19 fevereiro 2012



Infidelidade na internet

Como as redes sociais, os serviços de trocas de mensagens e os sites especializados estão sendo usados pelos brasileiros em busca de casos extraconjugais

Rachel Costa e Flávio Costa



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NA REDE
As mulheres se contentam em trair apenas no ambiente online.
Já os homens desejam levar a relação virtual para o encontro tradicional

No canto esquerdo da página do Facebook, uma foto que em nada lembra seu rosto, acompanhada de um nome que também não corresponde ao de sua identidade. No espaço reservado aos amigos, apenas um perfil feminino – tão falso quanto o dele. Ali, protegidos do mundo real, J. e M., 39 anos, criaram um ambiente reservado onde podem conversar, trocar intimidades e marcar encontros. Tanta discrição tem sua razão: ambos são casados e traem seus cônjuges. Namorados na adolescência, o casal se reencontrou após 20 anos de absoluto distanciamento. O cenário da reaproximação foi o próprio Facebook, mas, na ocasião, os dois usavam seus perfis verdadeiros. Quem deu o primeiro passo foi J., que, frustrado em seu relacionamento, utilizava a rede para dar umas escapadas. “Me encontrei com umas três mulheres pelo Facebook até reencontrar M.”, diz. Há seis meses a reaproximação virtual se transformou em saídas no mundo real, com direito a planos de separação dos atuais parceiros e projetos de casamento em breve. Sem medos, afinal, J. acredita que M. não voltará ao computador em busca de outro caso. “Acho que nós temos maturidade suficiente para não repetir os erros que nos levaram a essa situação”, diz.

J. e M. são personagens dessa nova trama em que a rede serve de pano de fundo para repaginar velhos comportamentos. Afinal, histórias de infidelidade sempre permearam os relacionamentos amorosos. O que muda são as ferramentas para que isso ocorra, cada vez mais abundantes e sofisticadas graças à internet. O mundo virtual tem se mostrado tão bom parceiro aos infiéis que muita gente, como a americana Katherine Hertlein, autora do “Manual para o Tratamento Clínico da Infidelidade” já considera essa a era da cybertraição. “Quanto mais as tecnologias de comunicação se desenvolvem, mais a internet é usada para a traição”, disse à ISTOÉ. Se o advento da telefonia móvel criou um canal direto entre os amantes, evitando os constrangimentos anteriores de ter de ligar para o telefone de casa ou do trabalho para marcar os encontros extraconjugais, a internet dá um passo além. Serviços de troca de mensagem, como MSN, Skype e Gtalk ajudam o contato. Redes sociais, como o Facebook, permitem garimpar antigos e novos conhecidos. E ainda há os sites especializados. “As redes sociais mudaram drasticamente o modo como nos conectamos com as pessoas”, disse à ISTOÉ a pesquisadora Millie Darvell, da Escola de Psicologia da Universidade de Queensland, na Austrália. “Ferramentas como o Facebook aumentam as oportunidades para conhecer e saber mais sobre os outros, o que pode ajudar na hora da traição.”


Não existe conta certa que mostre qual a população de casados dispostos a buscar pela internet um parceiro para trair. Mas eles são muitos, garantem os especialistas. “Posso dizer que boa parte dos usuários do meu site escondem do parceiro que estão cadastrados no serviço”, afirma Carlos Júnior Leal, dono do SexocomCafé, um dos pioneiros no Brasil em sites de encontros liberais, com mais de 250 mil usuários. Em uma das primeiras publicações a abordar o tema, o livro “Infidelidade na Internet” (tradução livre), de 2001, as autoras Marlene Maheu e Rona Subotnik estimavam que 20% dos internautas usassem o mundo virtual para algum fim sexual, sendo que a maior parte (dois terços dessas pessoas) era casada ou comprometida. É preciso, porém, lembrar que à época as ferramentas mais populares entre os traidores contemporâneos ainda não existiam. O Facebook surgiu em 2004 e as redes sociais para casados são ainda mais recentes – os grandes sites de traição vieram para o Brasil somente em 2011. Para completar, na última década o número de usuários da internet cresceu 399%. Mais ferramentas e mais gente na rede, essa é a realidade de hoje quando comparada àquela de 2001. “O desejo de trair já existia, as redes sociais apenas tornam isso mais fácil”, disse à ISTOÉ Rona Subotnik.
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INTIMIDADE
A blogueira Clara (acima) viveu o pesadelo de ter todos
os seus arquivos publicados esmiuçados por um ex; já J. usou o
Facebook para reencontrar uma antiga paixão: hoje eles têm um caso


Só nos três maiores sites de relacionamento para traição – o americano Ohhtel, o canadense Ashley Madison e o holandês Second Love – são 740 mil perfis brasileiros. “Estamos com quatro vezes mais cadastros que o planejado quando chegamos ao Brasil, em julho passado”, diz Lais Ranna, vice-presidente de operações do Ohhtel para o Brasil, site que concentra a maior parte desses usuários. Nesse fast-food sentimental, a proposta é oferecer, em pouquíssimo tempo, um vasto cardápio de opções para a traição. Alguns limitam o contato a bate-papos e sexo virtual. A maioria, porém, prefere terminar a história ao vivo e em cores. Em um estudo feito na Universidade de Nebrasca, nos Estados Unidos, dos 5.817 usuários entrevistados, 66% afirmaram não ter se contentado com o affair online. “Os sites servem como ponto de encontro para pessoas ocupadas acharem aquilo que pretendem de um jeito mais fácil”, afirmou à ISTOÉ Diane Wysocki, líder da pesquisa. E é mesmo bastante simples. Para integrar a terra prometida da traição, basta um e-mail e, no caso dos homens, pagar uma taxa que varia de R$ 29,90 a R$ 60 – para as mulheres é de graça.

