunto evidente em todos
os debates eleitorais.
Independentemente das motivações eleitorais que levaram as
principais candidaturas em 2010 a abordarem a questão do aborto em suas
campanhas, o que se pode observar é que este tema tão polêmico atingiu outro
patamar da opinião pública, ultrapassando os limites restritos da campanha,
gerando debates acalorados e intensos; podendo assim, de forma direta ou indireta,
influenciar o voto.
Cabe aos candidatos decidirem por uma interlocução próxima e
apresentação de programas concisos e de real interesse aos evangélicos, ou o
risco de buscar apoio em outros eleitorados, até mesmo de outras religiões e
perder o suporte forte de uma parcela numerosa da população brasileira.
diap.org.br/
Noemí Araujo Lopes* Bacharel em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB) e assessora legislativa da Contatos Assessoria Parlamentar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário