Minha saúde te importa?
POR: FÁBIO BLANCO
O Ministério da Saúde, por meio da Portaria 763/11, determinou que todos os pacientes atendidos pela rede pública ou privada de saúde devem apresentar sua CNS - Carteira Nacional de Saúde, a fim de que todos os procedimentos sejam registrados, vinculando seus nomes, juntamente com o procedimento aplicado, aos dos profissionais de saúde que os atenderam e dos hospitais envolvidos.
É verdade que, pelos meios eletrônicos de informação, qualquer rede pública de saúde poderia ter acesso, facilmente, pelo número de um documento como o CPF, a todo o histórico de atendimento em seus hospitais. Este é o preço que se paga por necessitar dos serviços do Estado. Porém, quando a obrigatoriedade atinge a rede particular, então a sensação é de que não é possível mais fugir dos braços estatais.
A
impressão é que o brasileiro não apenas entregou seu corpo em favor do
governo (pois trabalha para ele durante boa parte do ano), mas também
sua alma, pois não se importa com as investidas do poder público contra
sua intimidade.
O Ministério da Saúde, por meio da Portaria 763/11, determinou que todos os pacientes atendidos pela rede pública ou privada de saúde devem apresentar sua CNS - Carteira Nacional de Saúde, a fim de que todos os procedimentos sejam registrados, vinculando seus nomes, juntamente com o procedimento aplicado, aos dos profissionais de saúde que os atenderam e dos hospitais envolvidos.
Obviamente,
os objetivos apresentados são os mais nobres: integração dos dados,
controle e administração dos ressarcimentos que o SUS tem direito ao
atender paciente vindos de planos particulares e monitoramento do
histórico médico de todos os cidadãos, a fim de facilitar a implantação
de políticas públicas adequadas.
E ainda
que a exigência de apresentação da CNS esteja, temporariamente suspensa,
mantém-se a obrigatoriedade de os planos de saúde informarem o número
do registro do paciente no SUS no momento do atendimento e, se ele não
possuir tal número, registrarem, em tempo real, o cidadão para que ele
receba tal identificação.
Está
claro, portanto, que, ainda que o desejo do governo não esteja
totalmente implantado, o objetivo é o controle total dos dados relativos
aos históricos médicos de todos os cidadãos da nação.
Ter, em
suas mãos, todas as informações relativas aos cidadãos de seu país é o
sonho (que parece não tão utópico) dos governos atuais. O governo
brasileiro, tomado, como está, por homens formados por uma ideologia que
sempre fora totalitária, não poderia ser diferente. Por isso, ainda que
a privacidade, o sigilo e a intimidade sejam protegidos pela Carta
Magna do país, não há constrangimento algum na criação de mecanismos que
exponham a vida daqueles que habitam nesta terra.
O pior é
que também não se vê reação alguma, sequer para o debate, contra essas
medidas totalitárias que ignoram completamente qualquer direito à
preservação da vida privada dos cidadãos. A impressão é que o brasileiro
não apenas entregou seu corpo em favor do governo (pois trabalha para
ele durante boa parte do ano), mas também sua alma, pois não se importa
com as investidas do poder público contra sua intimidade.
Talvez
porque tais medidas sempre venham acompanhadas das melhores
justificativas, como segurança, razões financeiras ou organização
administrativa, as pessoas acabam aceitando os abusos, calando-se diante
deles, tudo em favor do bem comum.
Parece
que as gerações atuais sequer possuem noção do que significa o direito à
privacidade. Cercados como estão (e por que não dizer: doutrinados?)
por uma propaganda massiva que exalta o escancaramento da vida privada,
têm esta como algo absolutamente dispensável, senão negativo.
Por isso
que, quando surge uma determinação como essa do Ministério da Saúde, que
determina que todos os cidadãos do país possuam um cadastro no SUS e
sejam obrigados a apresentar o número relativo a ele, seja em consultas
em hospitais públicos, seja em particulares, pouquíssimas pessoas
percebem o perigo que se encontra em tal medida.
Se o
objetivo é a reunião de dados sobre números e tipos de atendimento, será
que é tão necessário que o paciente seja identificado? Não bastaria a
estatística impessoal, com números e datas dos procedimentos, sem que as
pessoas precisem revelar o que fizeram?
É verdade que, pelos meios eletrônicos de informação, qualquer rede pública de saúde poderia ter acesso, facilmente, pelo número de um documento como o CPF, a todo o histórico de atendimento em seus hospitais. Este é o preço que se paga por necessitar dos serviços do Estado. Porém, quando a obrigatoriedade atinge a rede particular, então a sensação é de que não é possível mais fugir dos braços estatais.
A saúde
de uma pessoa talvez seja um dos aspectos mais íntimos de sua vida. Há
doenças que, muitas vezes, elas não querem que sejam conhecidas, por
vergonha, por medo ou por qualquer outro motivo que lhe cabe por
direito. Quando mesmo esse aspecto de sua vida é, dessa maneira como
deseja o governo, devassado, a sensação é de que os homens não pertencem
mais a si mesmos, mas são meros instrumentos do poder governamental.
A força
que o Estado obtém com informações como essas é impressionante. Por
exemplo, ele pode proibir pessoas que não participaram de campanhas de
vacinações a receber atendimentos hospitalares até que aquela situação
imposta seja regularizada. Também qualquer agente governamental, com
base nos dados contidos no sistema, terá acesso ao histórico de saúde de
qualquer cidadão, conhecendo, assim, detalhes íntimos que talvez mais
ninguém saiba, nem familiares, nem amigos, tendo assim, em suas mãos, um
instrumento que possibilita todo tipo de extorsão ou ameaça.
De
qualquer forma, ainda que se considere esses motivos como paranoia de
ativistas anti-estatais, não se pode negar que, da maneira como as
políticas públicas estão sendo implantadas, a privacidade vai se tornar
uma palavra tão obsoleta que talvez apenas os mais letrados e
conscientes de seu valor saberão qual é o seu verdadeiro significado.
Fábio Blanco, advogado e teólogo, edita o blog Discursos de Cadeira.
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