Claro, assim como no mundo real, nem tudo o que cai na rede (virtual, no caso) é peixe. “Quando fiz o cadastro, achei um pouco estranho, parecia que estava buscando uma agulha em um palheiro”, diz a administradora paulistana P., 29 anos, casada há três. “Chegava muito recado de gente estranha, coisa mal escrita.” Foram três semanas de buscas até encontrar um rapaz solteiro, mas disposto a viver uma aventura sexual sem compromissos. “Uso o site só quando estou me sentindo sozinha ou desconfiada de que meu marido esteja me traindo”, afirma. P. é a típica mulher infiel, de acordo com o perfil traçado pela antropóloga Mirian Goldenberg, autora de “Por Que Homens e Mulheres Traem”. “Para elas, pular a cerca se faz necessário por vingança ou compensação de faltas do marido (falta de atenção, falta de carinho, falta de diálogo)”, diz Mirian. As diferenças de gênero se refletem também no perfil de relacionamento que homens e mulheres desejam quando se envolvem em casos extraconjugais. Elas muitas vezes se contentam com o bate-papo online. Eles têm mais interesse em fazer o contato virtual evoluir para as vias de fato. “Eu começo uma relação na rede interessado em trazê-la para o mundo real”, afirma o engenheiro carioca J., 53 anos, casado há 27 e traidor contumaz desde muito antes do advento das redes sociais. Há seis meses, ele resolveu experimentar os serviços de um site para casados para incrementar suas possibilidades de pular a cerca e aprovou. “As pessoas estão ali buscando a mesma coisa. Fica mais fácil.”
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"Ainda é comum a falsa ideia de a pessoa com
quem nos relacionamos ser propriedade nossa"

Luciana Ruffo, do Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática da PUC-SP

Circular pelas redes sociais em busca de perfis atrativos – para traição ou não – é uma tendência. Uma pesquisa da Universidade de Manchester, no Reino Unido, com mais de três mil pessoas mostrou que essa espécie de footing do novo milênio já é responsável por formar um a cada cinco casais. Foi assim com o designer capixaba H., 29 anos. Em 2001 ele conheceu F., um ano mais velha que ele. Os dois se encontraram por meio do ICQ, um serviço de troca de mensagens instantâneas que permitia buscar pessoas com interesses semelhantes. A conversa virtual sobre fotografia e bandas de rock evoluiu e logo virou namoro, que ia bem até que, em um fim de tarde de janeiro de 2003, uma moto atingiu F. em um cruzamento. Ela teve de amputar uma perna, ficou seis meses em uma cama hospitalar e depois passou a andar de cadeira de rodas. O período foi sofrido, mas H. não a abandonou. Pelo contrário. “Ficamos mais próximos. Achava bacana a força dela para superar tudo aquilo”. Seria mais uma bela história de superação em que o amor entre o casal dá força e os faz seguir adiante. Seria, não fosse o outro lado da moeda da exposição nas redes sociais. Ao visitar álbuns virtuais de fotografia de conhecidos, H. foi surpreendido por um retrato da namorada com outro homem, sobre a legenda: “F. e seu namorado”. “Fiquei fora de mim”, diz ele. A história se encerrou ali, em frente ao computador.

Rastros deixados sem querer são o principal risco incutido no binômio infidelidade e redes sociais. Nos sites de traição para casados, há uma série de cuidados sugeridos aos usuários para evitar o chamado “batom virtual”. Mas é difícil estar atento todo o tempo. Sinais de cybertraição foram citados como razão para um terço das cinco mil separações analisadas em uma pesquisa feita no Reino Unido em 2011. E o vilão do estudo é o Facebook. “Traição virtual é um motivo cada vez mais recorrente para a separação”, afirma o presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Família, o advogado Rodrigo Cunha Pereira. No Brasil, desde a alteração na lei do divórcio, não é preciso apresentar razão para se separar. Mesmo assim, muita gente busca a justificativa para não precisar pagar a pensão – e recorre a provas colhidas no mundo digital.
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Se por um lado crescem os casos de infidelidade virtual, por outro aumentam a desconfiança e o policiamento dos hábitos da vida do parceiro na internet. Com um agravante: as redes sociais superam em muito a capacidade do mundo real de tornar públicas as intrigas e afins, potencializando o ciúme e a insegurança. Foi essa a conclusão de um grupo de pesquisadores canadenses ao expor 308 jovens entre 18 e 24 anos à página azul do Facebook. Quanto mais tempo eles passavam conectados, mais ciumentos ficavam – independentemente de terem ou não personalidades ciumentas. “O Facebook nos permite acessar muito mais informações sobre nosso parceiro do que tínhamos anteriormente e isso está criando novos desafios aos relacionamentos”, disse à ISTOÉ um dos responsáveis pelo estudo, o psicólogo Amy Muise, da Universidade de Toronto, no Canadá.

Buscar equilíbrio nesse mar de novas informações tem se tornado um grande dilema na era do amor virtual. Para a publicitária paulista Daniela Izidoro, 25 anos, checar o Facebook do atual namorado já é um hábito incorporado à sua rotina. Ela faz isso pelo menos quatro vezes ao dia: ao acordar, na hora do almoço, quando sai do trabalho e à noite, que como ela define, “é quando ‘piriguetes’ atacam”. Essa mesma vigilância a fez descobrir, no ano passado, que um ex a estava traindo – ao encontrar fotos dele com outra no Orkut de um amigo dele. “Já passou pela minha cabeça que poderia ser mais saudável não saber de tanta coisa, mas é melhor passar por isso que todo mundo rir da minha cara e eu nem imaginar o que está acontecendo”, diz. Por trás da preocupação de Daniela se esconde a dor e a vergonha de quem está do outro lado da rede, o traído, que muitas vezes tem de lidar com o incômodo fato de saber que não só ele descobriu a infidelidade do companheiro – mas que ela foi compartilhada para amigos e conhecidos pelas redes sociais.


Tanta vigilância, porém, pode transformar coisas pequenas em grandes problemas. Afinal, alguma demonstração de carinho com a ex-namorada, a proximidade afetiva com a colega de trabalho, tudo isso está ali, na nossa frente, aberto a interpretações. “Ainda é comum a falsa ideia de a pessoa com quem nos relacionamos ser propriedade nossa”, diz Luciana Ruffo, do Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). O resultado é que nem sempre essa overdose de informações suscita boas reações no parceiro. Alguns chegam ao extremo de passar a consumir compulsivamente tudo o que está disponível sobre o marido ou namorado na internet – no que ficou popularmente conhecido como comportamento stalker (em inglês, pessoa que segue ilegalmente alguém). Quando isso acontece, por mais que não haja nada errado, tudo parece suspeito. “Tive um ex-namorado que leu todos os arquivos do meu blog e ficava querendo saber se tal história era verdadeira ou o que queria dizer com determinado comentário no Twitter”, conta a escritora gaúcha Clara Averbuck, 32 anos. E qual não foi sua surpresa ao descobrir que tanto controle escondia, na verdade, uma infidelidade. “No final das contas, ele é quem me traía.”

Mais uma faceta obscura do universo virtual é a incerteza sobre a verdadeira identidade de quem está do outro lado da tela. Isso pode dar espaço para armadilhas cruéis, como a que o fotógrafo B., 35 anos, foi enredado. Em 2007, ele vivia uma fase difícil no namoro quando recebeu um e-mail de uma garota que dizia ter amigos em comum com ele. Acabou por se render à investida virtual e topou um encontro em um bar. Quando chegou ao local, porém, ninguém o esperava – a não ser a namorada. Os dois brigaram e, durante a discussão, a ex admitiu ter tramado toda a história. Ela mesma tinha mandado os e-mails e, além disso, instalado um programa espião no computador e copiado as senhas de B. “Foi um plano maquiavélico. Senti muita raiva dela por ter inventado tudo aquilo para testar minha fidelidade”, afirma.

Assim, do mesmo modo como os traidores ganharam suas ferramentas, o contra-ataque à infidelidade vai, aos poucos, tomando forma. Há um batalhão de detetives virtuais, contratáveis pela própria internet. Eles quebram senhas de e-mails e de perfis em redes sociais para registrar movimentações suspeitas pela rede – tudo isso por um preço que varia entre R$ 500 e R$ 1000. No próprio Facebook, uma página em inglês que se propõe a reunir “mulheres contra a traição” é “curtida” por quase 600 pessoas. No Brasil, o site traída.net reúne histórias e dá dicas para mulheres que suspeitam ou têm certeza de que seus maridos estão vivendo um romance fora do casamento. A empreitada foi herdada pela administradora Priscila Tarcha, 28 anos, depois da morte da mãe, Isabel Tarcha, em 2005. Isabel criou o espaço após flagrar o ex-marido em busca de casos extraconjugais em uma sala de bate-papo, em 1998. “Minha mãe tinha 32 anos e estava com ele havia dois. Lembro-me de vê-la triste por causa da descoberta”, diz. Responsável por dar continuidade ao trabalho iniciado por Isabel, Priscila diz que aprendeu muito com a história da mãe. “Ela me ensinou que existe vida após a traição e que não adianta: quando a pessoa quer trair, ela trai”, afirma. Mesmo com tanto conhecimento de causa, a administradora não foi poupada de flagrar pela internet a traição de um namorado. O que prova que, em tempos de relacionamentos pela internet, ainda não há antivírus que vacine contra a traição.
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 IstoÉ, Ed.2206 - 18/02/2012
 

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